segunda-feira, dezembro 05, 2011

gestos

não há nada mais perigoso do que deixar-se levar. não por uma brisa ou um trem, nem mesmo por barcos (que tanto amo os caminhos por onde vão e o cheiro e som da maresia), mas por alguém. tento desviar os olhos dos seus porque são como janelas de fora do mundo para dentro de uma casa silenciosa e cheia de palavras pintadas e sussurradas pelas paredes.
hoje eu queria te chamar para deitar no asfalto comigo. sentir o calor da terra queimando os anos e o suor do trabalho. lembrar das rodas passando por aqui e soltando a fumaça que também exalamos ao fumar o cigarro vendo o pôr do sol. dá até para amar as estrelas (não é como no interior de minas gerais, mas talvez seja esse esconder-se que as deixa mais lindas).
pode tocar a pele, os cabelos, beijar os olhos, fazer acorde onde não há som, cantar uma música no violão, mas não encostar em mim, não aquela sensação de que está tudo bem (não está), muito menos um amanhecer com o sol batendo nos sorrisos.
se me perguntassem agora o que eu quero, eu diria que 'um pouco mais, não tudo'. mas é verdade? não sei se quero um pouco mais e também não sei se quero tudo. tudo é algo pralém do que somos, porque mudamos tanto e cada segundo que o tudo está em constante transformação. e um pouco mais já seria ultrapassar o corpo, para onde eu mandaria o que me inunda, o que atravessa os poros deixando rasgos marcas e cicatrizes?
se as palavras fossem nuas, eu mergulharia com elas no mar e nasceria como um sol amanhece num dia quente de verão. são pele sobre pele sobre pele de palavras que não nasceram com o sangue e a dor de um mundo novo, mas vítimas de um desenho que fiz num guarda-chuva para não me molhar.    

quarta-feira, novembro 16, 2011

oásis

devagar, você adentrou no meu mundo. passos leves, sorrisos escondidos e mãos no peito. a respiração não podia ultrapassar o próprio corpo, era necessário que ficasse escondida, órgãos com os órgãos, sem espiar o vento ou ar que se estendia tentando entrar pelos poros.
o quarto na claridade amena, pronto para ser beijado, acalentado e posto para acordar. mas você desviou os olhos e colocou o dedo nos lábios entreabertos: silêncio. a vida é mais do que os barulhos do antes e do agora, fica no susto do que poderia vir a ser e não vem. shhh.
deitada na cama, o corpo bronzeado de palavras minúsculas e frases trancafiadas, arrastava tudo com seu sono acordado.

- voltei pra te dar isso. não um cigarro ou uma carta. nem um daqueles malditos livros que você tanto gosta. não vou esperar você acordar para que seus cílios pesem em mim o peso dos anos e dos amores perdidos.

esperou. nenhuma resposta, apenas um mexer de cabeça e um aperto nos travesseiro. a janela entreaberta às vezes batia às vezes ficava. parecia indecisa e muito consternada com as palavras do homem que mal chegara e já parecia ido.
no sonho, tinha em si tantas cores e tantas esperanças, que mal escutava a voz naquele quarto semi-amanhecido.

- hoje andei por uma rua deserta e, por algum motivo, me lembrei dos seus olhos naquele dia. pareciam a voz do atacama. não pela sua solidão somente, isso também, mas por sua imensidão e beleza. a verdade é que quando te olho acordada sinto como se...

deixou na cama uma fotografia e foi embora. era o suficiente para dizer até logo, quem sabe um dia. ou até mesmo adeus.
quando acordou, sentiu a fragrância daquela onda que vem arrastando tudo derrubando casa destruindo lares e arrancando vidas. respirou bem fundo. agora era hora de encarar a areia em que seus pés tocavam.

segunda-feira, julho 18, 2011

segunda-feira, junho 06, 2011

já andou de barco? eu tinha sempre duas sensações ao colocar os pés perto do mar: magnificência e medo. ao mesmo tempo em que tudo era tão grande, tão belo, tão vontade de viver e respirar cada pedaço que estava à frente, a imensidão me engulia e me causava uma dor e falta de ar que se prolongavam por alguns instantes de pensamento.
sinto que novamente estou assim. mas sem o mar aos meus pés. apesar de eu estar completamente inundada, não sinto cheiro de sal nem o canto do sol nascendo na linha do horizonte. são muitas coisas que me maravilham, e ao mesmo tempo me aterrorizo.
me dão uma moeda e dizem baixinho no meu ouvido: escolhe. cara ou coroa? duas faces do meu rosto, partes que eu quero guardar para mim quando me olhar no espelho, mesmo quando as rugas já tiverem formado um mapa monstruoso (e sem bússola a seguir).
quando estou no mar, não há escolhas, apenas uma fluidez e um balançar que vão indo para onde tiver que ir. posso manejar algumas direções, mas não se anda de barco na terra. é sempre o mar.
diferente de duas faces de uma moeda, uma exclui a outra. o mar não exclui o mar.
eu posso excluir a mim mesma, mesmo com tanta inundação?

