sábado, dezembro 22, 2007

ao

deitada na cama
os sonhos vertendo
o abismo surgindo
o final, então

a música sem fim
do sentimento certeiro
o motivo ao ermo
a dor da luz

feche a cortina
o sol fere
o mundo se abre
o medo surge
para dentro e para fora de mim

quero acabar com isso
queimar as palavras
os pensamentos e as idéias
o nada e o tudo
ao fogo abrasador!

é completamente desgastante
e degradante
assim como ante
antes e após

se pudesse sumir
mas fugir do abismo
se pudesse correr
mas não alcançar o nada
eu...
quero...
que isso volte a transformar-se
em matéria nenhuma.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

... como o vento que as traz. [ as memórias ]

Abriu seu bauzinho de pequenos tesouros, um velho mundo se abria da escuridão para a luz. Ficou a olhá-los decididamente por horas, passando os dedos delicados por cada imagem, objeto e palavra. Possuía ali, e bem sabia, muito mais que ouro vivo e orgulhava-se disso, deixando algumas lágrimas sorrateiras, mescla de alegria e saudade, caírem levemente por seu rosto cansado. Havia tempo que não retirava a chave do esconderijo para ver suas preciosidades. Porém, agora que as tinha nas mãos, não as queria devolver para o escuro do baú nunca mais.

Começou, muito bem, por... ele.

Era um jardim maravilhoso, em plena primavera. As flores sorriam para o céu radiante, mesmo que nublado, um céu com histórias fantásticas. Ela estava no balanço, uma chuva gostosa se deixava cair em seus cabelos longos e dourados, balançava devagar, devagar, a tristeza em seu rosto. Era seu aniversário de dezessete anos e ninguém havia lembrado, exceto sua mãe e uma amiga. E agora estava só, completamente.
Então, ele apareceu. Pisava devagar no verde e na lama, estava ofegante, havia corrido, corrido muito e agora tentava não ser descoberto. Chegou à frente do balanço, levantou seu queixo delicado e, então, a rosa.

- Para você.

Ai, como chorava de falta. Limpou as gotas no rosto, parecia que ainda podia sentir a chuva daquele único dia de primavera, e abanou a cabeça: a rosa murchara. Como tudo que é efêmero vai e não volta. Apertou a si mesma, sentia a vontade desesperadora de que ele estivesse ali, agora... o corpo se foi, todavia o sentimento permaneceu, e isto era tudo que ela possuía.
Demorou muito tempo para separar-se do balanço, da rosa e daqueles olhos molhados. Os olhos que a vigiavam, cheios de amor e sonhos a ser realizados. Ah, que daria a vida parar tocar-lhe por um único segundo de realidade.

A seguir, tocou no rosto deles, seus pais, imagens vivas de afeto e carinho, palavras cortantes, perfuradoras, mas sempre verdadeiras.

Sua mãe chorava no quarto desesperadamente, dolorasamente, chutava e socava os lençóis, os travesseiros, e tudo que se encontrava pela frente. Ela podia sentir a dor emanar de toda aquela raiva, de toda aquela tristeza.

- Não! Por quê, por quê, por quê?

Ela também não entendia por quê, mas sabia da realidade desde pequena, enquanto segurava com as mãozinhas tão frágeis a beirada da porta. Tinha seis anos e acabara de perder o pai, e sua mãe acabara de perder o amor de sua vida.

- Querida... - a dor aumentou ao ver aqueles olhinhos lacrimejando - Venha cá. - abraçou-a. Tudo vai dar certo, a mamãe promete.

Mães sempre são fortes. E ela se sentia agradecida por ter tido aquela mãe tão esplêndida e dedicada. Lembrava-se pouco de seu pai, mas sempre o vira com um sorriso no rosto, exceto quando ia dar-lhe bronca. Mais lágrimas vieram, ao lembrar que nunca pôde ter filhos. Eram apenas os dois, ela e o magnífico homem da rosa. Mas eram felizes, ah, se o eram!
Mais um pouquinho, pensou, e tocou em mais um vagalume cintilante.

Sua formatura, seus desejos, seus sonhos, seus medos antigos. Tudo veio esvoaçando até sua mente. Sua vida inteira, incrivelmente sólida e vivida. Sim, uma vida vivida, deliciosa, cheia de alegrias e decepções, cheia de perdas e ganhos. Estava feliz.

Fechou o bauzinho, enfim, mas antes fez questão de pegar tudo de dentro dele, tudo que brilhava e pulava para dentro de si, sugou cada pó, cada pequena partícula e voltou à vida de agora. Talvez outro dia fosse buscar mais e mais felicidade naquela caixa magnífica. Mas, para isso, precisava enchê-la.

E o fez.




terça-feira, dezembro 04, 2007

Sentir.

E, então, as lágrimas voltavam-lhe aos olhos, tão azedas, tão doloridas, queimavam-lhe a face enquanto desciam; ela sabia que não queria chorar, mas já o estava fazendo. Não conseguia impedir o sentimento que vinha arrepiando todos os seus fios de cabelo, os pêlos, a roupa, e até mesmo os olhos, que se abriam de medo diante da perda de controle. Sua fragilidade começava no momento em que se deixava ler: abria-se o livro de sua alma, e as palavras nele escritas não se passavam de chaves para abrir sua consciência.
Ela não agüentava mais, alguns detalhes já a matavam, sugavam todo seu sangue. Tentava fechar os olhos para fechar também a mente, o coração e... o pulso que passeava dela para o resto do mundo. Em um pleonasmo exato e vicioso: o pulso pulsava pulsante dentro de seu pulsante coração para o resto do mundo que pulsava quando abria os olhos novamente. Aquele pulso a controlava.

Estava sozinha, definitivamente ao ermo e vazio. Ele a deixara. Não é simplesmente mais um caso de paixão mal-correspondida, não, é mais sério, vem do amor, o amor que vive as pessoas, que as faz sentir algo mais. E como ela amava! O amor a movia, dava-lhe a vontade de seguir em frente, de ter alguém e algo por que lutar. O amor havia dominado o pulso, em verdade, havia-se-o tornado.
Porém, em um dia sem data, começaram-se as malditas. Ela passou a sentir o gosto delas constantemente, salgado, amargo de tristeza. Estava tão absurdamente feliz, não obstante, com a tristeza estava sempre de mãos dadas, anéis trocados, e, se não fosse a loucura do paradoxo, diria que as duas eram felizes.
Nunca exigiu nada, nunca disse nada, apenas era magoada e morta todos os dias. Por coisas pequenas, por bactérias invísiveis a olho nu, mas sentia tudo cravando-lhe uma estaca no peito. Ele não era culpado, e ela repetia isso sempre, todos os dias, meu amor, sou eu, o problema sou eu, não, não se chateie, não vá embora, não... E uma porta era batida. Ela ia para o banheiro, abaixava a tampa da privada e sentava-se em cima, agarrando-se ferozmente a seus joelhos, soluçando demais, indefesa, perdida, desiludida. Quase uma constante.
Uma vez foi até o espelho do quarto de sua mãe, um bem grande e límpido, e perguntou ao seu reflexo, encostando a pontinha dos dedos em sua própria imagem: "O que é o amor?" Não veio resposta, mas ela não cansava de olhar para seus olhos, eles pareciam tão decididamente expostos, tão pequenos diante de tudo. Ela quis agarrar sua imagem, mas não conseguiu. Chorou.

Ele foi embora de vez no verão. Ela odiava o verão, talvez ele quisesse que ela também o odiasse. Mas ela só pensava que ele havia ido embora e deixado a estação quente, queria sua primavera de volta, de qualquer forma. Mas não conseguiu. Sabia que nunca conseguiria, pois ela era como uma flor frágil e efêmera, logo se murcharia à visão de seu possuidor.
A verdade é que ele não conseguia entendê-la, qualquer coisa, qualquer ato, feria-a de uma forma bruta e desconexa. Não podia fazer nada sem que a doesse na alma. Odiava machucá-la e, desta forma, entendeu que seria melhor deixá-la sozinha, desamparada, mas sem a dor que lhe causava todos os dias, incontavelmente.
Ele também sofreu, o amor era dois, mas aquilo não poderia prosseguir. Ele, agora, não conseguia mais agüentar. E se foi.



Voltamos ao momento. Ela se odiava, sabia que seus sentimentos incontroláveis eram o motivo para sua eterna escassez. Nunca o teria de volta. O desespero se lhe tomava conta. E era realmente desesperador sentir de uma forma tão incrivelmente surreal e avassaladora. O sentir, esse maldito sentir, fê-la subir extremos, fê-la viva. Ao passo que também a fez morta.
Mas a certeza que sobrevoa sua mente é que, se não sentisse, tudo seria pior, sua loucura, pois já estava enlouquecendo de tanto sentimento, seria a loucura das mentes vazias.

Chorou mais uma vez, enquanto um pequeno sorriso aparecia em seu rosto.
Quase imperceptível.

sexta-feira, novembro 23, 2007

~

Um dia, a Lua veio até mim
E, no seu mais íntimo ser,
Mostrou-me os segredos
Sussurrados entre os ventos.

Contou-me sobre terras distantes,
Inteiramente belas,
Cuja alma canta um soneto de alegria.

"Seus pássaros e pássaros a cantar,
Com suas asas de ouro e cetim,
Que me encantavam à luz da eternidade!"

Sobre mais meralíssima inteligência,
Senti-me apenas uma estrelinha ofuscada,
Que necessita de sua lua para brilhar.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Era-se uma vez.

Estava em pé, apoiada em um dos lados daquela ponte há horas. Era uma ponte pequena e gasta, mas incrivelmente maravilhosa. As plantas haviam-se apossado de sua madeira, misturando-se meramente como matéria em matéria, ocupando um mesmo espaço. Abaixo de si havia um lago com milhares de gigantescas Vitórias-Régias. Verde, baixa, verde: lembrava-lhe um quadro de Monet.
Seus olhos brilhavam e parecia ansiosa. Não, definitivamente estava ansiosa, passava os dedos pelos cabelos, enrolando-os bem de leve. Estava em uma floresta conhecida, porém pouco visitada, e sentia-se como uma adolescente. Vento fresco, fios voando, segure o vestido. Ajeitou o chapéu de veraneio, caía-lhe bem com aquele leve vestido bege e sandálias brancas e baixas. Seu rosto representava vinte e um anos de vida, mas possuía trinta e três, às vezes as marcas não se mostravam na face. Carregava uma bolsa grande e bonita, e um guarda-sol estava apoiado na ponte, cheio de bordados e mimo. Na mão direita segurava com força um livro vinho: "Olhos de Lucy"; mostrava uma grande paixão e cuidado por ele.
Tocou no pingente de coração que estava pendurado entre seus seios, e o apertou lentamente. Abriu-o e encarou os ponteiros: cinco horas e dezessete minutos. Agarrou o livro junto a si e quedou-se por um instante em uma página. Fechou-o logo a seguir. Começou a andar ansiosa pela ponte, um nervosismo repreendido pelo bom senso. Tacou pedrinhas no lago, fechou os olhos, bateu o pé, arrancou o chapéu!

