terça-feira, dezembro 28, 2010

não sei.

é isso que tenho para dizer agora, quase como uma sinceridade obssessiva. você pode agüentar isso, só um pouco? essa sinceridade que tento te dar, como um presente guardado de antes, um folheto de política cheio de sonhos que ainda não se concluíram. pois parece que você não consegue, que tenta me forçar a sentir algo que não sei nem se posso mais sentir, porque estou em um momento de diferenças, não de somas, quase como um parto sem dor.
é a vida. é isso, meu deus, por que juntar as migalhas que já foram comidas pelos pássaros? as coisas são, não se pretendem. as migalhas não estão mais no chão, não há mais o que ser junto. e a vida passa, nos beija, deixa cartas por baixo da porta, me dá uma bala no final do dia pra eu conseguir sobreviver à amargura.
nada do que você me diz dói de verdade. porque é tudo mentira, mas não uma mentira dita de propósito, pensada e criada. mas uma mentira em que você acredita, porque há num enorme vazio entre o que sou e o que você pensa. não que eu consiga me definir, e é óbvio que sempre estou. mas o que sinto o que vejo e o que respiro agora está longe, muito longe, de qualquer coisa.
não peço nada. na verdade, nem sei muito bem por que estou escrevendo isso. acho que preciso me esclarecer no mundo também. não é para você que escrevo, afinal, mas para mim.
eu só queria que você entedesse algumas coisas. a primeira é que a vida é fatalista. as coisas acontecem, independente de nós, como uma doença degenerativa e desesperadora. é isso. só nos resta chorar e tomar um vinho à noite, com a escuridão nos dando um banho de dor. a segunda é que as coisas são bem mais simples do que pensamos que são.

é preciso cheirar o mundo. sentir ou não sentir tudo que nos acerta, um carro desenfreado cheio de jovens bêbados que irão morrer em alguns segundos.
afinal, depois de todo os escândalos, choramos sozinhos na madrugada.

segunda-feira, novembro 29, 2010

mudo. mudo tanto que chegam a doer os tímpanos. é que essa mudança grita, mesmo muda, no corpo que sua e seca. ontem eu olhei para você e me surpreendi, pois não era mais quem fui que te olhava. eram sílabas e sons e gostos e (o que mais?) sentidos distantes, mundos que se desprenderam sem um relógio de pulso.
vou te contar que tive medo, como um recém nascido descobrindo a fome. não conseguia mais tocar dizer ou contar os segredos.

acabou? acho que sim. novamente não sinto mais nada. seus passos estrangeiros, os abraços sem braços, a cadeira vazia no topo da escada.

pode ser cansaço? acho que é um tédio escroto que me engole. repetições, incômodo, não há o que descobrir (rasguei tudo muito rápido, ferocidade querer tocar viver).

porque os vai-e-vens agora me dão nojo. não estou mais ansiosa ou à espera. estou livre. tão livre que me sinto infeliz. não porque queira estar presa, porque não quero! mas porque não me possuo. não posso nem mais dizer que um mísero fio de cabelo seja meu.

acho que vou te pintar um quadro. tentar recriar o que hoje me falta. lambuzar o vazio de cores disformes.

casei sozinha. subi no altar e disse sim por dizer. é que a música que tocava me emocionou, precisei chorar e fingir uma felicidade morna.

agora aqui sei que vou sair dessa sala e quase entrar em desespero, pois levarei um soco no estômago que me fará vomitar tudo, tudo, até ficar sem escolhas. também não teria nada a escolher, se guardasse o que deixei sair d emim. não deixei, meu deus! saiu porque levei um soco.
eu sabia disso. tentei até ter uma gravidez psicológica para me salvar da crueldade. é que daí eu carregaria a vida, receberia proteção divina e seria mãe! ah! eu teria posse de algo, um filho meu.
mas desisti. abortei uma invenção, sangrei até cair e levantar com as mãos sujas e vazias...

como tem que ser.