a resposta é a seguinte: nunca amei tanto. e o amar, como já diz o próprio signo, é muito diferente do mar.

domingo, maio 15, 2011

vienna waits for you

o silêncio, às vezes, é a melhor palavra a se dizer. melhor não compartilhar do que ser incompreendido. penso em tocar violino ou violão, um baixo ou piano. talvez agrade, e eu deixe de ser desafinada nas angústias que tanto teço.
novamente, o choro nas ruas. parece que o tempo até concorda comigo, me dá uma chuva pra compartilhar as tristezas. isso que é amigo (amor ou amante) - aquele que sente dor onde te machuca. sei que me deixei levar, o ônibus passando pelo mundo, as coisas perpassando os olhos molhados. juro que tentei disfarçar os soluços, até prendi a atenção num texto (mas só piorou as coisas).
a solução foi repetir vienna incontáveis vezes no mp3. dá pra acreditar? é que me fez sentir bem, de alguma forma. não consigo nem explicar...
queria qualquer coisa, menos essa não aceitação, essa incompreensão.
uma tentativa.

sexta-feira, abril 22, 2011

há coisas lindas
na boca de um passarinho.
um querer, talvez,
de um céu azul até a eternidade.
ou até mesmo a tardinha de um amor.

hay cosas más bellas
nos teus olhos tímidos
gosto de mel ou café
guardando o momento que suspiro.

canta no meu ouvido, beija-flor,
esses olhares criadores
que preciso é de uma música
para embalar tudo que sinto.

segunda-feira, abril 18, 2011

às vezes é preciso um sopro. sabe, um mexer de lábios inseguro, me conta uma história bonita para eu dormir em paz. porque, vou te dizer, não tenho dormido bem. ando pensando sobre a vida, sobre as coisas, sobre a hora de ir embora. tenho sentido muito medo.
é difícil admitir que se sente medo, não é? às vezes estou tão feliz que tento me agarrar desesperadamente ao agora. mas me vêm imagens, a morte, a dor, a velhice, a angústia.
aquelas crianças naquela escola assassinadas de forma tão brutal. vidas interrompidas. e será que há outra forma de morrer senão interrompendo o que existe de mais belo? por quê, meu deus? não sabemos o que vem depois, e isso é desesperador. por isso sofremos tanto quando as pessoas se vão. além da saudade, é porque tememos por elas.
e eu estou tão convencida de não saber o que fazer que às vezes me pego chorando pensando coisas horríveis. queria ter algo ao que me agarrar para me confortar.

acordo pensando assim: hoje farei tudo diferente. quando vejo, o dia já passou e estou aqui escrevendo, na frente do computador. mas sei que, no fundo, não adianta. aliás, não basta.
nada basta.

segunda-feira, março 28, 2011

fotografava as flores chorando. caíam as gotas de orvalho, tal como lágrimas, de suas pétalas até o chão seco. gostava de marcar aquilo, pois era um momento que levaria consigo para sempre, lembranças do cheiro, dos sons, da vida toda que emanava dali para o mundo.
deixava que a flor chorasse em seu lugar. sentia como se o corpo fosse quebrar se se desse ao luxo de soluçar escondida. preferia que chorassem por si, que a beleza tomasse a tristeza que guardava nos clicks e revelações.
seu marido fora embora. parece que tudo, no final, se resume a uma história de amor mal resolvida. mas não! não era isso... pelo contrário, estava com uma felicidade meio culpada por ter sido deixada. as coisas andavam tão mornas, tão hospitalares, que qualquer quebra de silêncio a fazia dançar. mesmo que essa quebra fosse feita por ruídos e gritos sem ritmo.
por toda a sua vida esperou um amor. era a mulher perfeita. sabia cozinhar, passar, andava de saltos altos, era inteligente, conversava sobre livros, era fotógrafa e até discutia um pouquinho de política e futebol. queria casar, é claro, como não poderia querer? um homem de quem cuidasse.
mas o casamento veio, as tarefas diárias lhe tomaram a vida, o sexo era doloroso e sem graça e, ainda por cima, não passava novela aos domingos! ia à igreja, é claro, e pedia a deus um pouco de açúcar nessa merda toda. chegou a um momento tão entediado em sua vida, que esperava os domingos para sonhar com o padre bonito que passara a rezar as missas.
mas, para o mundo, era uma mulher feliz. ainda nova para os filhos, com um marido bonito, a casa límpida e reluzente, as idas ao mercado, as alianças de ouro branco e os passeios aos casamentos e formaturas.

