sexta-feira, setembro 28, 2007

Caixinha de Música.

Abriu-se o mundo,
A bailarina dançou.
A música tocou,
Musiquinha,
Devagar.

A menina girou,
A bailarina piscava,
Que mundo gigante,
Essa menina tem!

As notas avançaram,
Entraram em cada pó,
Em cada fresta,
Do universo desconhecido.

E a menina cansou,
Não queria mais a música,
Nem o pequeno mundinho
Da linda bailarina.

Fechou-se a caixa de veludo,
A dançarina se foi, caída,
Quase a morte musical.

A menina jogou o pequeno átomo,
Do inteiro infinito,
Em uma galáxia fechada,
Onde a música, assim como nada,
Não se propagava no vácuo.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Final Ao Vento.

E então ela abriu os olhos. Mas não viu nada, nem mesmo um borrão em sua frente. Estava anestesiada, dolorida, não-sentida. Tentou levantar, mas o peso de seus longos cabelos a jogou no chão. É estranho pensar em o quanto um cabelo pode pesar, assim, e levar em si toda a consciência e carga de sentimentos de alguém. Seus fios eram grossos, mas lisos, lisíssimos, tão lisos que o vento conseguia passar por eles sem levantá-los. Na verdade, lá não ventava. Nem fazia frio ou calor.
Apenas nada. Demorou um pouco para perceber que não estava respirando. Estava apenas... deitada, sem forças, onde? Na escuridão, no completo ermo e vazio. Arranhou o corpo sem as unhas, apenas com a mente, mas não conseguiu sangrá-lo. Lembrou-se que sempre o sangrava, sempre, escorria o sangue de sua alma para seu corpo; tal como as lágrimas. Porém agora não conseguia fazê-lo: desesperou-se.

Ah, o desespero.

Fez forças. Fez forças. Fez forças. Tanto fez que conseguiu sentar-se. Seu corpo inteiro doía, e doía muito. Não compreendia. Como se poderia doer se estava morta? Foi a única explicação que conseguiu encontrar: a morte. Não respirava, não se arranhava.

E se doía.


Ela nunca havia se doído antes, mas já ouvira muito falar em pessoas que sentiam tal dor. A dor corporal. A dor que não sangra. Esta segunda lhe era a mais espetacular, a mais especial, a que nunca imaginara, a que sempre almejara. Queria realmente ser parte do filme de pessoas sorridentes, tristes. Sorridentes e tristes. Um equilíbrio. Mas por que ela não podia ser equilibrada? Por que ela não tinha peso? Oh, meu deus! Ela não tinha peso, como podia ter uma balança sem pesos?!
Ela não sabia.

Mas estava ali, e isso importava. Importava a dor que sentia e que, por alguma razão anexada, ninguém nunca entenderia.

E as pessoas passavam, olhando-a, extremamente entediados.
Apenas mais uma perdida, louca, mulher.
Menina.

Doendo, sangrando com a mente e com as unhas, doendo muito.
Mas ela nem piscava. E eles nem olhavam, mas respiravam.

Enquanto era apenas aquilo, sorriu sinceramente, sem nexo, sem sentido, apenas sentida e escondida. Sorriu, sorriu.

E não enxergava nada.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Dor... assim.