- Nada - passou a mão pelo cabelo dourado e longo. - Oh, onde! Para onde? É aqui, estou certa!

Olhou novamente a hora. Ficou vermelha de raiva. Gritou ferozmente e sussurrou devagar, gritou e sussurrou. "Stevan, oh, Stevan!" Tirou as sandálias, derrubou o guarda-sol e correu com o livro nas mãos até a clareira da floresta. Nada, ninguém, absolutamente vazio. Ajoelhou-se um pouco e algumas lágrimas pareceram escorrer de seus olhos: havia chuva, pequenas gotículas finas.

- Não, não se pode haver chuva! Não!

Levantou-se rapidamente e correu de volta para a ponte. Arrancou o vestido raivosamente, despiu-se por completo. Sentia um frio terrível pela chuva que agora tocava seu corpo nu. Mas não se importava. Arrebentou o cordão com o pingente e o jogou no lago. Estava desesperada, o coração sumiu na água.

- Adeus, Stevan! Engula seus presentes!

Abriu o livro e começou a rasgá-lo página por página, as letras ficando embaçadas pela chuva, até chegar... ali.

"Então Lucy estava bela, realmente bela, muito mais do que jamais a vira. Quando cheguei à ponte, olhava aquelas plantas aquáticas. O sol forte, mas faltando pouco para pôr-se, iluminava seus cabelos sedosos e dourados. Ela me olhou, com aquele olhar vidrante, aquele olhar de sempre, e eu fui magnetizado, correndo até ela... minha Lucy, seu Stevan."

Chorou desesperadamente. Oh, que não havia de ser assim. Mas era! Era, e a raiva lhe subia. Jogou o que restou do livro no lago e abriu sua bolsa, apenas para pegar uma camiseta e um short jeans meio surrado. Puxou um livro de dentro da bolsa, e jogou-a logo após na água.

Seu nome agora é Sheila. Iria para a África.

Folheava as páginas enquanto andava de uma nova maneira, com novos tiques e novas letras...

terça-feira, novembro 06, 2007

Verdade injusta.

Perdia-se incontavelmente no mundo dos sonhos, naqueles que devolviam-lhe a alegria e a doce juventude para dentro de seu corpo. Não havia mais muita coisa para ela. Acordava tarde e chorava sempre que o fazia; as imagens que pareciam tão reais, o afeto que morava apenas dentro de sua oniricidade, sumiam de seus olhos, e as lágrimas de dor e desespero vinham incontáveis.
Estava sozinha. As pessoas de branco entravam, saíam, limpavam, bom dia, boa noite, adeus. Nenhuma pergunta sobre como fora o seu dia que, apesar de exatamente igual ao anterior e ao anterior do anterior, era existente assim como qualquer outro.
Quando acordava, além de chorar e abraçar-se junto ao seu corpo, indefesa, andava lentamente até o banheiro e todos as manhãs tinha a vontade pulsante de quebrar aquele maldito espelho. Era um espelho grande, embaçado e com uma parte quebrada, todavia mostrava-lhe a face flácida e cheia de rugas. E aquilo causava-lhe repulsa, apesar de ser uma dor mínima comparável aos pensamentos que a controlavam.

Mamãe, mamãe! Era Júlia gritando ferozmente, chegava da escola faminta e cansada. A casa limpa, e aqueles tênis, malditos tênis, entravam correndo e sujando todo o chão de lama. Lúcio vinha logo a seguir, sempre calado, frio, distante. E assim pode-se dizer que continuou sendo para sempre.
Essas crianças nunca tiveram um pai. A mãe se chama Maria, porém tem alma de Madalena. Prostituía-se, e como isso doía dentro de si! Mas precisava de sustento, não se importava em vender o corpo em troca de comida para seus filhos, de dinheiro para dar-lhes o melhor.
Fez tudo por eles, até mesmo o impossível.

Et Voilá: o abandono em troca do amor.

Ninguém mais a visitava. Diziam que estava velha, louca, já estava na hora de partir. Já fizeram demais por ela, pagando o asilo. Por que deveriam perder seu precioso tempo falando com uma pessoa que não tinha o que falar? Além do mais, as crianças não gostavam de ir vê-la.
Ela acordava, chorava, comia e voltava a dormir. Os dias todos iguais, a tristeza na alma. As enfermeiras eram secas, rudes, fingiam não ligar para o desapontamento daquela senhora, que às vezes tinha o olhar longe, fixo no teto.
Estava esquecida. Era realmente uma pessoa quase inexistente.

Sentada na cama, as pernas inchadas, penduradas entre o chão e seu corpo, olhava para suas próprias mãos e arrastava o dedão por entre elas. Rezava à noite, não conseguia entender por quê, já que estava perdida, e a dor era incontrolável. Mas rezava arduamente, como se fosse fazer efeito. Porém hoje rezava por perdão.
Ela queria morrer há muito, sua existência não tinha mais sentido. Estava tudo acabado, ela era apenas uma parasita no mundo... apenas uma velha idiota jogada num asilo.

Tomou remédios demais. E assim se foi.

Tudo que restou foi o aviso de que sua mãe morreu. Ambos os filhos sentiram um alívio imenso, mas as lágimas, simplesmente, rolaram-lhes pelo rosto no dia do enterro.

- Oh, mamãe!

E flores caíram. E terra caiu, e tudo caiu, o corpo, o medo, a dor.
E todos continuaram com suas vidas, até que tudo desapareceu: o túmulo, as letras do epitáfio. Maria.

Perderam-se no esquecimento.

quinta-feira, outubro 18, 2007

Superação.

Era um dia frio, um outono meio inverno, onde havia folhas caídas no concreto, e outras flutuando lentamente. As pessoas andavam apressadas, empurrando umas às outras, quase correndo para o pagamento de fim de mês. Ele, escondido, definitivamente apagado, dava passos doídos, deixando pegadas falsas no chão úmido. Mexia com o anel dourado entre os dedos, e sua calça, de tão comprida, arrastava-se no chão.
Ela o seguia. Um seguimento logo ao lado, os olhos vermelhos de raiva (ou ao menos é como queria que estivessem...). Reparava no anel, passando por entre os dedos dele, o homem absorto em pensamentos. Sentiu o egoísmo adentrar em seu corpo-alma. Soltou um grito de dor, mas ninguém a escutou. Sentiu-se indefesa, solitária. Por um momento, e riu-se consigo mesma, achou ter sentido frio.
Ele parou em frente a uma loja de vestidos de noiva. Ficou observando, tão atencioso, os vários modelos que ali se encontravam. Tocou na vitrine, a palma da mão em mira de uma brancura: véu até os pés, flores bordadas em sua ponta, alças para os lados, aveludadas. Suspirou tão profundamente que o tempo pareceu parare, e ela pode sentir o seu coração suspirado e exalado ao frio.
Continuou seu caminho, o anel agora em volta do dedo. Ela queria chorar e abraçá-lo, gritar que o amava, que ele estava livre, que seguisse com a vida! Mas não conseguiu. Ela precisava sentir a dor da verdade, por isso ainda o seguia há seis meses. Passo-por-passo, dizia e se apertava com toda a força que conseguia obter.
Parou, novamente, em frente a um café. Respirou fundo inúmeras vezes, tinha um ar indeciso. Ela ficou esperando uma reação (decisão!), e ele resolveu que entraria. Realmente entrou. O ar de dentro do recinto estava mais quente, aconchegante, ele se sentiu bem, acolhido, mas ansioso. Apesar do frio, ele suava, suava muito. Foi-se para uma mesa no fundo e pediu um chocolate quente.
Ela se sentou em frente a ele. Estavam cara-a-cara, não obstante ele olhava para suas próprias mãos.

- Vamos, faça o que você quer fazer, eu sei o que está dentro de seus pensamentos, pedindo para ser expurgado! - ela gritou, mas ele não mexeu um músculo ou sequer respondeu.

Algumas lágrimas escorreram do rosto dele, tardias, gotículas de alma cortada. E, com um movimento raivoso, ele tirou o anel. Ela se tremeu por dentro: o anel que estava em seu dedo, idêntico ao que agora estava adormecido na mesa, desfez-se em pó. Gritou. E seu grito foi surdo para o mundo, ela sabia disso, mas continuou a gritar.
A porta do café abriu e fechou, uma bela mulher de vinte e cinco anos adentrou sorridente, doce olhar sensual, e foi em direção ao homem abatido e à mulher que parecia engasgada.

- Eduardo! - e deu-lhe um beijo longo e demorado na bochecha. - Desculpe o atraso, encontrei uma velha amiga na rua... - sentou-se ao lado da mulher, cujo nome revela-se agora: Sophie. Porém não a cumprimentou.

- Tudo bem, Val... tudo bem. Eu mal cheguei, de qualquer forma. - ele parecia querer chorar como uma criança.

Sophie quis arrancar todos os fios de cabelo daquela vadia, de nome Val. Tentou cravar-lhe os dentes no rosto, mas não conseguia tocar-lhe. Quanta intimidade eles já tinham! Val, Val, Val! Beijo demorado, ele com certeza estava sem ação.
Valéria pegou suas mãos, ele a olhou de volta nos olhos, assustado, queria correr, fugir e enterrar-se vivo. Sophie tornou-se confusa, ao olhar para aqueles olhos perdidos, e sentiu um penar imenso em sua cabeça. Por quê, por que ela o perseguia e fazia com que aqueles pensamentos cruéis lhe voltassem à mente? Por que não o deixava em paz? Em seis meses, desde o ocorrido, era a primeira vez que se encontrava com uma mulher, e ainda sentia o pesar na consciência. Oh, que ela era injusta e egoísta! Ele precisava seguir em frente. E não só ele precisava fazê-lo...
Levantou-se e passou decididamente pelos dois. Chorava muito, de alguma forma, por dentro de si mesma, porém continuou a andar. Ao chegar à porta, olhou para trás e viu Eduardo, seu Eduardo, o amor de toda sua existência, olhá-la em absoluto surpreendimento, as gotas nos olhos. Ele conseguia vê-la agora. Conseguia sentir-lhe a tristeza.

Ela fez fez um adeus com as mãos e sorriu. Saiu pela porta, antes que ele pudesse correr até ela, e desapareceu.

Era hora de seguir em frente.

terça-feira, outubro 16, 2007

Um segundo de atenção.

E, então, mais um ano se renova, escapando por entre a sua pele todo o tempo que já se passou. Você quer segurar as horas, os minutos e, por deus!, até mesmo os segundos(pequenas partes de mim, que cobrem toda a pintura da minha alma), mas você não consegue. Parece que o universo resolveu atuar contra você, em função do tempo.
O que eu vejo é meu corpo sozinho, estático, em algum lugar entre lá e aqui; as estrelas bilhantes ao meu redor, girando, girando, como se eu fosse o centro de tudo. Eu disse tudo? Tudo o que não existe e aquilo que as mentes apagaram. Mas o maldito e meu mais temeroso medo parece ter-se extingüido por completo, já que aqui não há tic-taquear. Ou melhor dito: lá.
Olho para trás e os olhos reluzem: nada volta, os sentimentos (talvez apenas fantasiados, mas sentidos) sumiram-se todos, as mãos que me encostavam os cabelos tonaram-se pó, e o vento que dantes trazia o cheiro de verão tornou-se água, incolor, sem forma.

