sábado, dezembro 27, 2008

o canto esquerdo da sala.

tudo que surge de racionalização
tudo que surge das asas de um anjo
nada que não venha da sua parte mental
nada que seja tão escuro quanto o céu

é a simples caída de pétalas
o piscar de olhos infantis
o sonho que, apenas em sua natureza, alimenta de cores.
Os sinos que tocam por seus lábios:
- um beijo que voa com o vento

até,
em encontro,
tocar
os meus lábios:
- smack !

sou uma assasina, em fase de cogitação:
mato seus olhos com sangue em pensamento. Se escapa-se-lhe a faca, que em 2 gumes lhe corta a face, cairia em vida, pela morte que deixou.
Sinais de trânsito e de todas as dores do mundo.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

O anel que tu me deste era vidro e se quebrou...

Se pudesse, teria apertado o coração. Se pudesse, realmente, teria feito tantas coisas... Levantar, jogar os travesseiros pela janela e sair correndo pela rua. Queria apertá-lo para senti-lo, pois agora ele batia de uma forma avassaladora e ela tinha medo que aquilo fosse momentâneo e que estivesse gastando a bateria que nunca se renova.
Eles estavam em um restaurante à moda antiga, com violinistas, mesas com pano vermelho e rosas por todos os lados. Mal chegaram, ela quis ir ao banheiro. E que banheiro! Espelhos gigantes e com bordas francesas, todo dourado, pinturas na parede... Ela passou a mão por tudo, por tudo, apesar de sentir o vidro (e não a realidade) tocar seus dedos. Aquele tinha de ser o dia mais feliz de sua vida! (se o banheiro era daquela forma, imagine o que mais estava por vir!) Sorriu devagar, com um certo ar de realeza. Passou a mão pelo seu corpo e suspirou. Era linda.
Voltou para a mesa. Ah, queria-lhe dizer tantas, tantas coisas, que cada palavra poderia ser o infinito mais um. Passou a mão pelos cabelos e sua voz soou estranha e com vontade própria.

- Estou muito contente por ter-me trazido aqui - Não! Não era assim que devia ser, não eram essas as palavras que pretendia dizer. Ela queria gritar e pular-lhe no pescoço! Emoção, meu deus!

- Faço de tudo para agradar-lhe, meu amor - Ele correspondia, oh, com toda a alma. Seus olhos verdes eram os mais lindos do mundo e tinha certeza que uma surpresa (prevista) aguardava-a.

A comida chegou. Não lembrava de ter pedido peixe. Não, devia haver algo errado. Ela não gostava de peixe. Gostava de massa. Por que estava comendo peixe? Não importa, não importa. Ele está ali, com ela, e tudo parece eterno. E ela estava tão linda, tão perfumada (com aquela aparência, imagina-se o cheiro suave, como em uma sinestesia) e os momentos eram perfeitos.
Só sentia-se confusa com as conversas sobre lembranças, férias de quatro anos atrás e passeios caros e divertidos. Devia ser o vinho. Nunca gostou de vinho branco, mas parecia combinar perfeitamente com o peixe, então deixou-se beber. Sentia-se como se não tivesse escolha.
E talvez não tivesse, pois queria continuar sentada, mas dirigiu-se novamente ao banheiro. Foi retocar a maquiagem e fazer uma ligação importante, simples, falou automaticamente e nem prestou atenção ao que estava sendo dito. Lavou as mãos delicadas (esmalte rosa claro, que maravilha) e voltou ansiosa para o seu amado.
A iluminação do restaurante estava mais escura, e achou isso um pouco estranho. Talvez estivesse com dor de cabeça, quem sabe. Mas e daí? Os violinistas aproximavam-se e ela sentia o que estava por vir.

- Meu amor... você é a pessoa mais especial para mim, amo-a de todas as formas possíveis, gostaria, neste momento, de pedir-lhe em casamento - ajoelhando-se, abriu uma caixa com um anel de diamantes dentro.

Tocava uma música melódica e romântica ao fundo, quando...

Blackout.