sexta-feira, novembro 26, 2010

a violência sobe pelos braços, dormência única que não para a dor de ver e sentir o medo e o cansaço. quero um colete que prove que a vida ainda vale a pena para aquelas pessoas que me abraçam e me beijam e me pedem socorro com os olhares na televisão.
os corpos descem morro abaixo e parece -algo me diz- que são enterrados no meu quintal. vou deixar flores aos pés, mas o sangue faz nascer outra coisa da terra, algo gelado e quente, das entranhas do trabalho e do incômodo que é estar nesse mundo, assim agora sem saída sem nada mãos vazias e cabelos nos olhos armas apontadas para o nosso ventre - a vida que é violentada até no que poderia ser...
meu deus, e a escola? e a quintandinha do seu josé? e a igrejinha repleta de degraus para lugar nenhum oração quem sabe um pedaço de céu? quero abraçar esse mundo, ganhar esse sangue que cai não em gotas mas em metal duro e concreto, dar as flores que joguei nos túmulos e transformá-las no que sei que não pode ser feito só com flores.
tudo é violência. violência escondida, embaixo do travesseiro, pedindo para entrar e usar o banheiro da casinha. é preciso ser violentado - mais do que se já é - é preciso perceber a violência e amarrá-la e deixar que machuque e chorá-la e querer um dia poder arrancá-la do corpo e transformar esse substantivo num grande vazio passado que não poderá ser recriado nem em poesia.

porque essa violência que vemos... porque essa violência que sentimos e deixamos e sabemos esquecer
ela tá aí. como quem mata sem deixar pistas, sem deixar vácuo, apenas sofrimento morno, e dor de perda justificada.
não é possível! que nada disso se justifica, realidade de merda escrota filha da puta.
isso é um não agüentar que voa de todos os poros até as lágrimas que caem e as palavras que conseguem escapar de uma boca rouca e velha quanto esses olhos que não duvidam mas não aceitam o que vêem.

quarta-feira, novembro 10, 2010

é engraçado eu estar aqui, agora. não queria nada disso, sentir esse amontoado de linhas paralelas, loucas e incosntantes. queria ser a gatinha da lygia, que brinca com papéis, que pula da cama, cai no chão, se estatela e esquece tudo, tudo, no dia seguinte. mas reconhece pelo cheiro, pelo amor perdido, pelo suor do tempo e pelo pulso que seu coração se torna ao abrir a porta de casa à tardinha.
será que um dia eu amei? é que o amor me está tão longe que às vezes tenho medo de ter inventado tudo. mas eu era outra (eu sei), e talvez por isso não consiga mais escutar a beleza ranger nos meus ouvidos. é doce e viva essa sensação, mas triste, tão triste que chega a dar uma monotonia e quase um tempo morno de felicidade.
fui pegar uma bala pra ver se eu mastigo um pouquinho do que é o amor. aqui em casa há uma sala cheia de doces, sorvetes e pipas. parece que é a minha infância engaiolada e dormente, pronta para me atormentar e gritar o que eu sou.
os livros estão dormindo na cama, um diário azul e pronto para ser jogado no lixo, um copo de guaravita, o papel de bala amssado na minha frente. acho que vou guardar esse papel como forma de aprender a embrulhar a idéia de amor. não há nada ali, nada, só o cheiro da bala. e não é assim que tudo fica?

eu queria pedir alguma coisa, sabe? acordar, calçar os chinelos, correr para o mundo e gritar "alguém me dá o que eu preciso!". mas nem eu sei ainda, talvez seja um olhar profundo, um esgar de lábios devagar e com muita semântica. não, semântica não, não precisa ter isso, nunca, mas sentir, e sentir muito.
pensei em jogar tudo fora, pela janela, pelas frestas da porta, abrir a cortina e dar um grito que pintasse o céu, que desenhasse o que eu quisesse, como um poema que antes de nascer já é poesia.
você consegue ver? eu não, o grito quase me cegou, pintou não o céu mas meu corpo, os olhos se tornaram bolhas de sabão que estouram depois de serem violentadas por dedos e vento e amor.

acho que o amor me atormenta. de uma forma que nem eu percebo. passeia pelo meu corpo, finge que vem, mas engana. ameaça e vai vai para sei lá onde, algum lugar onde possa brincar de esconde-esconde.
não vou procurar, porque estou cansada, suor de correr de outras coisas, da vida, pelas ruas, amontoados de dias e passos e sons. deixo ele se perder, calado, chorando, sempre à espera, com uma máscara empoeirada que eu costumava usar nos carnavais.

