quinta-feira, outubro 18, 2007

Superação.

Era um dia frio, um outono meio inverno, onde havia folhas caídas no concreto, e outras flutuando lentamente. As pessoas andavam apressadas, empurrando umas às outras, quase correndo para o pagamento de fim de mês. Ele, escondido, definitivamente apagado, dava passos doídos, deixando pegadas falsas no chão úmido. Mexia com o anel dourado entre os dedos, e sua calça, de tão comprida, arrastava-se no chão.
Ela o seguia. Um seguimento logo ao lado, os olhos vermelhos de raiva (ou ao menos é como queria que estivessem...). Reparava no anel, passando por entre os dedos dele, o homem absorto em pensamentos. Sentiu o egoísmo adentrar em seu corpo-alma. Soltou um grito de dor, mas ninguém a escutou. Sentiu-se indefesa, solitária. Por um momento, e riu-se consigo mesma, achou ter sentido frio.
Ele parou em frente a uma loja de vestidos de noiva. Ficou observando, tão atencioso, os vários modelos que ali se encontravam. Tocou na vitrine, a palma da mão em mira de uma brancura: véu até os pés, flores bordadas em sua ponta, alças para os lados, aveludadas. Suspirou tão profundamente que o tempo pareceu parare, e ela pode sentir o seu coração suspirado e exalado ao frio.
Continuou seu caminho, o anel agora em volta do dedo. Ela queria chorar e abraçá-lo, gritar que o amava, que ele estava livre, que seguisse com a vida! Mas não conseguiu. Ela precisava sentir a dor da verdade, por isso ainda o seguia há seis meses. Passo-por-passo, dizia e se apertava com toda a força que conseguia obter.
Parou, novamente, em frente a um café. Respirou fundo inúmeras vezes, tinha um ar indeciso. Ela ficou esperando uma reação (decisão!), e ele resolveu que entraria. Realmente entrou. O ar de dentro do recinto estava mais quente, aconchegante, ele se sentiu bem, acolhido, mas ansioso. Apesar do frio, ele suava, suava muito. Foi-se para uma mesa no fundo e pediu um chocolate quente.
Ela se sentou em frente a ele. Estavam cara-a-cara, não obstante ele olhava para suas próprias mãos.

- Vamos, faça o que você quer fazer, eu sei o que está dentro de seus pensamentos, pedindo para ser expurgado! - ela gritou, mas ele não mexeu um músculo ou sequer respondeu.

Algumas lágrimas escorreram do rosto dele, tardias, gotículas de alma cortada. E, com um movimento raivoso, ele tirou o anel. Ela se tremeu por dentro: o anel que estava em seu dedo, idêntico ao que agora estava adormecido na mesa, desfez-se em pó. Gritou. E seu grito foi surdo para o mundo, ela sabia disso, mas continuou a gritar.
A porta do café abriu e fechou, uma bela mulher de vinte e cinco anos adentrou sorridente, doce olhar sensual, e foi em direção ao homem abatido e à mulher que parecia engasgada.

- Eduardo! - e deu-lhe um beijo longo e demorado na bochecha. - Desculpe o atraso, encontrei uma velha amiga na rua... - sentou-se ao lado da mulher, cujo nome revela-se agora: Sophie. Porém não a cumprimentou.

- Tudo bem, Val... tudo bem. Eu mal cheguei, de qualquer forma. - ele parecia querer chorar como uma criança.

Sophie quis arrancar todos os fios de cabelo daquela vadia, de nome Val. Tentou cravar-lhe os dentes no rosto, mas não conseguia tocar-lhe. Quanta intimidade eles já tinham! Val, Val, Val! Beijo demorado, ele com certeza estava sem ação.
Valéria pegou suas mãos, ele a olhou de volta nos olhos, assustado, queria correr, fugir e enterrar-se vivo. Sophie tornou-se confusa, ao olhar para aqueles olhos perdidos, e sentiu um penar imenso em sua cabeça. Por quê, por que ela o perseguia e fazia com que aqueles pensamentos cruéis lhe voltassem à mente? Por que não o deixava em paz? Em seis meses, desde o ocorrido, era a primeira vez que se encontrava com uma mulher, e ainda sentia o pesar na consciência. Oh, que ela era injusta e egoísta! Ele precisava seguir em frente. E não só ele precisava fazê-lo...
Levantou-se e passou decididamente pelos dois. Chorava muito, de alguma forma, por dentro de si mesma, porém continuou a andar. Ao chegar à porta, olhou para trás e viu Eduardo, seu Eduardo, o amor de toda sua existência, olhá-la em absoluto surpreendimento, as gotas nos olhos. Ele conseguia vê-la agora. Conseguia sentir-lhe a tristeza.