A casa inteira apagou-se. Um homem pelado saiu do banheiro aos gritos, dizendo que a água estava congelando, e que a mulher sabia porque sabia que não podia deixar a luz acesa com o ventilador e a televisão ligados, enquanto ele toma banho. Ela estava paralisada ainda, em choque, com os lábios entreabertos, como se fossem proferir algo, mas não conseguissem. O homem ligou para o síndico, aos berros, dizendo que a casa não tinha luz e virou-se para a mulher reclamando que demorariam dez minutos para mexerem no relógio, e, pelo amor de deus, ele teria que ficar emsaboado até a água quente voltar. Resolveu ir para o quarto.
Ela ficou sozinha, olhando para a televisão, as mãos sobre as pernas, tímidas e piedosas. As unhas não eram rosas, mas sujas e roídas. Dez minutos. Não haveria mais casamento. Ela não aceitou. Ela não conseguiu aceitar. E agora estava na completa escuridão.

Uma lágrima saiu de seus olhos, quando as luzes acenderam-se. Ligou a televisão rapidamente, mas já eram oito horas.
E eles viveriam felizes para sempre.

Resolveu ir passar roupa.

domingo, dezembro 14, 2008

Peças atrás.

Não existe mais nada agora. Nem um pingo de água, nem um milésimo de poeira, nem um átomo. Eu limpei tudo, cada vestígio de pegada, todo pequeno som que se escondia atrás da porta e embaixo dos tapetes. Rasguei as cortinas do meu quarto e abri as janelas.
Tão profundo.
Vi as pessoas passeando pela rua e achei-as tão belas, tão felizes, tão humanas. E eu, ah!, eu passava as mãos pelo meu pescoço e tentava não arranhar minha alma. Porque eu queria, naquele momento, acabar com tudo. Jogar-me da janela, gritar, impedir! Sonhar.
Eu descobri que nunca precisei de nada. Por isso acabei com tudo. Mas agora tinha inveja. Completamente. Queria ter a pele menos pálida e mais viva, queria ter meias vermelhas e poder correr pelo parque aos domingos e não, não de novo. Eu quebraria os balanços e as gangorras. Tenho certeza.

Puxem as cortinas, por favor!

Estão rasgadas.

Eu rasguei-as. Para que não me tentasse a puxá-las e esconder o mundo inteiro de fora. Porque tudo que eu consigo fazer agora é olhar para minhas mãos (e ainda assim achá-las estranhas!) e perceber o quanto são minhas. O quanto têm curvas e linhas e desenhos e o quanto de mim está ali. E se eu olhasse para a mão de qualquer outra pessoa, iria querer gritar! Gritar de susto, de vastidão e de distância. Não, não posso ser tocada.
Depois que você abriu a porta e bateu-a, vi você acenar da rua para mim e achei seus dedos mentirosos e mesquinhos. A verdade é que você não acenou e não havia dedos com sentimentos. Você nunca existiu. Os sapatos com que eu gritava todos os dias nunca conheceram o mundo. E eu sempre reclamava que empoeiravam a casa e que não conseguiam ficar embaixo da cama por nem um dia! A poeira era falsa, criada. Escrita? Totalmente.

Eu tornei-me algo mais que não eu. Fingia todos os dias e imaginava. Até… até não sei quando. Lembro-me apenas de você (quem?) ter quebrado o espelho e também minha realidade. De ter-me deixado sozinha verdadeiramente. Sempre estive e agora sei. Quando o sol descia, e íamos à beira da praia, sentia-me plena, completa e feliz. Deve ter sido tudo apenas uma armadilha do mar e daquelas intermináveis ondas que me sugavam o olhar para o horizonte e para onde parecia ser o coração do mundo.

Por que minhas mãos têm vida própria e assustam-me? Parecem tão fora e tão dentro de mim ao mesmo tempo, como se uma fosse parte do tudo e outra parte do que sinto. Se é que o que sinto existe. Pois metade de mim já se provou desexistir.

Não há solução para agora. Tudo parecia tão meu, tão perto, tão… tocável, de todas as formas.
Tudo que eu queria era poder puxar as cortinas e impedir o ar contagioso de entrar por entre a janela. Mesmo que a feche, ele entra por imagens e impregna meu quarto de sorrisos e sentimentos milhares.

Por isso, mais uma vez repito, rasguei-a.

Você nunca mais entrará pela fechadura e me trancará. Tudo está aberto. Não! Não quero mãos e dedos diferentes e cheios de vida entrando. Não!
Arrependo-me, não tenho mais cortina, não tenho!

Quando a realidade real toca minha realidade imaginária, tudo que posso sentir é medo.
Que pelo menos esse sentimento seja real.