(vou te contar uma coisa: caí numa confusão de pêlos, olhares, lágrimas, corpo palpitante de momento, mentiras, promessas nunca ditas, cama e eternidade de ânsia, uma ânsia muito forte. nenhum medo, mas uma profunda irritação pela indiferença)

vou dançar. o corpo em tormentos no meio da sala, sonidos tocando os músculos e os poros.
fico tonta, mas posso sorrir em paz.

domingo, novembro 07, 2010

minha ocupação é ser poeta
rir com os rios,
chorar enfartos de sílabas soluçantes
saber o momento de calar,
mas mentir no silêncio

trabalho com as rimas do asfalto
marcas passageiras no corpo do chão
passantes e vivos no caminho do verso

nada sei sobre o mundo
apenas sinto o que agora as mãos me permitem:
um salário vazio
mas cheio de mim.

segunda-feira, novembro 01, 2010

minha vó está deitada na cama. sinto vontade de abraçá-la forte e de dizer vó, vai ficar tudo bem. mas ela não vai entender, vai dar uma risada ou um gemido baixinho e voltar para o seu mundo e para fora de mim. talvez seja melhor ela não ter entendido, pois não precisou engolir minha mentira. porque não vai ficar tudo bem. não, não vai. ela está sozinha e vai sofrer, o corpo mole e desolado, lábios solitários e sentidos surdos.
sinto vontade de chorar por nós duas. ela nem chorar mais consegue, não consegue mais ficar triste ou se lamentar, não entra em desespero. olha para o teto como quem vê a gávea dos pobres, a época de ser faxineira e não poder tomar conta dos próprios filhos. o abandono daquele nordestino safado, ser só na vida, a morte do seu quase marido camelô.
lembro de uma vez, vó, que você fez pizza pr'eu comer, lá no minhocão. e que eu achei tão ruim... cuspi na hora, e você ficou irritadíssima, me chamou de mal educada! lembro de tantas coisas, lembro de fazer penteados no seu cabelo, de jogar jogo da velha, de passear contigo. e você sempre foi tão parecida comigo... pequena, as mãos de criança, os olhos perdidos em qualquer lugar.
eu queria que você me entedesse para eu dizer que não foi culpa sua... que não adiantaria você ter chegado lá a tempo, ter parado de ver a novela para fazer o café mais cedo, ter tido vontade de subir para ir ao banheiro e passar pelo quarto. a morte, quando vem, não deixa culpados. não dessa forma. e talvez tenha sido melhor assim, não sei, juro que não sei.
também não foi culpa sua ter nascido pobre e ter sido abandonada. é culpa de... não quero falar sobre a culpa agora. mas ela está bem, na medida do possível, conseguiu sobreviver. e agora está cuidando de você como um filha. minha mãe é forte, de certa forma.
vó, eu queria te salvar. queria te mostrar fotos das coisas lindas, te contar histórias, te levar à praia num dia chato de domingo. colocar a minha mão na sua e ver uma lágrima de tristeza cair.
você já foi embora há muito tempo, deixou apenas o corpo pesado para trás. eu não gostava de ir ao hospital... tinha medo, ficava mal por dias, seus cabelo sem estar em você, um não saber nos olhos de uma vida longa. depois a cadeira de roda, a perda de sentidos, a surdez aprofundada, o vazio, o tomar banho em desespero, a merda no lençol.
por que eu não conseguia? um dia, minha mãe, irritada, me puxou até o banheiro e começou a gritar comigo para eu te dar banho. minhas pernas tremeram, chorei chorei, pedi pelo amor de deus para ela me deixar ir. vim para o quarto e me joguei na cama, um profundo mal estar me tomava, precisava respirar muito, oxigênio, tive a ânsia de vomitar tudo e de fugir dali.
isso machuca tanto. te ver deitada na cama, o chapeuzinho que você tanto gosta na cabeça, a camisola rosa, sua pele com cor de adeus. a cadeira de rodas na sala, a porta do banheiro fechada, meus dedos não agüentando mais o peso do que sinto.

sabe, vó, eu estou chorando agora. porque tudo é tão incontrolável, esse não poder fazer me arranca todos os fios de cabelo e me deixa nua.

me desculpe por querer mentir para você. mas é que eu também queria acreditar nessa mentira.

um abraço, talvez, mesmo que você não sinta, é tudo que posso dar agora.