E, com as lembranças, minha realidade volta.

Eu estou aqui, agora, respirando, pensando no que escrever, escutando sonidos difusos. Mas o agora já se foi, já me estou no depois, que agora é agora, mas acaba de tonar-se antes.

Nada disso faz sentido, eu sei, obrigada. Mas é o que foge de minhas mãos para as palavras, o zunido tão irritante de minha mente, também com a mesma característica ruidosa. Eu não queria, e muitos eus de mim também não, não, definitivamente não, sentir o tempo assim, sem poder situar-se nem por um momento, por um milésimo de... segundo?
Segundo minhas mãos, e também a energia que emana da ponta de meus dedos, segundo, segundo elas, o segundo não existe. Não pode existir. Como poderia existir um segundo qualquer, como?

O confomismo do não-saber às vezes é completo em mim, mas dura apenas um... segundo.
Logo poderia dizer-lhe que, agora que já é depois, meu pensamento não-existe.

Adeus, segundo passado.
Amanhã talvez seja outo segundo,
de um segundo-décimo-sexto-aniversário.

Parabéns para mim.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Mundo de Papel.

"Tinha mania de morder a tampa da caneta enquanto escrevia. Mordia também o lápis, o papel e principalmente as palavras. Isso, exatamente isso. Elaine costumava morder as palavras de tal forma, até que o universo ficasse de cabeça para baixo para estas a morderem de volta.
Irritava-se com o barulho que faziam ao seu redor, às vezes queria matar mesmo uma criança, pois seu choro a arranhava por dentro. Além de ser mordida por palavras, Elaine era arranhada pelo barulho. Isso era realmente um problema."

Pronto. Cessou a inspiração, ele estava há dias tentando escrever sobre... Elaine. Uma mulher egoísta, que achava-se superior às pessoas e que tinha manias consideravelmente peculiares. Mas não conseguia criar mais que isso. Não conseguia dar-lhe um rosto, uma expressão, cabelos ou roupas que usaria se realmente existisse.
Além disso, começou a achar que suas personagens eram verdadeiramente apenas feitas de palavras, somente isso, não lhe pareciam reais. E também não entendia por que diabos escrevia detalhes banais com os quais ninguém se importaria, apenas ele, é claro, e suas personagens de veludo, que de alguma forma agradeciam pela importância que este dava para suas vidas tão cotidianas e banais.
Ninguém entendia que ele precisava transportar os sentidos para o papel, mas que, ao mesmo tempo, não agüentava mais fazê-lo. Queria basear-se na vida, na realidade, mas não conseguia, as sardas, as ruguinhas, um fio de cabelo branco de Elaine o perseguia.
Exatamente! E seu coração acelerou: sardas... ruguinhas... um fio branco... trinta e dois anos?!

Desclareou-se. Mulheres de trinta e dois anos não costumam ser tão Elaine. Não costumam ter tantos detalhes, elas apenas são mulheres de trinta e dois anos. Não que pensasse que elas eram banais, não, não é nada disso, ele apenas pensava a verdade, como em sua maioria todos pensam.
Não sabia mais o que fazer. Tirou os sapatos. Ainda estava de sapatos porque ficou com preguiça de tirá-los quando voltou da padaria. Seus dedos eram horríveis, fez uma cara de nojo e apoiou-se na mesa. Dedos horríveis, dedos horríveis... talvez ela tivesse dedos horríveis! Oh, não, meu caro, mulheres de trinta e dois anos fazem as unhas.
Por que mulheres de trinta e dois anos fazem as unhas? Ele ficou com raiva de todas as manicures e pedicures: queria matá-las, vagabundas, vaidosas fedorentas. Ele não queria Elaine de unhas feitas, mas não queria dar-lhe unhas não-feitas. Enraivou-se.

Pro inferno! Declarou e decidiu continuar a escrever. Ele precisava dar-lhe mais vida, nem que fosse um dia, nem que fosse uma morte. Apenas algumas linhas, alguns suspiros, algumas raivas e algumas unhas!
Malditas unhas.

Ela caminhava pela rua tão lentamente que parecia quase cair, mas não se importava, tinha ódio das pessoas que andavam apressadas. Ó que não conseguia entender por que aquelas pessoas precisavam ser rápidas. Era o sustento de muitas delas e de suas famílias, mas Elaine não se importava, queria chegar em casa e escrever sobre o quanto é sofredora e o quanto a depressão a alastra pouco a pouco.
Vivia em um abismo, sem saber por quê. Bem, talvez porque era uma mulher de trinta e dois anos que vivia em um apartamento onde a luz não entrava e passava todo o dia lendo, absorvendo, esquecendo do mundo real. O mundo em que há pessoas sofrendo muito mais do que ela, sofrendo de fome, de miséria e de falta. Falta de tudo que possivelmente ela possui.

Ele agora odiava Elaine. Odiava com todas as forças. Quão mesquinha, irredutivelmente ingrata e egoísta ela era! E isso tudo vinha de dentro dele? Cuspiu em seus dedos: estava morrendo de repugnância de si mesmo. Foi até o espelho do banheiro e olhou fixamente para seus olhos. Podia vê-la ali dentro, presa em suas palavras, em suas folhas, apenas esperando para que ele lhe desse outras características odiosas e mesquinhas.
Voltou à sala e rasgou as folhas, abriu a janela e jogou os pedacinhos de Elaine no ar, não saiu do umbral até que todos os pedaços quedassem no chão, seis andares para baixo. Sentou-se no sofá, sentiu-se um pouco livre, calmo e solvido.

Acabara de matar uma personagem, sentia-se um assassino. Não obstante, a repugnância passara.


segunda-feira, outubro 01, 2007

Ah.

Por quê, sinceramente, e digo sinceramente mais uma vez, por que agarro-me tão ferozmente aos detalhes? Por que acho que vejo certas coisas, e essas coisas me atormentam de tal forma que a alma parece querer afogar-se em angústia?
Eu digo por quê: pois você não passa de uma guardadora, exatamente isso. Você guarda o pisque dos olhos e o roçar dos dedos, o olhar de lado, e o movimento dos lábios. Isso te rasga de uma forma surda, e sangrar-se sem barulho dói. Dóis tanto, que você esquece completamente da dor, pois você se acostuma. E então não sabe para quem virar o rosto, pois estão todos apontando-lhe o dedo, gritando, gritando... e sussurrando, sussuros estrondosos, tão piores quanto os gritos. Como se a dor fosse pecado.

E então chega o segundo ato de tudo. Você sente a repugnância de si mesma, ninguém consegue alcançá-la. Seus olhos perdem o foco, você está caindo naquele abismo, tudo por causa do excesso de sentimento, antes tão escasso. Você cai. Parece nunca ter fim, parece que suas lágrimas formarão um mar, e sua pele tornar-se-á seca, sem o efeito da hipérbole.
Você percebe, então, que de alguma forma você está sozinha. Porque talvez nunca ninguém vá entender esse sentir tão avassalador que explode de dentro de você.

Por isso você chora, menina.
De medo.

De tanto medo...

sexta-feira, setembro 28, 2007

Caixinha de Música.

Abriu-se o mundo,
A bailarina dançou.
A música tocou,
Musiquinha,
Devagar.

A menina girou,
A bailarina piscava,
Que mundo gigante,
Essa menina tem!

As notas avançaram,
Entraram em cada pó,
Em cada fresta,
Do universo desconhecido.

E a menina cansou,
Não queria mais a música,
Nem o pequeno mundinho
Da linda bailarina.

Fechou-se a caixa de veludo,
A dançarina se foi, caída,
Quase a morte musical.

A menina jogou o pequeno átomo,
Do inteiro infinito,
Em uma galáxia fechada,
Onde a música, assim como nada,
Não se propagava no vácuo.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Final Ao Vento.

E então ela abriu os olhos. Mas não viu nada, nem mesmo um borrão em sua frente. Estava anestesiada, dolorida, não-sentida. Tentou levantar, mas o peso de seus longos cabelos a jogou no chão. É estranho pensar em o quanto um cabelo pode pesar, assim, e levar em si toda a consciência e carga de sentimentos de alguém. Seus fios eram grossos, mas lisos, lisíssimos, tão lisos que o vento conseguia passar por eles sem levantá-los. Na verdade, lá não ventava. Nem fazia frio ou calor.
Apenas nada. Demorou um pouco para perceber que não estava respirando. Estava apenas... deitada, sem forças, onde? Na escuridão, no completo ermo e vazio. Arranhou o corpo sem as unhas, apenas com a mente, mas não conseguiu sangrá-lo. Lembrou-se que sempre o sangrava, sempre, escorria o sangue de sua alma para seu corpo; tal como as lágrimas. Porém agora não conseguia fazê-lo: desesperou-se.

Ah, o desespero.

Fez forças. Fez forças. Fez forças. Tanto fez que conseguiu sentar-se. Seu corpo inteiro doía, e doía muito. Não compreendia. Como se poderia doer se estava morta? Foi a única explicação que conseguiu encontrar: a morte. Não respirava, não se arranhava.

E se doía.


Ela nunca havia se doído antes, mas já ouvira muito falar em pessoas que sentiam tal dor. A dor corporal. A dor que não sangra. Esta segunda lhe era a mais espetacular, a mais especial, a que nunca imaginara, a que sempre almejara. Queria realmente ser parte do filme de pessoas sorridentes, tristes. Sorridentes e tristes. Um equilíbrio. Mas por que ela não podia ser equilibrada? Por que ela não tinha peso? Oh, meu deus! Ela não tinha peso, como podia ter uma balança sem pesos?!
Ela não sabia.

Mas estava ali, e isso importava. Importava a dor que sentia e que, por alguma razão anexada, ninguém nunca entenderia.

E as pessoas passavam, olhando-a, extremamente entediados.
Apenas mais uma perdida, louca, mulher.
Menina.

Doendo, sangrando com a mente e com as unhas, doendo muito.
Mas ela nem piscava. E eles nem olhavam, mas respiravam.

Enquanto era apenas aquilo, sorriu sinceramente, sem nexo, sem sentido, apenas sentida e escondida. Sorriu, sorriu.

E não enxergava nada.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Dor... assim.