hoje, quando ele foi embora de madrugada, ela sentiu uma preguiça enorme de entender o que se passava. leu a carta, estava fugindo com outra. voltou a dormir. era minha vida uma novela mexicana, meu deus? mas onde está o drama? acordou cedo. calçou os sapatos. tomou seu café com hortelã. decidiu ir fotografar.
não era falta, não era amargo nem frio, era uma idéia do novo. tudo se quebrou. o que parecia era que a casa estava falando com ela, rangendo os cômodos que logo cairiam aos pedaços.
não sabia agora muito bem o que fazer. nunca fora triste, mas se sentia agora livre. não porque ele a prendia, mas porque era tudo uma farsa. não era amor, não era ódio, não era vingança. não era nada, simplesmente. e não se tratava só dele, mas de toda a sua vida até aquele momento. afinal, por quê? por que fez isso e não aquilo? por que se deixou levar pelo que deveria ser? só conseguia pensar num sei lá bem podado e desconexo.

decidiu fazer um álbum de fotografias. não para se lembrar das coisas, porque o que tinha se passado até ali era um livro em branco. quis fazer um álbum para recriar mentiras, contos e poemas que poderiam sanar o que não foi. a arte a salvaria.
e, dali para frente, com a primeira lágrima, formaria uma biografia, não mais um livro fantasioso.

sexta-feira, março 11, 2011

tornou a espiá-lo (era pelo canto dos olhos que fazia existir o amor).

uma tarde adocicada entrava pelo quarto, música calma e viva tocando a pele daquele homem sentado na beirada da cama, as pernas dobradas, como impaciente, os olhos se revirando da janela ao teto e do teto aos pés.
ela estava dentro de um cansaço quase desenfreado, queria se levantar e gritar a dor que estava sentindo, um mundo inteiro de peso nas costas sendo deixado para trás. e queimando cheio de cicatrizes.
ainda estava no umbral, meio enviesada para não tampar os raios de sol que batiam no rosto dele. era como se ele se tornasse parte da natureza ou parte de uma pintura que ela queria poder pendurar no quarto, para admirar até tenras idades. ou jogar para o mundo, colocar dentro de um balão e soltar vida afora.
lembrou, ali quieta, dos momentos que já pareciam ser parte de outra vida, dos sorrisos e das enganações, de todo o amor que arrumara graciosamente nas palmas das mãos abertas. eram mãos pequenas, mas as unhas eram vermelhas, e as linhas fortes. isso lhe concedia certa dose de mentira.

"não, não há mais o que ter. não quero mais esse anel, essa casa, seus sapatos ao lado da porta. nem quero mais sentir esse gosto doce das lembranças que tentam me possuir, como um demônio de várias línguas.
ontem, chorei por horas a fio ao lado do telefone. depois de meia hora, já não sabia mais por que chorava. só chorava porque estava chorando e chorar machucava e expurgava a vida de tal forma que me fazia tremer até os tímpanos. de repente, como um clímax, percebi que podia parar de chorar em paz. é que eu chorava por algo que não era mais meu (ou quem sabe nunca foi). eu chorava porque queria de volta o que achava que tinha. entende?"

"não entendo muito bem. mas peço desculpas, porque, sabe, acho que te deixei meio confusa e perdida. diria até que meio louca. mas o amor existiu, agora é outra coisa. quem somos nós para controlar o que o amor é ou se torna? ficamos exigindo situações, conclusões, ações exatas... e no final das contas, para quê? ser feliz com o seu tempo e suas mudanças é do que preciso. é do que precisamos todos nós."

não se tratava de nada disso, e ela sabia. já estava superada. queria agora dar um passo à frente, cruzar aquele maldito gosto adocicado -que mais tarde identificaria como saudade- e dirigir para além daquela casa, da janela e de tudo que tinha criado para suprir o que lhe faltava.
só assim poderia fechar os olhos, ainda que um cisco a contorcesse de dor.