Ele se levantou bem lentamente, os olhos pregados de sono. Não queria acordar, definitivamente o mundo onírico estava melhor do que essa realidade: o cotidiano às vezes é duro. Calçou as pantufas, enquanto olhava o espelho que cobria uma porta inteira do armário; não se reconheceu. Estava com algumas rugas e vários fios de cabelo branco, parece que o tempo passou e esqueceu de avisá-lo. Ao seu lado, a cama estava vazia, apenas restava a marca de um corpo recente. Ele suspirou... as coisas realmente mudam.
Ela estava sentada na rede da varanda, quando ele adentrou na cozinha. Fazia um frio de congelar a alma, naquela cobertura, mas a mulher de cabelo longo e castanho escuro vestia apenas uma camisola de alcinha, segurava uma caneca com um líquido forte. Estava bebendo logo de manhã, ele pareceu não importar-se, não soltou nenhuma palavra, apenas sentou-se e começou a passar a manteiga no pão. Aquele barulho de faca a irritou, aquele mínimo barulho a fez ranger os dentes. Como ela odiava o fato de ele ter fome e ter sono. Como ela odiava aquela maldita indiferença.
À noite ela não havia conseguido dormir. Quando fechava os olhos, via sombras, sentia-se observada, angustiada, quase como se a atacassem no escuro. E então ela abria os olhos e olhava o ventilador, olhava fixamente para o teto. Não sabia para onde escapar e sentia repulsa daquele corpo, dormindo tão bem ao seu lado, oh, como podia dormir assim... como conseguia? Ela havia levantado na madrugada e sentado-se na rede. Olhando... olhando para absolutamente nada.
- Então - ele disse suavemente, cortando seus pensamentos. Ela se virou e percebeu, surpreendida, que ele já havia-se trocado para o trabalho. Estava bonito, pensou, bonito demais. - Eu já vou.
E bateu a porta. Ela sabia por que ele estava indo mais cedo. Ela sabia por que ele estava tão bonito. Desgraçado, desgraçado... e aqueles olhos, aquelas mãos... aquele rosto. Bonito, bonito. Ela jogou a caneca na parede ferozmente, o líquido escorreu livre, quase sorridente. Oh, o líquido sorria. Os cacos cairam tristemente no chão. E... de repente, como em transe, ela esqueceu de seus ciúmes e de sua raiva. Começou a chorar, chorar alto, e arranhou todo o corpo até sangue sair em suas unhas.


Havia acontecido há três anos. Eles se amavam tanto, pareciam dois adolescentes em plena paixão. E Verônica corria pela casa. Verônica, verdadeira, videira, cheia de vida. Ela tinha quatro anos e brincava e pulava e sorria. Oh, como sorria! Sorria como o líquido que agora escorria pela parede. Sorria e fazia com que sorrissem consigo. Naquele dia, eles se destraíram, fazia calor, a porta da varanda estava aberta, eles conversavam, eles se olhavam e se amavam.
Verônica brincava. E queria brincar que era pássaro. Queria voar, por que ela não poderia ser um bem-te-vi? Bem te vi, Verônica, mas você se foi... E ela subiu na pequena grade, olhou um momento para baixo. Era tão alto! Mas ela ia voar, o papai e a mamãe ficariam tão felizes! E...
Ela viu a menina pendurada na varanda. Gritou! Gritou tão alto, que, com o susto, a menina a olhou, seus olhos meio sorridentes, meio medrosos. E desiquilibrou-se, Desiquilibrou-se para sempre, como um bem te vi que um dia se é visto e nunca mais volta para o ninho.

E os dois, estáticos, nunca mais foram os mesmos.


Ele estava no escritório, bonito, estava impecável. Uma mulher morena acabara de entrar. Tinha os olhos grandes... tão grandes que lhe causavam medo. Ela sorriu. Ele ajeitou os óculos. Ela tirou a roupa. Ele tirou os óculos. E ele estava bonito, tão bonito...
Uma hora depois, a mulher se retirou. O homem que se encontrava lá dentro não estava mais bonito. Estava triste, acabado. Por um momento, as lágrimas vieram-lhe aos olhos. Mas ele engoliu em seco, voltou ao trabalho, esquecendo do mundo.

Quem poderia dizer que são fracos? Que se deixaram levar pela dor? Quem, quem poderia julgá-los a ponto de apontar-lhes os erros? Deveriam superar e juntar-se para criar forças. Não obstante, as ações se mostraram exatamente contrárias.

- Cada um cura a dor de uma forma.

terça-feira, setembro 04, 2007

A forma de viver.