Ele se levantou bem lentamente, os olhos pregados de sono. Não queria acordar, definitivamente o mundo onírico estava melhor do que essa realidade: o cotidiano às vezes é duro. Calçou as pantufas, enquanto olhava o espelho que cobria uma porta inteira do armário; não se reconheceu. Estava com algumas rugas e vários fios de cabelo branco, parece que o tempo passou e esqueceu de avisá-lo. Ao seu lado, a cama estava vazia, apenas restava a marca de um corpo recente. Ele suspirou... as coisas realmente mudam.
Ela estava sentada na rede da varanda, quando ele adentrou na cozinha. Fazia um frio de congelar a alma, naquela cobertura, mas a mulher de cabelo longo e castanho escuro vestia apenas uma camisola de alcinha, segurava uma caneca com um líquido forte. Estava bebendo logo de manhã, ele pareceu não importar-se, não soltou nenhuma palavra, apenas sentou-se e começou a passar a manteiga no pão. Aquele barulho de faca a irritou, aquele mínimo barulho a fez ranger os dentes. Como ela odiava o fato de ele ter fome e ter sono. Como ela odiava aquela maldita indiferença.
À noite ela não havia conseguido dormir. Quando fechava os olhos, via sombras, sentia-se observada, angustiada, quase como se a atacassem no escuro. E então ela abria os olhos e olhava o ventilador, olhava fixamente para o teto. Não sabia para onde escapar e sentia repulsa daquele corpo, dormindo tão bem ao seu lado, oh, como podia dormir assim... como conseguia? Ela havia levantado na madrugada e sentado-se na rede. Olhando... olhando para absolutamente nada.
- Então - ele disse suavemente, cortando seus pensamentos. Ela se virou e percebeu, surpreendida, que ele já havia-se trocado para o trabalho. Estava bonito, pensou, bonito demais. - Eu já vou.
E bateu a porta. Ela sabia por que ele estava indo mais cedo. Ela sabia por que ele estava tão bonito. Desgraçado, desgraçado... e aqueles olhos, aquelas mãos... aquele rosto. Bonito, bonito. Ela jogou a caneca na parede ferozmente, o líquido escorreu livre, quase sorridente. Oh, o líquido sorria. Os cacos cairam tristemente no chão. E... de repente, como em transe, ela esqueceu de seus ciúmes e de sua raiva. Começou a chorar, chorar alto, e arranhou todo o corpo até sangue sair em suas unhas.


Havia acontecido há três anos. Eles se amavam tanto, pareciam dois adolescentes em plena paixão. E Verônica corria pela casa. Verônica, verdadeira, videira, cheia de vida. Ela tinha quatro anos e brincava e pulava e sorria. Oh, como sorria! Sorria como o líquido que agora escorria pela parede. Sorria e fazia com que sorrissem consigo. Naquele dia, eles se destraíram, fazia calor, a porta da varanda estava aberta, eles conversavam, eles se olhavam e se amavam.
Verônica brincava. E queria brincar que era pássaro. Queria voar, por que ela não poderia ser um bem-te-vi? Bem te vi, Verônica, mas você se foi... E ela subiu na pequena grade, olhou um momento para baixo. Era tão alto! Mas ela ia voar, o papai e a mamãe ficariam tão felizes! E...
Ela viu a menina pendurada na varanda. Gritou! Gritou tão alto, que, com o susto, a menina a olhou, seus olhos meio sorridentes, meio medrosos. E desiquilibrou-se, Desiquilibrou-se para sempre, como um bem te vi que um dia se é visto e nunca mais volta para o ninho.

E os dois, estáticos, nunca mais foram os mesmos.


Ele estava no escritório, bonito, estava impecável. Uma mulher morena acabara de entrar. Tinha os olhos grandes... tão grandes que lhe causavam medo. Ela sorriu. Ele ajeitou os óculos. Ela tirou a roupa. Ele tirou os óculos. E ele estava bonito, tão bonito...
Uma hora depois, a mulher se retirou. O homem que se encontrava lá dentro não estava mais bonito. Estava triste, acabado. Por um momento, as lágrimas vieram-lhe aos olhos. Mas ele engoliu em seco, voltou ao trabalho, esquecendo do mundo.

Quem poderia dizer que são fracos? Que se deixaram levar pela dor? Quem, quem poderia julgá-los a ponto de apontar-lhes os erros? Deveriam superar e juntar-se para criar forças. Não obstante, as ações se mostraram exatamente contrárias.

- Cada um cura a dor de uma forma.

terça-feira, setembro 04, 2007

A forma de viver.

Estava sentada naquela escada há horas. Quem a percebesse, por alguma fração de tempo, veria apenas uma sombra sem vida, cuja essência parecia ter sumido há muito. Já havia-se passado um masso inteiro de cigarros, estava intoxicada pela fumaça, até mesmo para pôr os pensamentos em devida ordem. Sua mente divagava, enquanto gotas finas e grossas de chuva, alternando-se, tocavam sua pele quase de mármore. Queria... não, não queria nada, apenas que o tempo passasse logo, e que logo tudo desaparecesse.
Algumas pessoas quase a atropelavam, quando subiam pela escada tão movimentada. Era uma grande escada, branca, solitária às vezes. Ela sabia o momento em que... bem, ela apenas sabia. Uma mulher alta a empurrou friamente quando passou, resmungando, maldita gente!, e continou sua vida vazia, vazia, vazia vida. Na verdade, ela nunca soube se aquela mulher vivia ou sobrevivia, mas não viu luz em seus olhos, e, muitas vezes, o egoísmo a levava a crer que apenas ela poderia ter a capacidade de enxergar e sentir certas coisas.

Começou a bater os pés: estava ansiosa. Não sabia exatamente por quê, parecia-lhe que sempre esquecia tudo que vivenciara, para que pudesse vivenciar tudo novamente com a mesma intensidade. E isso a fazia sentir-se bem, uma incrível chama de felicidade que brotava em seu peito, em contrapartida à sua aparência de nada com nada, e até mesmo à sua forma de razão.

Mais um trago. Fumar fazia-lhe mal, e sabia disso. Mas não se importava, não pretendia viver muito, e não tinha para quem viver. Ela só tinha... isto. A chuva apartou cada vez mais, estava trazendo a tarde, mas, não, ainda era cedo... Roçou sua mão pelos seus cabelos curtos, bem curtos, mas que voavam com a ventania. Apesar de todo o aguaceiro, o Sol podia-se ver dominante no céu, lutando com as nuvens.
Mais algumas horas se passaram, mais cigarros foram-se amontoando no chão, como um pequeno morro. Agora a escada estava deserta, a não ser por ela. Ninguém atrevia-se a passar por ali, depois das cinco horas da tarde. Era um lugar perigoso. Quase um lugar esquecido. Ela levantou-se finalmente, balançou sua roupa, e pôs-se a subir a escadaria.
Foi até o lugar que marcara com a alma, há muitos e muitos anos, e que, agora, representava toda a sua vontade de viver. Era um lugar especial. Era onde o tinha visto uma última vez, seu amor, seu único amor e também suas lembranças felizes. Lembrou-se das promessas que fizeram ali, das luas que tanto viram crescer, de tudo que ele lhe havia dito. Foi há tanto tempo... Uma eternidade atrás.
Ela apoiou o cotovelo na ponte. Estava quase na hora. Quase na hora. Ela estava ansiosa. Definitivamente, todos os dias ela ansiava por isso.

E... finalmente.

Seus olhos encheram-se de lágrimas, abriu um imenso sorriso e não parecia mais ser quem era. Parecia uma jovem de dezesseis anos, intocada pelo tempo, em um certo mês de maio de um certo ano distante... Não parecia mais aquela mulher de trinta e nove anos e sem esperanças, de olhar sombrio. Não! Definitivamente não.

O que via era simplesmente o que elevava todos seus sonhos por alguns simples minutos: era o sol pondo-se em encontro ao oceano.

E de lá ela podia lembrar-se dele tocando suas mãos enquanto viam aquela magnitude emanando da natureza ocorrer. Podia senti-lo tocando-lhe os lábios. E, finalmente, podia sorrir sem medo, sem medo algum.

Quando tudo ocorrou e acabou, ela suspirou e acendou outro cigarro. Se as lembranças e aquela mágica faziam-na de alguma forma feliz, ela poderia dizer que, sim, estava viva.

Mesmo que por alguns momentos. Em um lugar esquecido.

terça-feira, agosto 21, 2007

Tempo em ponto.

Sonhei que não mais sonhava: era tudo real.

Eu era uma fada e tinha os cabelos longos, atés os pés, trançados, muito trançados. Eu conhecia o passado, o presente e o futuro, meus olhos eram como priscas. Estava com um longo vestido, o mundo girava, girava tanto que as cores misturavam-se com os sons, e estes, por sua vez, mesclavam-se com as palavras.
Você não estava lá. Não, não havia ninguém. Eu estava só e eu era o mundo, todos estavam em mim. Cada átomo do meu corpo era sentido exatamente como o infinito de pensamentos existentes. Oh, eu estava envolta em pensamentos! Pensamentos inigualáveis, sensíveis, intocáveis!

E, de repente, sim, tão momentâneo, eu desapareci, eternamente, não sentia mais nada, nem o vento, nem a dor de simplesmente não existir. Eu me tornei plena, ao mesmo tempo de não poder tornar-me mais coisa alguma! Eu me fui e deixei de ser, ainda sendo, sendo todas as coisas e o nada.

Desencontrei-me e encontrei-me.

Sorri.

Mas sorrisos existiam?

quarta-feira, agosto 08, 2007

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Eu sonho demais, romantizo tudo à minha volta. Acredito em tudo e em todos, não me importo em quantas vezes eu vou bater a cara, não me importo se vai sangrar, doer ou machucar, não me importo se vão-se abrir cicatrizes que nunca mais desaparecerão.
Não acredito em amores. Não consigo acreditar em vários que passam, vêm e ficam por algum tempo: somente o que é eterno é amor. Eterno agora e depois, além da vida, sem medo das lágrimas, sem medo do que é humano e defeituoso. Sem medo da carne e da alma. Apenas flui como água em movimento, mas nunca seca.
É doloroso pensar em qualquer outra forma, e essa dor é insuportável, é quase como sonhos que são quebrados, é quase como trair a minha fé, minha pouca fé e quase escassa. Não sei o que entendem que é para sempre, mas o meu para sempre é literal. Não é apenas coisa de momento: é independente, incondicional.
Não preciso de aprovação, às vezes acho que não preciso ser amada para meu amor continuar, não, realmente não preciso. Virar-se-ia algo platônico, inalcançável, incorpóreo. Bem, voltamos ao meu lado romantizador de tudo...

Não acreditar nisso e não senti-lo é quase como deixar de viver, como perder-me nas trevas, num barco no meio do oceano.
Inexplicável.
E não peço que haja explicação, mas às vezes não queria sentir dessa forma, que me parece tão avassaladora, tão amedrontadora. Dessa forma que é tão incomum, tão irracional, mas que é minha forma de amar.
E agradeço por sê-la.

Sobre como me sinto: controlada pelo sentimento, pisando na razão. Com medo de você, de suas palavras.

Com medo, só isso. Com medo.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Sonho.

Em dedicação a duas pessoas. Uma é o amor perdido, a outra, o eu-lírico.

Criação, amor, união.
Éramos nós e os sorrisos,
A noite em começo
E o brilho do luar.

Você, um anjo, minha amada,
Não tão mais minha,
Que me rugia os cabelos negros,
E deixava-me amá-la.