Ela fez fez um adeus com as mãos e sorriu. Saiu pela porta, antes que ele pudesse correr até ela, e desapareceu.

Era hora de seguir em frente.

terça-feira, outubro 16, 2007

Um segundo de atenção.

E, então, mais um ano se renova, escapando por entre a sua pele todo o tempo que já se passou. Você quer segurar as horas, os minutos e, por deus!, até mesmo os segundos(pequenas partes de mim, que cobrem toda a pintura da minha alma), mas você não consegue. Parece que o universo resolveu atuar contra você, em função do tempo.
O que eu vejo é meu corpo sozinho, estático, em algum lugar entre lá e aqui; as estrelas bilhantes ao meu redor, girando, girando, como se eu fosse o centro de tudo. Eu disse tudo? Tudo o que não existe e aquilo que as mentes apagaram. Mas o maldito e meu mais temeroso medo parece ter-se extingüido por completo, já que aqui não há tic-taquear. Ou melhor dito: lá.
Olho para trás e os olhos reluzem: nada volta, os sentimentos (talvez apenas fantasiados, mas sentidos) sumiram-se todos, as mãos que me encostavam os cabelos tonaram-se pó, e o vento que dantes trazia o cheiro de verão tornou-se água, incolor, sem forma.

E, com as lembranças, minha realidade volta.

Eu estou aqui, agora, respirando, pensando no que escrever, escutando sonidos difusos. Mas o agora já se foi, já me estou no depois, que agora é agora, mas acaba de tonar-se antes.

Nada disso faz sentido, eu sei, obrigada. Mas é o que foge de minhas mãos para as palavras, o zunido tão irritante de minha mente, também com a mesma característica ruidosa. Eu não queria, e muitos eus de mim também não, não, definitivamente não, sentir o tempo assim, sem poder situar-se nem por um momento, por um milésimo de... segundo?
Segundo minhas mãos, e também a energia que emana da ponta de meus dedos, segundo, segundo elas, o segundo não existe. Não pode existir. Como poderia existir um segundo qualquer, como?

O confomismo do não-saber às vezes é completo em mim, mas dura apenas um... segundo.
Logo poderia dizer-lhe que, agora que já é depois, meu pensamento não-existe.

Adeus, segundo passado.
Amanhã talvez seja outo segundo,
de um segundo-décimo-sexto-aniversário.

Parabéns para mim.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Mundo de Papel.

"Tinha mania de morder a tampa da caneta enquanto escrevia. Mordia também o lápis, o papel e principalmente as palavras. Isso, exatamente isso. Elaine costumava morder as palavras de tal forma, até que o universo ficasse de cabeça para baixo para estas a morderem de volta.
Irritava-se com o barulho que faziam ao seu redor, às vezes queria matar mesmo uma criança, pois seu choro a arranhava por dentro. Além de ser mordida por palavras, Elaine era arranhada pelo barulho. Isso era realmente um problema."

Pronto. Cessou a inspiração, ele estava há dias tentando escrever sobre... Elaine. Uma mulher egoísta, que achava-se superior às pessoas e que tinha manias consideravelmente peculiares. Mas não conseguia criar mais que isso. Não conseguia dar-lhe um rosto, uma expressão, cabelos ou roupas que usaria se realmente existisse.
Além disso, começou a achar que suas personagens eram verdadeiramente apenas feitas de palavras, somente isso, não lhe pareciam reais. E também não entendia por que diabos escrevia detalhes banais com os quais ninguém se importaria, apenas ele, é claro, e suas personagens de veludo, que de alguma forma agradeciam pela importância que este dava para suas vidas tão cotidianas e banais.
Ninguém entendia que ele precisava transportar os sentidos para o papel, mas que, ao mesmo tempo, não agüentava mais fazê-lo. Queria basear-se na vida, na realidade, mas não conseguia, as sardas, as ruguinhas, um fio de cabelo branco de Elaine o perseguia.
Exatamente! E seu coração acelerou: sardas... ruguinhas... um fio branco... trinta e dois anos?!