Estava sentada naquela escada há horas. Quem a percebesse, por alguma fração de tempo, veria apenas uma sombra sem vida, cuja essência parecia ter sumido há muito. Já havia-se passado um masso inteiro de cigarros, estava intoxicada pela fumaça, até mesmo para pôr os pensamentos em devida ordem. Sua mente divagava, enquanto gotas finas e grossas de chuva, alternando-se, tocavam sua pele quase de mármore. Queria... não, não queria nada, apenas que o tempo passasse logo, e que logo tudo desaparecesse.
Algumas pessoas quase a atropelavam, quando subiam pela escada tão movimentada. Era uma grande escada, branca, solitária às vezes. Ela sabia o momento em que... bem, ela apenas sabia. Uma mulher alta a empurrou friamente quando passou, resmungando, maldita gente!, e continou sua vida vazia, vazia, vazia vida. Na verdade, ela nunca soube se aquela mulher vivia ou sobrevivia, mas não viu luz em seus olhos, e, muitas vezes, o egoísmo a levava a crer que apenas ela poderia ter a capacidade de enxergar e sentir certas coisas.

Começou a bater os pés: estava ansiosa. Não sabia exatamente por quê, parecia-lhe que sempre esquecia tudo que vivenciara, para que pudesse vivenciar tudo novamente com a mesma intensidade. E isso a fazia sentir-se bem, uma incrível chama de felicidade que brotava em seu peito, em contrapartida à sua aparência de nada com nada, e até mesmo à sua forma de razão.

Mais um trago. Fumar fazia-lhe mal, e sabia disso. Mas não se importava, não pretendia viver muito, e não tinha para quem viver. Ela só tinha... isto. A chuva apartou cada vez mais, estava trazendo a tarde, mas, não, ainda era cedo... Roçou sua mão pelos seus cabelos curtos, bem curtos, mas que voavam com a ventania. Apesar de todo o aguaceiro, o Sol podia-se ver dominante no céu, lutando com as nuvens.
Mais algumas horas se passaram, mais cigarros foram-se amontoando no chão, como um pequeno morro. Agora a escada estava deserta, a não ser por ela. Ninguém atrevia-se a passar por ali, depois das cinco horas da tarde. Era um lugar perigoso. Quase um lugar esquecido. Ela levantou-se finalmente, balançou sua roupa, e pôs-se a subir a escadaria.
Foi até o lugar que marcara com a alma, há muitos e muitos anos, e que, agora, representava toda a sua vontade de viver. Era um lugar especial. Era onde o tinha visto uma última vez, seu amor, seu único amor e também suas lembranças felizes. Lembrou-se das promessas que fizeram ali, das luas que tanto viram crescer, de tudo que ele lhe havia dito. Foi há tanto tempo... Uma eternidade atrás.
Ela apoiou o cotovelo na ponte. Estava quase na hora. Quase na hora. Ela estava ansiosa. Definitivamente, todos os dias ela ansiava por isso.

E... finalmente.

Seus olhos encheram-se de lágrimas, abriu um imenso sorriso e não parecia mais ser quem era. Parecia uma jovem de dezesseis anos, intocada pelo tempo, em um certo mês de maio de um certo ano distante... Não parecia mais aquela mulher de trinta e nove anos e sem esperanças, de olhar sombrio. Não! Definitivamente não.

O que via era simplesmente o que elevava todos seus sonhos por alguns simples minutos: era o sol pondo-se em encontro ao oceano.

E de lá ela podia lembrar-se dele tocando suas mãos enquanto viam aquela magnitude emanando da natureza ocorrer. Podia senti-lo tocando-lhe os lábios. E, finalmente, podia sorrir sem medo, sem medo algum.

Quando tudo ocorrou e acabou, ela suspirou e acendou outro cigarro. Se as lembranças e aquela mágica faziam-na de alguma forma feliz, ela poderia dizer que, sim, estava viva.

Mesmo que por alguns momentos. Em um lugar esquecido.