Eu, agora, estou perdido
Tanto caos em minha volta,
Falta de razão
E perda de vida!

Não consigo parar de chorar,
Pois achava que era para sempre,
E não somente efemeridade
Todo o amor
Que sentíamos um pelo outro.

E Que ainda sinto por você...

Coragem e desespero.

Ela caminhava pelo cemitério. Era uma noite bonita, estava sozinha, e tudo ia perfeitamente bem. Já eram dez horas, precisava apenas apressar-se um pouco, não se atrasaria. E, se se atrasasse, não faria muita diferença.
Seus passos beiravam inseguros, mas sóbrios. Seu corpo começara a tremer, e ela teve um sincero medo de voltar-se e correr dali. Não obstante, uma força a impulsionava, jorrava, gritava! Iria seguir em frente, iria conseguir, ah, se iria.

Havia rosas. Eram os olhos de seu marido acompanhando-a pelas salas escuras de sua mente. Sentia o cheiro. Angústia. Lágrimas. Lágrimas. Lárimas. Pétalas de rosa....

Apertou as mãos: lembranças. Se não tivesse a consciência, maldita consciência!, certamente estaria em casa, dormindo, lendo um livro, fazendo carinho em seu gato. Pois bem, ainda dava tempo, mas os passos continuavam, não cessavam, queriam sua recompensa. Sorriu de desespero, gargalhou e chorou. Era loucura! O que estava pensando! Oh, promessas, oh, sonhos! O amor, o amor, o amor!

Adeus. E sabia que não era adeus. Era um navio partindo, que pedia para que se jogasse ao mar, caso não voltasse de viagem. E ela se jogaria...?

Finalmente. Seu vestido negro balançava com o suspirar do vento, seus cabelos roçavam-lhe a face. Luísa estava ali. Luísa, uma mulher baixa e bonita. Ela estava lá, encarando-a, surpreendida, talvez sem ar. Era pálida, e suas roupas confundiam-se com sua pele. Sorriu.

Sorriu? Nós costumávamos sorrir, Luísa.

- Você tem certeza, moça? - Luísa estremeceu.

- Eleonora, por favor. - Acalentou os próprio braços. - Sim, o tenho. Já lhe paguei, não? Sim, creio que já acertamos.

Ei-lo.

Lá estava o túmulo cavado, o caixão tão grande. E seu amado. Com seu anel de ouro... "As estrelas nos guiam ao nosso eterno amor." Ela largou o punhal, seus olhos encheram-se de lágrimas.

Não! Não! Como pode?

- Serei enterrada viva.

- O quê?

- Já escutou.

Ela queria ficar sã e senti-lo mais uma vez ao seu lado, como adormecido. Seria como antes, estariam abraçados como se o tempo estivesse parado e como se fossem eternos.

Cruel decisão.

Deitou-se no caixão, e este foi fechado. Deixou o punhal com luísa, caso o desespero a tomasse e quisesse tirar a vida antes do momento. Queria tocar-lhe a face até os últimos segundos de vida, até quando não mais pudesse respirar.
A terra foi caíndo, a escuridão penetrou...

E ela cantava, quase sorridente, corajosa, serena, abraçada, passando os dedos entre os dois anéis idênticos, uma música que falava sobre amor, até mesmo quando a morte nos chama...

Sorriu.
E o ar acabou.

segunda-feira, julho 30, 2007

!

As pessoas caminham lentamente pela rua: querem chegar, sem rasgar, sem conhecer, apenas... devagar? Eu estava divagando sobre o mundo, sobre os prédios altos, sobre as àrvores que estão-se sufocando. Não sei aonde quero ir, mas, no meio de tanta pressa e não-face, eu consigo congelar a visão e encontrar-me com as estrelas longínquas.
É infantilidade, e até mesmo drama. Que seja, eu não ligo para o que pensam, eu apenas quero explodir, de alguma forma, esses sentimentos não-sentidos, essas coisas que me angustiam, e que eu nem ao menos sei explicar.

Pois bem: está frio, minha alma congela. Meus dedos conseguem transmitir as palavras, mas minha mente (vulgar coração) não consegue nem ao menos criar uma frase, de tão cheia de alucinações e fatores reais. Minhas unhas tentam alcançar minha carne e tirar-lhe sangue, talvez eu sentisse algo assim, com a dor feita e momentânea.
Eu não sei como passar para palavras, é tão incrivelmente difícil escrever! Escrever sobre isso e deixar solto, para que leiam, vejam e riam! Rir, certamente, pois talvez não entendam e, se entenderem, talvez queiram pisar, bater palmas para o vazio, e vaiarem com o veludo. Quem está realmente dentro de mim não é ninguém. As pessoas simplesmente acham que conseguem ver o que as outras sentem, o que elas querem, desejam e temem. Idiotas.

Às vezes eu não sei o que esperar, não sei do que temer. Morrer? Bem, eu não sei nem se existo, talvez morrer não faça tanta diferença. Viver? A ação para quem não está morto. Será que estou viva? Será que sou algo senão alguma migalha de pensamento surgido de alguém?
Quer saber? Eu não sei. E cansei disso. Eu estou com muita raiva, não, não de alguém, mas de mim. Eu não consegui colocar para fora até agora o que preciso, necessito e desejo de toda a alma colocar!

Não.

Feliz é você que não entende o que sinto.
Ou não, talvez você esteja pior do que eu em matéria de sentidos.

sábado, julho 21, 2007

?

Minhas mãos tremem, as lágrimas caem. O corpo não é mais corpo: é medo. Enrosco-me na coberta, tenho frio, um frio de alma, estranho frio. Encolho-me no sofá e choro. Choro muito.
Paro de escrever, coloco a mão na testa e choro novamente. Não consigo parar de chorar.

Eu quero morrer.

quarta-feira, julho 18, 2007

Um, dois, três...

Ela vasculha o passado,
Quase adormecida,
Os olhos fechados.

Passa os dedos pelas fitinhas de ouro
Que envolvem a passagem do tempo
E tenta abrir o baú empoeirado.

Seus pés grudaram-se no chão,
A um passo do futuro.
E meio passo do que já passou.

Compasso: presente.
Abriu-se a alma,
Fecharam-se os olhos.

Voltou a sonhar,
O mundo não pára,
O sono não descansa.

O tempo sempre a tocar
A harmonia do que se foi
Do que é e do que será.

quarta-feira, julho 11, 2007

Árvore, magnífica árvore!

Era uma tarde cinzenta, o tempo estava razoavelmente fresco, e as ruas com gotas de uma chuva que acabara de ir-se. O inverno finalmente desabrochara. Não havia muitas pessoas na rua de manhã e nem quando começou a entardecer. Somente um pouco mais à tardinha.
Mas vamos ao fato: havia um homem que vinha do trabalho para casa, todos os dias, pelo mesmo lugar. Andava com sua maleta, seu chapéu cinza (como nossa tarde!) e seus sapatos impecavelmente brilhantes. Mas, hoje, quando virou a esquina de uma viela principal, parou subitamente, como se estivesse encantando, em frente a uma árvore, que sempre estivera ali, há muito tempo.
Bem, ele ficou parado, olhando para a árvore, durante alguns minutos apenas, até um senhor de bengala, com cara de irritado, resolver parar e também olhar para a àrvore, com muito interesse. Mais duas mulheres também resolveram observar tal mágica coisa que separa pessoas de seus dias tão corridos. E assim foram-se juntando pessoas e pessoas ao redor de nossa querida planta.
Quando se fez noite, e ninguém arredava o pé da frente da verdinha, uma criança, na verdade uma menininha, viu o tumulto na viela e resolveu ver do que se tratava. Aproximou-se das pessoas, percebeu que olhavam fixamente para a árvore. Olhou também para ela. Mas, ora, não conseguiu ver nada de diferente.
Com sua bela inocência, resolveu perguntar por que tanto olhavam!

- Gente, por que vocês estão olhando pra árvore?

Não conseguiu uma resposta, pelo visto estavam tão concentrados que não a ouviram.
Resolveu gritar.

- Geeeeeente! Por que estão olhando tanto para esta árvore????

Nosso primeiro homem (o de chapéu cinza!) desviou os olhos para a menina, e, meio confuso, respondeu:

- Eu... eu não sei. É que... eu achei a folha muito bonita e intensa hoje, e parei para olhá-la. Porém, não tomei meus remédios hoje, eu tenho uma doença psicológica que me faz entrar em transe! - olhou para o relógio - Oh, céus! Preciso ir!

E foi-se.

As outras pessoas sentiram-se um pouco envergonhadas sabe-se porque facilmente.
E a menina continuou sem entender absolutamente nada.

Foram-se aos poucos disfarçando e voltando aos seus afazeres.



Diga-se lá que o orgulho, às vezes, é maior do que uma simples pergunta. E a vontade de sentir-se com conhecimento, possivelmente, também o é.

quinta-feira, julho 05, 2007

Saturno.

Houve uma época em que eu queria por demais ir para Saturno. Sabe, fugir da Terra, desse clima de fogo e morte instantânea. Para onde iria, não existiriam pessoas: e como estas só me decepcionavam, eu achava que lá seria um bom lugar para refletir e viver.
Queria fugir da crueldade, da desigualdade, do egoísmo. Porém, fugir, certamente, não é uma opção de caráter. Aliás, eu já fui cruel, desigual e egoísta. E, ao menos de mim, eu nunca conseguiria fugir.
Eu via apenas o lado ruim das coisas, não percebia que o ser humano é tão mau quanto bom e, muitas vezes, sua natureza acaba-o induzindo a fazer coisas cujas conseqüências causam feridas e arrependimento para toda a vida.
Mas quem sou eu para julgar a maldade ou bondade de alguém? Eu não tenho esse direito. Posso ficar indignada e revoltada, todavia não estou dentro da consciência de ninguém para saber o que se passa, os medos que possui, os impulsos que explodem. Eu sou apenas mais uma pessoa que erra, que deserra, que tenta não mais errar. E, como eu, há várias outras almas tentando melhorar, caindo, caindo, levantando, levantado.
Bom, voltando para meu planetinha querido, eu acho que desisti dele. Seria tão triste se realmente tivesse concluído minha viagem até ele, e lá ter-me isolado do mundo, do calor, da vida e dos sentimentos. Acho que amadureci o suficiente para entender que preciso encarar as situações de frente, lutar pelo que acredito, e não deixar que as coisas ruins prevaleçam sobre as boas.

Há sempre ainda a vontade de fugir, de correr do mundo, dos olhares, e aconchegar-me em meu doce Saturno. Mas eu não consigo. Pois há coisas essências que prendem meu pé aqui, que não me deixam perder a mente no infinito. Há coisas que me fazem abrir os olhos e nunca, nunca desistir.

A essas coisas, só tenho que agradecer-lhes.

quarta-feira, julho 04, 2007

Sobre... tudo.