domingo, outubro 31, 2010

a vida está me chamando. me chama tanto que chega a machucar meu corpo, meus sentidos, minha dor. coloca nas minhas mãos um sopro do que ela pode ser, um orvalho que ainda vai surgir do sereno da noite tão longa. quer que eu seja mãe e dê a esse orvalho um lugar por onde escorrer e se fazer existir.
eu digo pra vida que ela espere. que eu tenho medo, tanto medo, de um dia acordar e não saber onde estou, cair no meio do asfalto e ser queimada pelo sol. como queima! o calor de agora me invade me possui cada poro sai pelas festas que dançam nos meus dedos.
como posso como posso criar um orvalho se não crio nem a mim mesma? um orvalho que nasce na esperança de ser, de ser muito, de crescer e passear pelo mundo, de sentir as pessoas, suas flores suas vozes. é uma continuação do que sinto para fora para dentro para lugar nenhum.

eu queria chorar agora. pedir implorar que alguém me dê a mão e que me salve. as horas passam os mundos se encostam a vida me exige
hoje eu li uma coisa que me deixou assustada. no seu rosto vi algumas dores segredos passados sentidos nada mais que vontades de antes e depois, e o agora? o agora eu passava o orvalho que a vida me deu pel sua pele pra você sentir um pouquinho e para eu admirar o que é sentir e querer mais.

você me encostou. eu quis te empurrar, deixei a vida cair no chão desarmada sozinha esmagada pelos milhares de passos que um dia se confundiram por ali. corri pelo tempo lembrei dos rostos das coisas que inventei dos sonhos das malas desfeitas.
não, eu não inventava nem desfazia malas, só ficava observando a escuridão ao redor e os olhos pedindo revolta vergonha amor.

inundação: abraços toques e distância. a vida que se levanta sem perceber e foge carregando a repsiração ofegante da gente.

ondas me acertam sempre,
esses momentos me afogam e me guardam para si, só para si.

segunda-feira, outubro 25, 2010

vou escrever o que sinto, de verdade:

acho que estou.
dizer o quê? já é demais.
mas estou, mesmo.
e tenho medo e uma tristeza profunda, porque sei que... só.

a lua olhos fechados os passos o silêncio do mundo do lado de fora e o barulho explodido dentro de mim

ah!

[...]

sábado, outubro 02, 2010

a poesia morre(dentro de mim)
agora!
calada por beijos apressados,
sozinha,
com as dores já não consigo ter.

muitos versos sempre ansiei
cadentes contornos do corpo
silêncio das gêmeas horas
edifício desnudo escrito por ninguém

quando me olha o espelho,
me vêem livros rasgados
recortes de outros tempos já presos e prévios
irmãos que partiram antes de nós

a poesia não me beija
romance sem clichê e final
ligação tardia e dolorosa
reticência que sopra a vida



(agradecimentos ao ramon, que fez parte da construção desse poema :P)

domingo, setembro 26, 2010

mudo os planos:
a janela agora é um quadro do mundo
guardo nas mão fechadas
o pincel que vai desenhar o carnaval

ligo a música
vomito as cores presas em mim
danço com os passantes
giros que não acabam
passos nas folhas secas da nota que não toca mais

inverno quente esse no meu corpo
escorrem risos e abraços
suor vivo alcançando a vida
vida que roda na palma da minha mão

sábado, setembro 25, 2010

acho engraçada essa minha vontade de tomar as coisas de súbito. agora que aprendi a beber as saudades, arranco todos os copos que vejo pela frente e dou um longo gole. como se não bastasse, gosto do cheiro e do suor da tempo, respiro e passo a saliva pelas horas, canto com os segundos que me vão transformando em companheira e irmã das confissões no escuro.
sinto como se estivesse vivendo o mundo, sede de ser e sermos, coragem de entrar na roda e se deixar embalar. outro dia eu rodei rodei sozinha no meio da sala, rodei até ficar tonta e cair no chão, rindo. sensação do embaçado, cores todas juntas, movimentos mais rápidos que eu, a vida que segue em ritmo de música e embriaguez.
não vou esquecer o que você me disse no ponto do ônibus. os passageiros olhando nossa espera, o medo do assalto e da violência, apesar de, naquele momento, já termos sido assaltados e violentados por muitas coisas. você olhou para aquele viaduto longe, alto e com um porte de respeito. 'acho que não temos controle sobre nada'. eu concordei, porque me sentia tomada por tudo ali, menos por mim mesma.

