domingo, março 07, 2010

de repente tudo ardeu. e arde, como fogo em casa longe do mar. meu corpo em incêndio de noite de são joão, a vida em cirandas mentirosas e cansadas. a parede ao meu lado chora, a janela lacra as cortinas de folhas, a menina sentada na varanda acena para o mundo negro e faminto.
porque, em um segundo, sinto a água de 1 real tocar meus lábios e meus lábios tocarem os lábios secos do homem pedindo esmola. vem a sensação de passageiro no ônibus, não, meu deus, na ambulância, estou em chamas me salvem!
a poesia grita. grita Grita GRita GRIta GRITa GRITA! como se fosse um nome, como se grita fosse alguém que pudesse fazê-la respirar! sufocada. engolindo a água de preço inventado, o descaso com ela mesma.
ela invade a a minha mente e pede para eu atirar bem fundo. desenha uma arma e me dá de presente e diz: vai. mas eu não vou, não consigo, fico parada, a arma escorrendo pela tinta a fora. deixo virar um borrão e passo os dedos na sua textura. passo os dedos pelo rosto e fico suja de violência, os poros absorvendo e enviando tudo pro sangue.
começo a pulsar - vida que estoura de medo, de vergonha, de anseio. preciso. e repito: preciso! o precisar passa a um querer profundo. o sangue pulsando no ritmo dos tiros.
perguntei prum menino onde ele havia guardado. ele me respondeu que nunca teve. eu disse é mentira! mas não era, não não, não era e aquilo me desesperava. ele não tinha guardado num baú e trancado, ou escondido só pra ele. tinha cicatrizes, sim, mas só lembranças. às vezes ela vinha, mas como chuva de verão, depois deixava tudo para trás, pobre nordeste.
me chamou prum cantinho e sussurou no meu ouvido: ela grita! mas ninguém escuta, porque é um grito silenciado pelas buzinas.
seus olhos sem formato, seus lábios quis beijar. peguei na mão dele e disse: poesia.

- meu amor, de que o mundo precisa?
- de poesia.
- mas tem tanta gente passando fome, morrendo por aí...
- exatamente.
- não entendi...
- a poesia está muda.

porque ataram seu grito com uma nota de 1 real.