Borboletas e miragens. Isso é tudo. Tudo o que passa voando por minha mente e vai-se dissipando por entre as paredes já tão conhecidas. As asas deixam purpurinas do universo. Aliás, o universo! O que é esta palavra tão colorida, qual seu real significado?
O mundo. A sua parte verdadeira possui pessoas, animais, plantas, céu, oceano, nuvens. Mas meu mundo tão real e imaginário alimenta-se de sonhos. Sonhos coloridos, como o universo! Todos os dias rego uma pétala de imagens e palavras em minhas mão, apenas para, com o tato, senti-las flutuando.

Tudo.

segunda-feira, junho 25, 2007

Helena.

- Uma estória, vamos lá, você consegue. Feliz...

Ela se chamava Helena, com tempo passado. Era uma escritora de barzinho, daquelas que se matavam para que algumas palavras fossem lidas e aceitas com entusiasmo. Quase ninguém a compreendia, pois sua visão do mundo era um pouco diferente, um tanto niilista, uma pitada de solidão.
Quando começou a escrever devia ter seus dezesseis anos. Era muito imatura para a idade, portanto não escrevia muita coisa que prestasse na real visão literária (oh, olhar!), mas sua paixão viva por tudo que se formava em linguagem era tão avassaladora, que teimou com as palavras, até que estas já não conseguiam viver sem ela. Seus familiares achavam que não tinha futuro como escritora. Aliás, não conseguiam ver futuro algum para Helena, aquela ovelha negra, que não presta para nada.
Um dia, decidiu que iria embora de casa, para bem longe, além-mar. Costumava apanhar daquele monstro bêbado, que não conseguia chamar de pai. Recolheu seus livros, suas poesias, um pouco de dinheiro e roupa, e se foi. Foi-se como a brisa que toca o rosto da manhã. Alojou-se num banco de praça, de uma cidade vizinha à sua. A noite veio, o medo cresceu: estava sozinha, numa praça deserta e sem vida, porém conseguiu acalmar-se e dormir. Quando acordou no dia seguinte, sua mochila havia sumido... Desatou a chorar.
Bem, foi mais ou menos por aí que foi parar em seu barzinho. Com fome, sem dinheiro e sem esperanças, uma doce senhora, de nome indiferente, encontrou-a chorando.

- Menina, por que choras? - parecia ter um sutaque diferente.

- Moça, moça, por favor, me ajude! - arrastou-se até a senhora. - Tenho frio... e medo! - soluçou em lágrimas.

- Guria, tu já estás na idade de virar-te sozinha! Vamos, pára de chorar... vem, levar-te-ei a um lugar aquecido.

Seguiu a senhora por umas ruas não muito agradáveis, até chegar à frente de um bar barulhento, escutava-se uma música tremendamente alta vindo de lá. A senhora entrou e Helena a seguiu... O medo voltou.

- Walter, encontrei uma guria na rua... bem afeiçoada. Te serve? - a senhora adiqüiriu um aspecto astuto, quase como uma ave de rapina.

O homem de nome Walter olhou a menina de cima a baixo, até suspirar e responder:

- Não é das melhoras, mas dá pro gasto. - coçou a barriga. - Qual seu nome?

- Helena. - tentou ser seca.

Helena, seu nome ficou marcado em um panfleto na frente do bar: ela começaria a dublar cantoras famosas, para dar um pouco de audiência àquela velharia. No começo, tudo foi farra e maravilha. Helena escrevia nas horas vagas, em guardanapos, e os deixava nas mesas dos clientes. Alguns achavam que era brincadeira de mau gosto, devido às palavras duras escritas. Outros gostavam do que liam.
Mas algo a incomodava dia e noite. Nunca conseguia escrever algo feliz. Por que todos os seus poemas eram tristes? Por quê?
Em uma noite, aconteceu algo realmente ruim. Walter, que a havia acolhido, começou a engraçar-se para cima de Helena. Esta não queria nada, estava com dezoito anos e ele era um velhaco! Ele tentou forçá-la... e, bem, digamos que pagou sério por isso. Além de ter sentido uma dor tremenda em uma certa parte do corpo, perdeu sua dubladora profissional e mais algumas notas verdes do caixa.

Ela estava novamente nas ruas.

E aqui estamos nós. Eu sou um mendigo, Helena narrou-me toda a sua história. No dia em que fugiu do bar, eu lhe emprestei meu ombro, e ela chorou. Pediu que eu a escutasse. E eu o fiz.
Ela é famosa hoje em dia, ah, se é! Uma escritora de renome. Graças a mim, sim senhor, ela vinha toda semana contar-me sobre o que escrevia... tudo sempre triste. Até que um dia, quando eu estava a beirar a morte, roguei-lhe...

- Uma estória, vamos lá, você consegue. Feliz...

E foi esta estória que todos leram em todos os cantos do mundo.




Não ligue, leitor, para minha boba história. Mas esta menina acreditou nos seus sonhos, e isto vale demais.

quarta-feira, junho 20, 2007

Eu.

Hoje eu quero falar sobre mim. Eu basicamente nunca toco nesse assunto por aqui, e quase nenhum texto é realmente subjetivo. Ora, escrevo com a alma, sinto o que a personagem sente, choro com ela. Mas não sou eu quem está perdida, angustiada, feliz, apesar de todos os sentimentos, ambições e medos virem da minha própria alma.
Eu amo escrever. E não é tão simples assim. Eu não consigo amar muitas coisas, sou uma pessoa um pouco fechada para o sentimento do senso comum. Se sinto, sinto intensamente, até sangrar. E é o que sinto quando escrevo: o sangue. Sinto-o pulsar em minha veias, passeando por todo meu corpo até cair em minhas mãos.
Tenho crises constantes quando não consigo escrever, é como se eu estivesse vazia, sem uma parte essencial de mim. Mas acho que isso é normal, afinal tenho muitas crises, algumas delas provavelmente pela minha idade tão singela: quinze.
Não me sinto diferente com quinze anos, de como me sentia aos quatorze. Todavia algo em mim muda a cada segundo que passa, tal como a luz do sol renasce todos os dias. Uns devem chamar este algo de amadurecimento, outros de abandono filosófico, outros de a merda da puberdade. Eu chamo de viver.
Sabe, eu magôo as pessoas com uma facilidade tremenda, e esta é uma das coisas que necessito transformar. Não acredito em personalidade "forte", mas em personalidade difícil. E penso que a minha é um pouco... irritante. Sou sincera demais e a mais, odeio hipocrisia, falo o que der na telha, e em momentos não muito convenientes. Essa sinceridade em excesso machuca muitas pessoas que me rodeiam. Sou teimosa, cabeça-dura, dona-da-razão, orgulhosa, [coloque aqui mais algum adjetivo apto]. Se acho que estou certa, não importa o que você diga, minha opinião não muda! Eu odeio isso. Odeio, odeio, odeio. É algo que tento mudar, mas não consigo. Já melhorei bastante, nada sério.
Possuo uma frieza imensurável, em certos momentos, que me impressiono comigo mesma. Por horas, choro por tudo. Por outras, não derramo uma lágrima. Sou distante, sem nem ao menos perceber. Isso cria uma falsa impressão de mim a qualquer pessoa. Já escutei várias primeiras idéias sobre mim, quase nenhuma bate com a realidade: arrogante, convencida, tímida demais, extrovertida demais, alegre a todo o tempo, triste, séria. Apesar de eu ter um pouco disto tudo, não consigo definir-me, pois me sou a cada momento, e eu sou muitas coisas.
Minha percepção da realidade é a pior de todas: não sei se existo, e pensar nisso deixa-me tonta. Não sei se estou aqui escrevendo, pensando e tentando sentir-me um pouco mais. Difícil de explicar, porém muito fácil de entender. Eu sou a Priscila, eu, eu, eu. Mas, e se eu não me for? E se eu for o que não sou? Bem, acho que algumas pessoas já devem ter-se perguntado sobre isso.
Com relação a achismos, ACHO que isso é algo conceituoso demais. Não acho que música clássica seja melhor que funk. Não acho que sou mais inteligente que o guri que escreve tudo errado. Não acho que ninguém seja melhor que ninguém. Acho que há pessoas boas e ruins, e que essas pessoas ruins podem tornar-se boas e que merecem ser perdoadas se se arrependerem de seus atos. Sou contra todo o tipo de morte, sou contra ao sofrimento e à infelicidade alheia por fatores egoístas.
Bem, eu sou a Priscila, a menina chata, revoltada, amável, respondona, receptiva. Mas, antes de tudo, sou um ser humano com sentimentos. Talvez seja isso que eu deva colocar em minha cabeça: errar é viver, viver é aprender.

Acabou a vontade de falar de mim, vou postar logo antes que dê vontade de apagar esse texto.

terça-feira, junho 19, 2007

romeoejulieta

Tudo parece ter acontecido em um momento único, tu em meus braços, e nada mais. Aqueles instantes em que tudo é eternizado, brilho de alma única. Ó Romeo, Romeo. Se não tivesses corrido da ausência, da falta do que não vem, onde estaríamos nós?
Tu me pagaste com a vida, e eu com minha morte. A estrela acendeu os olhos para ti, para seu sorriso final. O momento se foi, apesar de eterno, e tudo que desejo é que sejas Romeo outra vez. Que me dês a mão para voarmos pelo infinito e que pisques os olhos, tão doces, para mim.
É inverno, meu querido. E tua ausência é forte. Foste em essência, não em carne. Ainda guardo teu corpo em minha sala velada, com rosas vemelhas e mariposas negras. Todos os dias dou-te um beijo nos lábios gélidos, roxos, queimados. Quero ter-te em beijos de amor... Daria tudo para voltar ao céu e sair deste inferno maldito!

Sou sua não-Julieta, a que tu mais odeias e desprezas, mas, ainda assim, eu te amo com fervor.
Meu Romeo de outono, e falsa miragem de primavera.

quinta-feira, junho 14, 2007

Piscar De Olhos.

Talvez eu lhe sinta muita saudade.

Não, sem talvezes. É sentido, obviamente.

Eu venho andando pelas ruas sem você, e isso quase chora. Eu ainda posso ver nossos braços em nossos ombros rindo de nossos gritos. Gritos de um pingo de felicidade compartilhada, e o êxtase pós-semana. Escuto nossas conversas, nossas histórias inventadas, e cada lembrança entra como uma faca em minha alma, dividindo-a em dois mundos: o antes e o agora.

Eu a vi descendo a escada. Cada degrau, um impulso. Tive a vontade louca de puxar-lhe os cabelos, de socar-lhe a cara, várias e várias e várias vezes. E, em minha imaginação, esperei que me batesse de volta, que me machucasse. E, principalmente, que me arrancasse sangue.
Mas por que não o fiz? Por que nunca arranquei todos os seus fios de cabelo? Por que, após ter-lhe matado, não a abracei de volta?
Porque sou covarde. Não tive coragem, até agora, de admitir a falta. Pois ainda não me domina por completo, ainda consigo agüentar em não ver o sangue pulsar. Mas eu lhe garanto que você é tão covarde quanto eu. Somos uma faca de dois gumes.
Eu nunca admiti para ninguém que estou morrendo por dentro. Que há algo em meus olhos dilacerado. Pois admito agora. Eu sinto doer, e dói muito. Não há outrem, não consigo deixar que entrem em minha mente, que leiam minha alma, como você um dia leu. Tenho certeza que ainda tenta fazê-lo, mas de sua forma discreta.