[...]

domingo, agosto 08, 2010

(por que não?)

sinto falta de como as coisas eram. olha, sei que tudo muda, e deve faltar muita maturidade dentro de mim para que eu possa entender sem um sofrimento perturbador e aceitar os fatos. mas eu não acredito ainda, não consigo, dói, fico horas deitada olhando para o teto sem conseguir nem ao menos mover os olhos. entro em depressão, fico arrasada, choro, tenho medo. tudo junto. e não há ninguém para quem eu possa ligar, dizendo: me dá uma página em branco para eu secar a tristeza.
esse texto já está clichê o suficiente, eu sei. mas eu não me importo, não agora. já passa de 1 da manhã, e eu não consigo dormir.
quero ouvir música, olhar as estrelas, salvar o mundo. quero voltar àquele dia em que eu não estava sentindo nada disso. quero, sinceramente, não querer mais nada. apenas que as coisas sejam naturais, mas não efêmeras. nossa, por que a efemeridade me ataca tanto?
hoje eu me fiz uma pergunta. na verdade, duas:
o amor é uma flor?
eu sou uma flor?
eu não quero ser uma maldita flor! mas eu juro juro juro que seria uma flor à beira da morte se eu pudesse salvar o amor de sê-lo. e aí é que eu acho que a eternidade me faz chorar, quando olhamos para o álbum de fotografia e não nos reconhecemos mais.
por que eu preciso da eternidade? eu queria ser mais forte, mais presente no agora. por isso a solidão...
porque tudo passa muito rápido, e eu fico lentamente para trás. não. algo de mim fica para trás, algo que eu quero de volta mas nunca mais consigo encostar.
é a falta de mim mesma. não que eu não me tenha agora, porque eu tenho, mas eu crio espécies de relacionamentos inseparavéis com juras de amor eterno com as partes que deixei ontem.

sexta-feira, agosto 06, 2010

eu quero pedir desculpas pela sua vida. as mais sinceras e profundas.
hoje, quando te vi, juro que senti a vontade dos olhos de Capitu, aquele impulso de amor e flor que pede para ficar mas vai embora rapidamente. queria ter te abraçado e prometido que as coisas não precisam ser assim.

- preciso me distrair.

você me disse, jogando o pão sem fermento na areia. eu senti uma pena profunda pelo seu desejo de distração e quis chorar. na verdade, o que me veio como ventania no rosto foi cada pequeno momento encostando em você e indo embora, enquanto você dormia. às vezes, sonâmbulo, consigo te ver encostar nos móveis da casa, tentando escapar do quarto para o mundo, correndo e tropeçando correndo e tropeçando, no sonho de que não há o agora sem você.

- ela me deixou aqui, depois de tudo.

mentira. você já tinha deixado o tudo antes de ele próprio acontecer. tantas foram as vezes que a vi correndo de madrugada pela rua, querendo respirar, enquanto você, silencioso, sentado na soleira da porta, apenas engolia o ar no compasso simétrico e sem sentido.

- ana, você está escutando uma palavra do que eu digo?

- não. quer dizer, me desculpe, eu estava pensando...

- não sei mais o que fazer, não tenho horizonte!

- mas tem o mar... você não consegue ver o horizonte à noite, só o mar pintado de céu (ou o contrário, quem sabe). talvez você esteja vivendo uma noite longa e duradoura e talvez você precise deixar de dormir, de sonambular pelo mundo.

- ana, por favor, não me venha com essas loucuras.

- não são loucuras. são minhas últimas palavras. preciso me desculpar... por tudo que fiz e não fiz ou não falei.

- você está indo embora? eu não vou conseguir...

vai. e essa é a melhor parte de estar dormindo. você pode cair e morrer o quanto for preciso, sempre acordará em sua cama, com os pulmões prontos para sentirem o ar.

e quando acordar, tudo estará bem, e você não precisará se distrair.
só viver.