Desclareou-se. Mulheres de trinta e dois anos não costumam ser tão Elaine. Não costumam ter tantos detalhes, elas apenas são mulheres de trinta e dois anos. Não que pensasse que elas eram banais, não, não é nada disso, ele apenas pensava a verdade, como em sua maioria todos pensam.
Não sabia mais o que fazer. Tirou os sapatos. Ainda estava de sapatos porque ficou com preguiça de tirá-los quando voltou da padaria. Seus dedos eram horríveis, fez uma cara de nojo e apoiou-se na mesa. Dedos horríveis, dedos horríveis... talvez ela tivesse dedos horríveis! Oh, não, meu caro, mulheres de trinta e dois anos fazem as unhas.
Por que mulheres de trinta e dois anos fazem as unhas? Ele ficou com raiva de todas as manicures e pedicures: queria matá-las, vagabundas, vaidosas fedorentas. Ele não queria Elaine de unhas feitas, mas não queria dar-lhe unhas não-feitas. Enraivou-se.

Pro inferno! Declarou e decidiu continuar a escrever. Ele precisava dar-lhe mais vida, nem que fosse um dia, nem que fosse uma morte. Apenas algumas linhas, alguns suspiros, algumas raivas e algumas unhas!
Malditas unhas.

Ela caminhava pela rua tão lentamente que parecia quase cair, mas não se importava, tinha ódio das pessoas que andavam apressadas. Ó que não conseguia entender por que aquelas pessoas precisavam ser rápidas. Era o sustento de muitas delas e de suas famílias, mas Elaine não se importava, queria chegar em casa e escrever sobre o quanto é sofredora e o quanto a depressão a alastra pouco a pouco.
Vivia em um abismo, sem saber por quê. Bem, talvez porque era uma mulher de trinta e dois anos que vivia em um apartamento onde a luz não entrava e passava todo o dia lendo, absorvendo, esquecendo do mundo real. O mundo em que há pessoas sofrendo muito mais do que ela, sofrendo de fome, de miséria e de falta. Falta de tudo que possivelmente ela possui.

Ele agora odiava Elaine. Odiava com todas as forças. Quão mesquinha, irredutivelmente ingrata e egoísta ela era! E isso tudo vinha de dentro dele? Cuspiu em seus dedos: estava morrendo de repugnância de si mesmo. Foi até o espelho do banheiro e olhou fixamente para seus olhos. Podia vê-la ali dentro, presa em suas palavras, em suas folhas, apenas esperando para que ele lhe desse outras características odiosas e mesquinhas.
Voltou à sala e rasgou as folhas, abriu a janela e jogou os pedacinhos de Elaine no ar, não saiu do umbral até que todos os pedaços quedassem no chão, seis andares para baixo. Sentou-se no sofá, sentiu-se um pouco livre, calmo e solvido.

Acabara de matar uma personagem, sentia-se um assassino. Não obstante, a repugnância passara.


segunda-feira, outubro 01, 2007

Ah.

Por quê, sinceramente, e digo sinceramente mais uma vez, por que agarro-me tão ferozmente aos detalhes? Por que acho que vejo certas coisas, e essas coisas me atormentam de tal forma que a alma parece querer afogar-se em angústia?
Eu digo por quê: pois você não passa de uma guardadora, exatamente isso. Você guarda o pisque dos olhos e o roçar dos dedos, o olhar de lado, e o movimento dos lábios. Isso te rasga de uma forma surda, e sangrar-se sem barulho dói. Dóis tanto, que você esquece completamente da dor, pois você se acostuma. E então não sabe para quem virar o rosto, pois estão todos apontando-lhe o dedo, gritando, gritando... e sussurrando, sussuros estrondosos, tão piores quanto os gritos. Como se a dor fosse pecado.

E então chega o segundo ato de tudo. Você sente a repugnância de si mesma, ninguém consegue alcançá-la. Seus olhos perdem o foco, você está caindo naquele abismo, tudo por causa do excesso de sentimento, antes tão escasso. Você cai. Parece nunca ter fim, parece que suas lágrimas formarão um mar, e sua pele tornar-se-á seca, sem o efeito da hipérbole.
Você percebe, então, que de alguma forma você está sozinha. Porque talvez nunca ninguém vá entender esse sentir tão avassalador que explode de dentro de você.

Por isso você chora, menina.
De medo.

De tanto medo...