Eu preciso de você.

Mas parece que somente o precisar não basta.
Eu preciso que você precise de mim.

quinta-feira, maio 10, 2007

EuVocêUniversoAnjo.

É fácil ler em seus olhos
Toda a vida que não passa,
O tempo que voa,
O sorriso sem medida.

Você e seu céu-sonhar
Que me acompanha
Até mesmo quando me adormeço
Em pesadelos de azul.

Um anjo é sua alma
Que não percebe suas palavras
Tão belas e serenas:
Palavras de amor!

Tenho medo de fechar os olhos
E não tê-lo mais em meus braços,
Mas você voa em minhas asas para sempre:
Não há o que temer!

Te adoro, anjo, amor
O amor é adoração de deus
E você não é mais nada que eu
E eu não sou mais nada que o universo eterno.

terça-feira, abril 17, 2007

Entre Ódio e Sangue.

Já era tarde. Ele escoltava a arma na mão. As lágrimas escorriam de seu rosto: era o ódio nascendo. A coragem ia e voltava de seu corpo, como o sol se punha todos os dias, sem cansar-se. Seu sangue borbulhava em suas veias, e a pura indecisão voava em seu corpo inteiro.
Ele andava de um lado para o outro, naquela rua escura. Apenas uma luz estava acesa, tal que era suficiente para iluminar-lhe o rosto moço e já tão abatido. Apertava a mão suada e quase tinha medo daquele escuro, tão letal como a manhã que já se passara há poucas horas.
Sentou-se na beirada da calçada e chorou. Ninguém o escutaria, pois aveludam-se os sons para dentro da alma. Era noite, e estava sozinho, também se fosse dia o estaria. Não tinha certeza se iria conseguir fazê-lo, mas o pior dos sentimentos o sugava a cada respirar. A dor o sufocava, a verdade o tocava.
Em sua mente, viam-se todas as cenas já acontecidas, uma por uma, até o último segundo do infinito, onde parar o movimento seria tão impossível quanto sorrir agora.
A primeira lembrança: os gritos. Ele escutava os sons, mas não reconhecia as palavras. Era ela, apenas sabia, sofrendo e pedindo por ajuda. Quase uma sinfonia de adeus e vontade de desexistir.
Depois segue-se o sangue. Sua arte vermelha arrastava-se por toda a casa até o branco saciar-se em agonia. O sangue dela, que também é seu, foi morto sem escapatória, a crueldade foi lenta e sem intevalos.
Ele a vira ser morta: vingança. Morta por seu amante eterno, tão ilustre, que tanto causava-lhe suspiros apaixonados. Sua própria mãe morta por seu próprio pai. Ele deseja que nada tivesse visto. Deseja que tivesse a chave para voltar pela porta do ontem e ter gritado, arrancando-lhe das mãos brutais.
Mas o presente o aguarda: um carro vem pela rua. Pára perto da luz, e desce um homem. Parece cansado, tem os olhos calmos.

- Meu filho.

Dá-se um abraço.

- Meu pai.

Suspiros, olhares trocados.

- Sinto já tanto a falta de sua mãe, mal se fora de meus braços para o eterno. Devemos unir-nos mais, agora, em função da tristeza.

Cafajeste.

O filho tremia, as palavras do pai somente fizeram-no ter mais ódio. Ele Começou a chorar, o pai sorriu, em disfarce.

- Dê-me mais um abraço, venha cá.

Seria agora. Colocou a mão no bolso e foi abraçá-lo. Dar-lhe-ia um tiro na cabeça, ele veria a escuridão!

- Ah, meu filho! Não se ocupe em tentativas, em pensamentos[...] - calou-se, deixando continuidade.

Ele levantou a arma até a cabeça do pai e, quando ia puxar o gatilho, cravou-se uma estaca em seu peito. E também em sua alma.

- [...] A vingança pode não ser completa.

E se foi, deixando sangue do seu sangue jorrando do peito de seu primogênito, até a morte beijar-lhe os lábios em gratidão.


A vida, às vezes, pode ser sem rumo. Para uns, é alegria. Para outros, perdição. A verdade, em campo de batalha, não existe. Por isso o sangue escorre da mentira e da falta de piedade de quem luta pela sobrevivência.

quinta-feira, abril 12, 2007

Orvalho.

Aqui, por onde vejo as nuvens passar
E por onde o tempo parece estático,
Às vezes consigo sentir cada átomo do
Universo misturar-se à minha alma.

As asas dos anjos roçam por meus cabelos,
Até a vida tornar-se eterna.
E o vento parece ser um sopro de paz,
Em meio a tanto azul que escorre do céu.

Ao lado de Deus pareço estar,
Sem nenhum pecado ou rancor.
Somente impulsionado por este vento
E de corpo e alma pintados de arco-iris.

quarta-feira, março 28, 2007

_

A realidade é quase imperceptível.


Por quê?

quarta-feira, março 14, 2007

SonhoSonharSonhado.

Meu sonho é poder sonhar.
Eu não sei fazê-lo, você pode me ensinar?

O rosa se mistura com o azul,
E o verde com o blue.

Como posso misturar as cores?
Não sei misturar nada, senão dores com amores!

Oh, por favor!
Tome um papel em branco e sinta seu calor.

Minha vida é não saber,
Como posso desenhar e pintar sem escurecer?

Apenas sinta o que deve sentir,
Não tente olhar nem contar, apenas deixe a tinta fluir.

Senhor, bigode e óculos!
Sou jovem, desprotegido, dê-me todos seus votos!

Não posso e não devo!
Você é quem deve descobrir a sorte do trevo!

Eu só quero sonhar,
O que precisa um pobre homem fazer para amar?

Adeus, homem sem sonhos!
Nada mais posso tirar, senão de uma cartola coloridos pombos!

Oh, que se vá!
Aqui eu fico cavando meu túmulo real com uma pá!

Um dia você vai sonhar,
Apena sonhe com isso e sonhando já vai estar!

Talvez eu seja o sonho amado,
O que tanto almejo calado.

Sim, você é.
Agora, por favor, saia do meu pé!

Sairei e voltarei a sonhar!
Adeus, óculos, tesoura e calcanhar!

domingo, fevereiro 25, 2007

O Trem.

É um trem imenso, por onde todos viajam. Sua plataforma é feita de vento, para que empurre os sentimentos rumo ao futuro. Possui somente cinco vagões, um para cada fase da vida e o último para a não-fase.

Ele pisou no primeiro vagão. O trem parecia ir devagar, as janelas estavam meio fechadas, e o ar entrava de leve. Tudo era mágico: o balançar, os trilhos soltando algumas faíscas, de vez em quando, e a música tocada por ninguém. Olhava por uma das janelas, e os trilhos pareciam não haver fim.
Ele via outros, debruçando-se pelas janelas e brincando e rodando e pulando. Dizia-se, por aí, que este era o mais bagunçado vagão de todos. E também o mais feliz. Ele não sabia se era, afinal, nunca visitara os outros. E não podia fazê-lo, até que um camareiro viesse entregar-lhe a chave para abrir a porta de ligação.

Ele pisou no segundo vagão. A sensação foi estranha. Achava que nunca receberia chave alguma. Mas, enfim, uma porta se abriu. Como este era diferente do primeiro! Umas garotas, que nunca havia reparado antes, piscavam para ele, e alguns de seus amiguinhos bebiam líquidos que os deixavam muito, muito felizes.
Ele sentia como se o trem houvesse disparado. Os trilhos e a paisagem passavam rápido. Ele nem conseguia ver as árvores direito. Começou a sentir uma pontada de saudade do primeiro vagão. E uma saudade dos seus antigos amigos que, agora, estavam tão diferentes do que já foram um dia.

Ele pisou no terceiro vagão. Sua cabeça doía. O trem andava mais rápido do que nunca! Nem chegava mais perto das janelas. Ora, para quê? Conhecia aquele cenário há muito, estava cansado de árvores, casas, trilhos, ah! Tudo se repetia, tudo. Seu coração fora partido e estava sozinho, sem vontade para nada.
Foi quando ele sentiu a vontade louca de voltar os vagões. De fugir para o primeiro, para sua lentidão. Mas não pôde voltar, a porta estava trancada para sempre. Começou a chorar. Estava sozinho, enjoado. Pensou em pular pela janela, mas resolveu sentar-se e esperar pelo que vinha pela frente. Nada poderia piorar.

Ele pisou no quarto vagão. Apaixonou-se por um lindo par de olhos cansados e tristes. Pena tê-la conhecido apenas no penúltimo vagão. Queria viver com ela para sempre! E viveu. Mas o último vagão estava chegando, e ele começou a temer. Afinal, o que vinha após o último? O último de tudo?
Passou a ver graça em tudo novamente, pois era o último vagão chegando! Sentou-se, com sua amada, em uma noite chuvosa, e fez juras de amor eterno. Sentiria sua falta, onde quer que fosse parar. Não é preciso citar o quão doloroso foi o adeus dos dois corações rubros e cheios de vida para oferecer.

Ele pisou no quinto vagão. Lembrou-se de tudo que havia passado até ali e chorou. Era tudo tão colorido, misturado, sereno...

Foi avisado que, na próxima estação, deixaria o trem para sempre.

E soltou. Sozinho, até desfazer-se inteiro e misturar-se com o vento. Perdeu os pensamentos, ou estes simplesmente deixaram-se perder.

Mas o trem continuou.

Sem parar. Sem parar. Sem parar.

Eternamente...

domingo, fevereiro 04, 2007

Algo além.

Eu luto porque preciso,
Porque, sem lutar, eu morro.
Entregar-me é fácil,
Mas a derrota vem logo após.

Se o mundo cair à minha volta,
Vou a reconstruí-lo.
Já que, se ele cair,
Eu caio para o inferno.

Viver não é difícil.
Difícil é não viver.
E, não vivendo,
A vida desfalece.

Por acabar, preciso surgir
Do meio de tantos pensamentos
E acabar com todos os sentimentos,
Que me apunhalam a cada respirar.

sábado, janeiro 20, 2007

A Roda Gigante.

Eu me lembro bem do triste rostinho daquela menina de vestido florido. Ela era linda, de seus seis anos tão frágeis como seus olhos azuis iluminados. Devia estar ali há tempos, somente olhando, com uma calma de anjo que chegava a doer a alma. Os pés iam empurando a areia de vez em quando, como quem diz que adoraria sentir o ar do alto, apenas para ver o cabelo balançar.
As outras crianças saíam enjoadas, com medo. Os pais reclamando que odeiam isso tudo, que estão perdendo a novela das oito ou o jornal. Mas a menininha continuava ali, ignorando os rostos de desgosto das crianças que saíam do brinquedo, ignorando os comentários bruscos dos adultos. Parecia que nada poderia desanimá-la.
Sentei-me em um banco, somente para observar a menina. Ela estaria sozinha? Mas era tão pequenina... não poderia estar sem os pais.
Resolvi falar com a doce criança, imagine se estivesse perdida, estava com um rosto tão decepcionado, tão triste...

