quarta-feira, agosto 12, 2009

huuum-ah.

seu cheiro impregna o meu cheiro.
e o ar que eu respiro já é todo você.

o perfume é doce.
textura impermeável de choro.
gosto de maçã com açúcar.

posso lacrá-lo em um papel?
para que eu possa tê-lo só,
inspirá-lo de quando em quando,
sentir que esse cheiro vive até na poesia.

sábado, agosto 08, 2009

roda-pé.

- você pode ficar só mais um pouquinho?
sorriu, e as migalhas caíram de suas mãos. como se mais um dia inteiro tivesse passado em vão, naquele tempo sem relógio, onde a noite e o dia ou o dia e a noite e as tardes são todas iguais. era como uma cadeira de balanço quebrada: você quer balançar, mas não consegue; quer dormir, mas ela range.
o sorriso foi pequenino, tímido, medroso, mas ainda assim conseguiu gritar para o mundo alguma coisa disforme, profunda, pingando de sentimentos. ficou muda, paradinha, os olhos piscando. fica, por favor.
não sabia direito o que estava fazendo: tirou as sandalinhas, o lenço que cobria seu pescoço e estendeu a mão nos pensamentos. nenhum movimento. a janela ainda ventava sem cortina, o mundo em holofotes lá fora.
o vento frio entrou e congelou o quarto devagar. mas ela não se moveu.
- disse algo?
- disse.
- o quê?
- posso te contar uma mentira?
- por quê?
- posso?
- pode.
- eu te amo.
- isso é uma mentira?
- não. mas tudo o que está por trás disso é.
- incompreensível. preciso ir, te vejo amanhã.
fica.
foi e fechou a porta. a janela aberta. frio frio frio. o quarto deliciosamente inundando dos cantos até o teto, do teto até a janela, da janela até o mundo. e o mundo lá fora indiferente, se deixando inundar, mar lacrimar de pessoas-peixes.
ia morrer afogada. procurou as migalhas no chão. morreria com dignidade. catou-as, meteu tudo no bolso.
mas o bolso estava furado.
ele voltou no dia seguinte. o cheiro salgado alastrando a casa. a cadeira de balanço úmida e com vontade de balançar. o silêncio estava mudo.
o rádio ligado no quarto. chopin pianotava por ali.
- meu bem?
- tive um sonho.
- sonhou o quê?
- sonhei que a casa era um oceano e que eu podia nadar, apesar de morrer afogada logo depois.
- deus me livre!
- posso ao menos nadar e voar nos meus sonhos...
- deixa de besteira, isso é coisa de artista. vou te levar para dar umas voltas.
- não quero. quero ficar aqui.
- eu não gosto de ficar aqui dentro, preso.
- eu sou presa aqui dentro ou lá fora, qual a diferença?
- não quer passear?
- não.
- vou embora.
fica.
vai.
fica.
fica.
vai.
me empurra para um mundo em que o voar sejam passos no chão; me empurra até que eu não precise mais ser empurrada.
ele foi embora.
ela ficou deitada. a cadeira de balanço estava longe, longe.
voltou a sonhar.

domingo, agosto 02, 2009

Placa Enferrujada.

Precisa-se de algo
ainda não descoberto.
Pode ser de maracujá
ou quente como chocolate.
Pode ser rosa, amarelo,
negro, vermelho,
de amor, de odio, explosão!
Mas tem de preencher
ausência aberta,
falta fermentada.
Tem de curar vícios
e medo de escuro.

Precisa-se.
(por enquanto ainda na intransitividade clandestina)

sábado, agosto 01, 2009

posse de abstrato.

eu tenho uma loucura dentro de mim
que canta, dança, roda.
explode em fogo adverso,
queima as cortinas de veludo
que cobrem as palmas de minhas mãos.

sabê-la é como ler labirintos,
mapas em branco aos pedaços.
abrir o baú que a guarda
é volta ao pensar universo.

não que consiga liberdade,
fera única de dois gumes.
o que tem é meu ar,
minha vida, a paixão de acordar e ser.

como fui enganada!,
e a água que me envolve reflete o real,
ouço um riso histérico de prazer:
eu sou tida por ela.

- paciente, nunca sujeito de mim.