segunda-feira, julho 19, 2010

não sou mais tão pequena quanto ontem. já não posso embrulhar-me num guardanapo e entrar dentro do seu bolso. eu olhava o mundo pelos furos, você sabe, mas também tinha um imenso medo de cair. às vezes você tropeçava, e eu juro que, por alguns segundos, eu fingia que não existia, bem fingido, mentindo pra mim mesma só para não desaguar um rio inteiro no meu sertão.
há dias em que eu preciso ir para trás da porta, porque tenho medo dessa grandeza. mato tantas formigas por dia que não posso nem mais dizer que tenho medo de morrer. sou uma assassina, mas não como aquelas cartas que você (ainda) me envia. elas, sim, me matam de todas as formas, com uma crueldade que nem sinto ser cruel, como se o doce tivesse uma pitada muito fina de amargo.
a solidão de ser grande é bem maior que a de ser pequeno. quando eu ainda era um botão, eu via as coisas difusas, não sabia isso, inventava aquilo, comia brócolis pensando ser batata-frita. agora não. de todas as formas, tudo me é tão claro quanto a dor (porque a dor sempre é. ao contrário de todo o resto, que sempre vai sendo. e que tantas vezes vem inventado com o vento), e não há mais nada em que eu possa me segurar, mesmo que eu não vá cair de lugar algum, não mais.
o meu cair é ler suas cartas, é a lembrança do que ainda não veio, é não poder mais morrer em paz sem que todas as bactérias minúsculas decomponham meus corpos antigos. preciso saber guardar os pedacinhos do meu corpo ou queimá-los no mar.
eu não vou responder as suas cartas. todo esse mundo novo, e tão pequeno, me machuca, fere meus últimos momentos de vida, me desabrocha como flor que, efêmera, já nasce dando adeus à vida. não quero escrever sobre essa imensidão na palma de minha mão!
se quiser, estou no jardim do livro que leram para mim, há muito tempo. sou a flor silvestre, pequena (ali onde estou), vermelha. e parada. não surgi botão, não murcharei. a pintura é eterna naquelas páginas de livro. e nem você, com suas cartas, poderá me matar.

sexta-feira, junho 18, 2010

gosto de te olhar tocando violão.
não porque você toca bem
- porque não toca -
mas porque os cabelos encostam nos olhos
e as cordas na alma.

eu queria saber fazer isso,
sabe? :
tocar na alma.

só sei desafinar as palavras,
chorar as notícias,
rezar para o tempo.

me ensina a tocar violão?
quem sabe eu aprendo a cantar black bird.
e fazê-lo voar com as fitinhas da memória para longe...

mas precisa de ritmo?
não tenho compasso
e sou desritmada.
nem bater os sapatos eu sei.
(na verdade, ando descalça e meus pés são tortos)

deixei um recado na sua caixa postal,
passei na banca de jornal e comprei uns livros de música.
mas tenho certeza que vão ficar jogados no armário...

assim como essas palavras.

domingo, abril 25, 2010

_

fiquei o dia inteiro lendo um livro. um fato normal no cotidiano dos afazeres e pensamentos da efemeridade. mas o que me surpreende é a capacidade de me sentir companhia de todas as horas, amiga e amante das páginas brancas e negras, sonho de promessas de vida eterna.
porque, ao abrir (docemente, como pernas prontas para o ato sexual) aquela capa dura e azul-escura, eu era vítima e assassina. o local do crime sempre o mesmo, com outras cores e outros toques, os personagens disfarçados de gente real, as minhas vontades soluçantes arranhando aquelas folhas.
o desespero ora leite ora álcool ia me encantando os dedos, as vozes em minha cabeça já não faziam parte só-de mim. a parte era o todo, e o todo era o abismo infinito entre mim e os milhares de eus translúcidos saltando da história e quebrando as lentes -tão finas- dos meus óculos.
de repente a campainha toca. fiquei atordoada, pois estava já presa por auréolas àquela narração de vida dormente. não sabia de onde vinha o som. acompanhei as pistas até a porta de casa, com o livro ainda sobre os dedos, e me deparei com o jornal de todos os dias. tive uma cesso de raiva! a realidade intransponível se encontrava quase encostada na beira dos meus pés. bati a porta furiosamente.

(sobre o desespero que se torna fúria: acordar e querer dormir, escovar os dentes e não conseguir arrancar o mau hálito dos que ainda sonham, afogar-se todos os dias na ducha fria e veloz que percorre o corpo como o tempo cansa as senhoras idosas de esperar pelo navio que nunca chega no horizonte, vestir-se e ver-se nua no espelho embaçado, ligar a televisão e só ter um canal com ruídos, comer o pão como quem tem sede e não há água (ou vinho) para sarar-se.

ainda, tentar dar as mãos para o desenho feito quando criança e colorido com lápis de cera e sentir a imensa solidão emanando da mentira e da falta do agora.)