- Ei, menina, você está bem? - perguntei quase sussurando, para não assustá-la.

Ela não respondeu. Pareceu não ter escutado, estava com toda atenção naquele imenso objeto.

- Menina... está tudo bem? - perguntei novamente, um pouco mais alto.

Ela olhou para mim e moveu os lábios como se fosse responder, mas pareceu que mudou de idéia e virou o rosto subitamente.

- Você está perdida?

- Mamãe diz que não devo falar com estranhos... - disse, e era a voz mais angelical que já ouvira em toda minha vida.

Pensei por um minuto no que falar, ela estava certa. Eu era um completo estranho.

- E onde está sua mãe?

- Ela... ela não sabe que estou aqui, ela não gosta de parques e diz que não tem dinheiro para eu andar nos brinquedos...

A menina pareceu suspirar, continuava a olhar fixamente para sua frente, não me encarava, como se quisesse esconder a tristeza.

- Há quanto tempo está aqui? - bateu-me um aperto no peito, que mãe não teria dinheiro para levar a filha a um parque?

- Desde tardinha...

- E por que só olha para esse brinquedo? Não gosta dos outros?

- É que... eu ouvi um menino dizendo que você pode tocar a lua, lá do alto... mas eu não tenho como tocar... não tenho dinheiro...

Parei por um segundo. Que sonho. Tocar a Lua... que criança mais bela. Que verdade mais linda.
Vi uma lágrima escorrendo de seus olhos. E não é sempre isso que acontece? Quando não conseguimos transformar nossos sonhos em realidade? Nós choramos.

- E se eu for na roda gigante com você? Eu pago sua entrada. - fazer acontecer, pensei.

- Eu... mesmo? Comigo? Lá no alto? - seus olhos encheram-se de sorrisos.

- Sim. - sorri para ela.

Peguei em suas mãos, a filha que nunca tive, e paguei as duas entradas. Sentamos no banco da roda gigante e lá fomos nós. O céu estava abarrotado de estrelas, naquela noite. E a Lua estava bem na nossa frente. Parecia chamar-nos para dançarmos uma cantiga de roda, para lembrarmos do tempo em que não existíamos. Peguei em sua mão e a coloquei no espaço em que a lua se encontrava.

- Viu? Agora você tocou a lua.

Ela abriu um enorme sorriso, daqueles sinceros e únicos.
Ficou maravilhada com o vento batendo em sua pele. Parecia que aquele era o momento mais feliz de toda sua pequena vida. A cada volta, ela suspirava mais, como se estivesse comendo um doce e não quisesse que ele acabasse. Mas o passeio estava acabando e nós já teríamos que descer.

- Bem, parece que acabou. - disse, meio chateado.

Ela soltou um pequeno riso e desceu do brinquedo correndo. Eu não tive tempo nem para levantar-me, e ela já estava na porta do parque, dando adeus para mim...
Não recebi obrigada. Não recebi agradecimento. Fique triste por saber que nunca mais veria aquele sorriso novamente. Mas alegrei-me ao saber que transformara o sonho de uma menina em realidade.
Percebi, então, que ela não agradeceu com palavras, mas agradeceu com a maior felicidade que já tivera. E isso, meus caros, nem mesmo uma palavra de afeto poderia substituir.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Gota.

Vim dizer-lhe,
Gota de água,
O que meu coração suprime.

Você pode senti-lo bater?
Tum. Tum. Tum.
Ele quebra a sintonia de sua morte.

Cai, gota, ao chão.
Deixa de viver,
Como terra,
Como água,
Como pó.

Cai, gota, nos meus fios de cabelo
E penteia minha alma.
Você consegue descê-los, sem neles tocar?

Vai, vai embora com o vento.
Para longe.
Misture-se com a chuva.

E leve consigo uma lágrima, gota.

- Uma lágrima-gota.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Ainda Assim.

Se eu fosse vestígio
Do que já se passou,
Ainda assim,
você me recordaria?

Se eu fosse um símbolo,
Fechado, cravado: uma incógnita,
Ainda assim,
Você me decifraria?

Se eu fosse a água poluída
De rios mentirosos,
Ainda assim,
Você me nadaria?

Se eu fosse a vida
Com desgraça e sem sorrisos,
Ainda assim,
Você me viveria?

- Pergunto-lhe, ao final:

Se eu fosse o que sou,
Escondida por máscaras,
Atrás de sentimentos não-sentimentais

Se eu fosse um espinho em vez de rosa,
Se eu fosse má poesia em vez de prosa,

Se eu fosse inferno em vez de céu
Se eu fosse amarga em vez de mel,


Ainda assim,

Você me amaria?


[ Se, ainda assim, você me amar, eu lhe pago uma bebida. ]

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Balançar.

Uma flor em minha consciência desabrochou, quando escutei sua calma voz. Quase um sussurro, vida calma de recém descobertas. Uma criança, para mim. Para outros, apenas um objeto a pisar-se. Quem sabe uma meia suja, sem importância, que jogamos na lata de licho. Era disso que essa criança vivia. De opiniões ante-conceituadas.
Naquela tardezinha, em frente ao banco do parque, ela se balançava. Sua pele negrinha encostava no vento, enquanto suas madechas o acompanhavam. Sorria, sozinha, sempre sozinha, porque era negra. E negros, em 1758, só tinham a si mesmos e ao preconceito de todos, inclusive o deles próprios.
Eu me sentei naquele gramado verde e fique a observá-la. Ela balançava despreocupada, parecia que não tinha nenhum adulto por perto. Não era normal uma crinaça negra por essa parte da cidade, era perigoso para ela. Se alguém maldoso e racista o suficiente a visse, com certeza ela tomaria uma boa sova. Mas parecia que nada poderia mudar sua tranqüilidade.
Adormeci, por um tempo, encostada numa árvore, e fui acordada com um cantarolar gostoso, tão leve, que parecia um sonho.

Mãezinha do céu, eu não sei rezar.
Só sei dizer quero te amar...

Abri os olhos e espreguicei-me. Aquela voz macia vinha da menina negrinha, naquele balançar contínuo. Parecia que nunca cansava de balançar, era quase como se estivesse voando, para lá e para cá. Piscava os olhos quase raramente e, até aquele momento, parecia que não havia me notado. Virou o olhar, para mim, então, subitamente e não se mostrou surpresa ao ver-me ali. Eu, pelo contrário, achei a situação anormal, já que eu era uma mulher branca e desconhecida para a menininha.
Ela continuou com sua calma, em meio àquele ar deserto de vida. Algumas poucas pessoas que passavam olhavam feio para a doce garotinha no balanço e, depois, olhavam mais feio ainda para mim, por estar tão perto de uma negra sem ter nojo ou sem fazer nada para tirá-la de uma pracinha de crianças brancas.
Voltei a pensar comigo. Uma criança sozinha já era estranho de encontrar. O que uma menina negra estaria fazendo sozinha por aqui? Não sentia medo? Não era já tão nova assim, sabia, provavelmente, dos perigos que todos poderiam representar a ela.

Azul é seu manto,
Branco é seu véu...

Voz suave. Voz única. Que menina seria esta? Meu olhar não conseguia sair de perto desta criança! Tão segura de si, tão calma, tão corajosa. Será que estaria sozinha no mundo? Não, mesmo que estivesse, não me permitiriam adotá-la. Meu marido odiaria a situação! Mas... e se ela estiver sozinha?
Não, ela está arrumadinha, parece que veio da igreja, afinal, hoje é domingo. Sim, os pais devem tê-la deixado na escolinha e ela fugiu para cá! Eles devem estar preocupadíssimos.
Pensei em levantar-me, naquela mesma hora, para poder comunicar-me com a criança. Mas paralizei-me, quando ela voltou a cantar. Sua voz era quase... mágica.

Mãezinha, eu quero te ver lá no céu.
Mãezinha, eu quero te ver lá no céu...

Então ela finalizou a voz e a música. Parou também de balançar-se. Eu levantei e fui em sua direção, ela levantou o doce rostinho para mim e alargou um grande sorriso. Meus passos foram devagando, pensativos, até chegarem em frente à pequena figura de branco. Respirei e pousei a mão sobre seu cabelo, fiz um carinho.

- Menina, está sozinha? - perguntei, o mais gentil possível.

- Não, nunca estou sozinha!

- Como não!? Onde estão seus pais?

- Eu não tenho pais, não aqui!

- E onde os tem?

Ela deu uma risada gostosa, bem infatil, e levantou as sombrancelhas. Dobrou um pouco o rosto e pegou em uma das minhas mãos. Ergueu-a e fez com que um de meus dedos apontassem para o céu. Eu me surpreendi com aquele gesto, mas minha fé sempre foi muito escassa. Porém, não queria acabar com toda a esperança de uma criança nesse mundo.

- Ah, sim... você quer dizer que Deus é seu pai?

- Uhum.

- Mas para aonde foram seus pais daqui, sabe? A mamãe e o papai?

- Não há mamãe e papai, ora!

Então, ela correu. Correu realmente como quem tem força de vontade. E eu corri atrás, não podia deixá-la sozinha! Ela atravessou a rua sem nem mesmo olhar para o lado e se encaminhou para dentro de um prédio. Entrei logo após, e tudo estava vazio. Vi seus cabelos balançarem pela escadaria e, cansada, segui-a, degrau por degrau.
Subi muitas escadas, o suor já estava batendo no meu rosto. Chegamos até o final de tudo, só havia, agora, o que descer. Abri uma porta que dava para o andar mais alto e a vi, o vento sempre em sua direção. Meu coração acelerou! Ela estava em cima da borda, mais um passo e despencaria no ar.

- Menina! O que está fazendo?!!! Vamos, desça já daí!

Ela virou seu rosto sorridente para mim e deu uma longa piscada. Jogou-me um rosário azul, ao qual eu agarrei com toda minha vida.

E logo depois... caiu.
Ao menos foi o que pensei naquele instante.

Corri para onde a menina estava e, ao longe, eu a vi. Ela estava um pouco distante, mas seus cabelos não me enganaram.

Consigo, batiam duas longas e brancas asas, que refletiam em constrate à sua eterna beleza negra.



Apertei o rosário bem forte e voltei para a escadaria, escutando uma música suave entoar em minha mente...


terça-feira, janeiro 02, 2007

Quandos de Eternidade.

Quando te vi, ainda era pequeno.
Gota de água, sem cor e sem vestígio.
Uma criança de vida nova.

Quando te sorri, já era moço.
Verdades de mentiras em tua face.
Gritei: Vive tua existência!

Quando te amei, homem se formara.
Lindo tu eras, com graças e paixões.
Tudo passageiro, à flor da pele.

Quando te dei adeus, a morte me chamava.
Minha pele estava seca, e tu estavas divino.
Amor, minha criança, cravei-te um beijo na alma.