terça-feira, outubro 22, 2013

foi ontem que quebramos o vidro daquela casa. só que não sabíamos que ao deixar as pedras caírem no chão o que caíam eram nossos sonhos. pesados, escondidos e com o gostinho de travessura, mas ainda assim não imunes à gravidade do tempo.
você foi embora e levou as assombrações daquelas salas, os olhos atentos às árvores sombrias do quintal e seus penduricalhos que nos lembravam bruxarias.
também foi outro dia que sentei no sofá e chorei. escrevi minha primeira carta inventada. eram palavras para minha juventude adormecida, escondida entre as palavras corridas e longínquas. era uma vontade de amar alguém que dorme, alguém em coma, que pudesse descansar em paz enquanto eu lhe dava amor e poesia.
hoje escancarei os olhos pelo ônibus. as casas e árvores correndo do lado de fora. minha vida ficando para trás, mudando a cada sinal vermelho, transfigurando as pedras e cartas já partidas. se pudesse escolher um momento, não pediria por ontem ou pelo outro dia, mas um segundo de silêncio nesse mundo.

domingo, outubro 13, 2013

encaro o mundo de olhos fechados. assim, sinto o vento nos cabelos e o céu misturado com meus gestos. é necessário respirar o silêncio, abraçar as cores criadas pelas mãos quietas. não vejo a luz das estrelas, mas sei do peso dos anos que voam sobre nós. nada escuto do tempo, mas a dor do presente paira meio em festa meio em túmulo em nossas casas.

mundo!
grita tuas curvas sobre mim! me enlaça nessas águas de enigmas e segredos. abre as asas nas ondas de incerteza, de caminhos cruzados e tortos. me faz sonhar com canções antigas e ternas.
não deixe explodir os vulcões, desesperos de sentimentos inundados.
que apenas as lavas da liberdade me alcancem.
a flor somos nós,
o orvalho é o tempo.

vem do sereno
e nos suja de solidão.

também nos limpa de esperança
para depois cair no chão.
o operário boceja as horas de trabalho
mas o galo não canta com os outros galos 
ele vai amassado com muitos homens no ônibus.

nunca leu fernando pessoa nem olavo bilac
o que sabe são as notícias tristes e monótonas
estampadas cheirando à fumaça 
das fábricas e dos cigarros. 

nunca foi homem de escrever ou de cantar
não sabia o que era tom nem coda
de rima só simples, nunca rica.

não havia tempo para mudar
no emaranhado de nada e nunca mais
só o que soube é que talvez pudesse se libertar
quando um panfleto recebeu
de um desses comunistas que dizia
que queremos direito ao pão, mas também à poesia.