o livro expressava e comprimia. queria suprir tudo dali, daquelas falas silenciosas, do amor e do ódio e da vida tão presente e nunca passageira das horas. poderia? precisava escolher os finais, inventava novas idéias e histórias para cada detalhe e gesto.
do desespero surgiu a criação. passaram a crescer as flores em cima do jardim seco, a regá-las de grafite conseguiu ser salva.

da luz que se dá algo, surge um preenchimento temporário.
vitimada, exerceu sua vontade de assassina e mãe.

terça-feira, abril 20, 2010

asas e facas.

sei que haverá uma noite em que acordarei aos prantos, e minha mãe estará chorando sobre o corpo morto de meu pai.
o tempo sua pelo corpo, vida em partitura de música italiana. janelas abertas para o mundo entrar nas casas, um sopro de tudo na poeira dos cantos dos cômodos.
mamãe costumava dizer que morcegos são pássaros esquecidos. fazem barulho à noite, assustam, cegos voam pelas árvores e por cima dos pensamentos. papai, com o sorriso no corpo, lia alguns de seus poemas sobre pássaros que fingiam ser morcegos.

- mãe!
os dedos passeios de carruagem enferrujada sobre os pêlos, poros, sol. sal invadindo a cachoeira crescente, brilho único de adeus. ainda de camisola, jazia estendida ao chão, as orelhas congelando no mármore branco, enquanto suas mãos apoiavam no coração.

- está fingindo, amor.
sufoquei com a explosão torturante que queria ser vomitada dos meus lábios. havia sonhado com o horizonte, com alguma música e instrumentos. sentia a vontade de voltar para a calmaria que emanava da cama.

ela ficou ali o dia inteiro. senti o cheiro de podridão vinda do corpo. sentei-me na cadeira de balanço só para sentir o terrível gosto do vai e vem. conversava com papai de vez em quando, arrastava o rosto na pedra dura, resmungava sobre a noite mal dormida. senti pena.
à noite, tive forças para parar de balançar.

- chegou a hora, você sabe.

levantou-se sem espirros, o sangue todo parecia estar no rosto.
os punhos fechados, como se guardassem algo dentro.
foi até a janela do apartamento e jogou um ser morto oito andares abaixo.
era um morcego.

não escutei a queda, quase que ironicamente, mas os seus grunhidos finos e perdidos: é besteira, não importa! é besteira, ouviu? onde estava com a cabeça?
fiquei assustada em alguns momentos, com vontade de chorar e gargalhar, mas o mais terrível de tudo foi mamãe ter aparecido com um pássaro engaiolado e cego para cuidar.

no enterro de papai rezei por piedade.

domingo, março 07, 2010

de repente tudo ardeu. e arde, como fogo em casa longe do mar. meu corpo em incêndio de noite de são joão, a vida em cirandas mentirosas e cansadas. a parede ao meu lado chora, a janela lacra as cortinas de folhas, a menina sentada na varanda acena para o mundo negro e faminto.
porque, em um segundo, sinto a água de 1 real tocar meus lábios e meus lábios tocarem os lábios secos do homem pedindo esmola. vem a sensação de passageiro no ônibus, não, meu deus, na ambulância, estou em chamas me salvem!
a poesia grita. grita Grita GRita GRIta GRITa GRITA! como se fosse um nome, como se grita fosse alguém que pudesse fazê-la respirar! sufocada. engolindo a água de preço inventado, o descaso com ela mesma.
ela invade a a minha mente e pede para eu atirar bem fundo. desenha uma arma e me dá de presente e diz: vai. mas eu não vou, não consigo, fico parada, a arma escorrendo pela tinta a fora. deixo virar um borrão e passo os dedos na sua textura. passo os dedos pelo rosto e fico suja de violência, os poros absorvendo e enviando tudo pro sangue.
começo a pulsar - vida que estoura de medo, de vergonha, de anseio. preciso. e repito: preciso! o precisar passa a um querer profundo. o sangue pulsando no ritmo dos tiros.
perguntei prum menino onde ele havia guardado. ele me respondeu que nunca teve. eu disse é mentira! mas não era, não não, não era e aquilo me desesperava. ele não tinha guardado num baú e trancado, ou escondido só pra ele. tinha cicatrizes, sim, mas só lembranças. às vezes ela vinha, mas como chuva de verão, depois deixava tudo para trás, pobre nordeste.
me chamou prum cantinho e sussurou no meu ouvido: ela grita! mas ninguém escuta, porque é um grito silenciado pelas buzinas.
seus olhos sem formato, seus lábios quis beijar. peguei na mão dele e disse: poesia.