quarta-feira, março 09, 2011

meu quarto está uma bagunça, as goteiras caindo na cabeça, nas mãos e em onde mais conseguirem cair, o corpo desorganizado e recebendo as cores fugidias dos móveis, das fotografias e do cheiro teu que permanece aqui. um copo de água vazio na mesa grita, o vazio do grito quebra o copo cheio de alguma coisa que ainda não sei nomear.
mentira, sei muito bem: é dor. e ela escorre pela escrivaninha, alaga o chão inteiro e vai subindo subindo até encontrar os lábios e beijá-los com um pedido silencioso. é um quase fica. é um quase vai. é um fica mas vai, é um vai mas fica.

canto de ossanha que me perdoe, mas vou, que sou alguém de ir. guardo na bolsa um los hermanos, uma tiê, uma fiona e mais nada. vou-me embora pra onde me deixem mergulhar numa praia deserta, escutar um vinicius de moraes apaixonado. que é disso que preciso, apesar de não precisar absolutamente nada.
o carnaval dançou com o coração em frangalhos. cada samba era lembrança dos toques, da distância, daquilo que mal começou e já foi embora.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

tenho em mim agora tantos sonhos, tantas mudanças e tanto desespero que não consigo nem mesmo me mover para o chuveiro. é que algo me diz pra ficar, pra correr os dedos por aqui e chorar tudo que preciso chorar.
preciso de um banho, estou imunda. preciso dizer que estou com raiva, que quero um abraço forte e que acabei de lembrar que há chocolate na geladeira -e que logo irei comê-lo-.
quando saí de lá, senti o desamparo da madrugada, o peso de ser mulher e correr sozinha por esse mundo sujo e sem escrúpulos. logo terei que acordar para ir dar aula, não poderei nem sequer descansar em paz minhas tantas incertezas que dominam tudo que penso nesse exato instante.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

minhas palavras finais pra você...

minha vó se foi e já deixa saudades.
como aquele cheiro de flor dando adeus, mãos atadas ao peito e um brilho ainda suave na pele. tenho tantas coisas para jurar... e a primeira delas é que tentarei não ficar triste com as lembranças.
quando pisei naquele antro de pessoas que não via há anos, os olhos querendo transformar a sala em um rio minguante, entrei em um desespero de me lançar aos quatro cantos em pedaços. um sofá e mãos no rosto foi tudo que consegui projetar.
o caixão bem à frente, o tumulto, os rostos de preto, o meu choro tremendo o corpo todo. eu só conseguia pensar: minha vó nunca mais vai me responder.
e se foi. e por isso a morte me assusta. porque se vai para nunca mais voltar. nunca é um tempo demais, é algo tenebroso e sem sentido, é sentir falta pra sempre. quando levantei e vi seu rostinho com que até pouco tempo eu costumava brincar... seus cabelos que não serão mais feitos de modelo para maria-chiquinha, as mãozinhas atadas como que em uma oração santa e alheia das explosões do mundo... quis dar um grito. que me chamassem de louca, que me dessem um tapa na cara para que eu percebesse onde eu estava.

dói. bastante. quando minha mãe me acordou e disse 'priscila, sua vó faleceu', eu quis me enterrar embaixo do silêncio, bater a porta do presente e denunciar ao mundo tudo que queria ser chorado. lembro de ter dito incontáveis nãos, de minha mãe ter resmungado que não deveria ter me contado naquela hora, da porta fechando e do telefone tocando várias vezes.

no carro, um choro de realidade. o pé no chão, um segurar tudo dentro de mim pro corpo não desmontar. com o cheiro de flores, o sufoco de dizer adeus e tocar a frieza que agora se tornara minha vó.
penso agora em como você está, o corpinho encolhido, as baratas passando pelos dedos, pela boca, pela sua santinha que tanto segura na mão.

se de tudo isso eu pudesse guardar alguma coisa, seria teu sorriso naqueles dias distraídos, quando a lucidez ainda vinha se alimentar dos sentimentos e da luz e do ar em volta... e da vida.

domingo, fevereiro 13, 2011

pra passar.

o céu de brasília é uma das coisas mais lindas que já vi. junto com o vento no cabelo, o coração palpitando com o peso das horas (ou dos segundos), o cheiro escaldante do que sei que não é possível... joguei tudo isso dentro da mala e guardei pra mim, quase como uma lembrança para tocar daqui a dez anos.