- meu amor, de que o mundo precisa?
- de poesia.
- mas tem tanta gente passando fome, morrendo por aí...
- exatamente.
- não entendi...
- a poesia está muda.

porque ataram seu grito com uma nota de 1 real.

terça-feira, janeiro 26, 2010

-

aqueles gritos demoraram a sair da minha casa, dos cômodos, do pozinho entre as teclas do meu computador. entraram como uma orquestra, para todos os lados, pela fresta da minha janela e me alcançaram no chão onde eu estava deitada.
acordei sobressaltada, por saber que me tomavam os ombros e sacudiam. eu me deixava tocar como o piano em que meus pés encostavam. mas naquela noite, com o barulho me arranhando, eu queria ser muda. fui até a rua, era madrugada e meus olhos também pesavam como se houvesse uma gota de orvalho pendurada em cada cílio.
havia faltado luz no bairro inteiro - os gritos eram feito chamas. a janela de frente à minha casa estava aberta e uma mulher chorava.
cada grito, que como uma sinfonia crescia e diminuia, me consumia mais e mais. comecei a sentir o corpo quente. joguei água, mas não adiantou, tudo estava em carne viva. desde o chão em que eu pisava até os olhos assustados e com uma ponta de sentimento se escondendo nas dobraduras do piscar.

pessoas na rua já sussurravam.
- acho que morreu alguém.
- nossa, não somos ninguém diante disso tudo, não é mesmo?
- é.

entrei. teimosia de querer se distrair da vida. já disse que não quero distrações: quero sentir. como escrevo agora parece que foi um fato comum em um dia quente e sem sorte. realmente foi, não minto.
mas tudo me fogia do controle:
grito, fogo, dor, água. grito, dor, água, fogo. grito, fogo, fogo, dor. grito, grito, grito... fogo, grito.

um homem morreu, meu deus, e agora? como aquela mulher vai olhar para o mundo? como se as coisas já são duras e há de se limpar a casa toda sexta-feira? como se os chinelos ainda estão ao lado da cama! e o vidro ainda está embaçado com o frio do inverno passado.
fui para o banheiro e apoiei a cabeça na parede, a mão no peito. meu coração gargalhava.
era medo? era dor? era culpa? era falta?
o piano da sala parecia tocar sozinho, as pessoas na rua continuavam a olhar, os braços na cintura, a cabeça balançando, um conforto religioso afagando-lhes o pensamento.
quero um abraço, que me digam que sentem muito, que lamentam o repentino. talvez assim eu consiga me distrair um pouco do inevitável, porque os sentidos já me deixaram.

voltei a dormir. os dias seguintes devagar e estagnados.
o que mais me angustia é que a janela aberta por toda aquela noite continua fechada e os gritos, calados.
renderam-se, tal como eu (deiticamente), ao tempo.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

"pra você eu digo..."

gostava de assoprar as bolinhas de sabão e ver como estouravam facilmente. sabia que era tão passageiro como uma viagem de ônibus até itacuruçá naquelas férias de verão.
a bolinha sobe, diz que não quer nada, sente o mundo por alguns segundos e...
às vezes tentava pegá-las com a mão, mas era muito difícil! escorregadias, espertas, medrosas. as bolhas de sabãos conseguiam ser mais sábias que a menina.

ela, sim, deixava-se agarrar. aliás, jogava-se nas presas ferozes com a coragem nos olhos fumegantes. abria os braços como quem diz me abraça forte never let me go.
também surgiam, com isso, as vontades de eternidade.
quero que isso não se acabe, não não, como poderia deixar de ser isso para ser aquilo, como? fica, fica, não se esvai, não se deixe voar pela brisa até misturar-se e deixar de ser algo senão ela mesma.


corria. o céu em seu rosto, estrelas penduradas em seus cabelos. precisava alcançar o depois e guardá-lo dentro do peito como um grito que não, não quer sair. fica, fica!
preciso tanto de você como é, estático e brilhante. luz que pisca, mas nunca acaba. desejo de estar aqui agora eu você.

com um sim: estourou a bolha e viu as gotinhas d'água caindo no chão.

com um não: continuou a olhar a bolha esperta, que subia colorida a tentar alcançar o céu e tornar-se arco-íris.
-fotografia-

às vezes prefiro um talvez.