terça-feira, dezembro 09, 2014

deitei-me nas ruínas:
são elas minhas irmãs?
não. que sou órfã da memória
e da antiguidade que inventei.
chega de mentira!
quebrei tudo, tudo
até a pia do banheiro.
- a mão ficou suja de silêncio.
os destroços, lares fugitivos
refúgio da minha incoerência
labirinto teimoso em me calar.

segunda-feira, novembro 17, 2014

sim. meu corpo ainda é meu corpo, e mesmo que sinta a pintura escorrendo pelos braços e nascendo como uma borboleta viva e independente no mundo, ainda assim silencio: sim. 
ainda estou sentada nesse tempo morno que é a aceitação do fim da primavera e das recordações ora nostálgicas ora amargas que é a vinda de um verão pueril. sim, me deixei levar pelas páginas em branco. sim, respirei o cheiro de tinta fresca que às vezes é fruta às vezes é esquecimento.
essa aceitação é necessária senão o demônio me toma e me arranca desse estado fingido que teima em ser paz que teima em ser aurora e quem sabe consegue.
de vez em quando acho os cacos por aí. esqueci que fingi ir embora, mas fiquei, fiquei milhares. e agora nem lembro por onde começar.
estou sentindo aquela força que me faz cortar os cabelos. é como uma dança rebelde, sacudindo todos meus pequenos fragmentos, querendo rasgar o limite que é o corpo, salão pequeno e escuro para os passos nascentes.
é melhor o cabelo que os pulsos, pois esqueço que sou atriz e vou ser dançarina nas esquinas do dia.
sou gata noturna. não quero saber de dança nem de cicatriz. só inventar mais um suspiro que grito.
não sei se luto
se sangro
se canto
se mudo
de casa
de mundo
se viajo
se fujo
se corro
se pulo
se voo
precipício.
não sei se vivo
se luto
reluto?

quarta-feira, outubro 29, 2014

sem rima e vestígio
sem rímel e vestido:
- nua de todas as formas.
e daí que não há saída nem entrada
há palavras estragadas
teu abraço intragável
o adeus que vem, mas atrasado.

do cigarro me dá um trago
esse é nosso tratado
que te mostro as ruínas da estrada.
não posso mais chorar.
de que adianta,
se os rios são invisíveis
e as embarcações cores no horizonte?
se a lágrima não pode ser poesia,
e vai navegar a memória
de qualquer desespero ou perdão?
o que faz é poça
de quem chora e esquece
mas que de vez em quando
abraça um pequeno riso no chão.

quinta-feira, setembro 18, 2014

taquei fogo no travesseiro
quem sabe assim
como quem mente pro espelho
encinere a dívida do amanhã.
sem receio e pudor
das horas apaixonadas
inventei meu senhor
latente medo do inesperado.
o quarto acordou imerso
era tanta cinza mal guardada
saindo do quarto pr'universo
que até esqueci que morri sufocada. 

domingo, setembro 07, 2014

poema para desaguar.

não deságuo mares nem rios
tampouco palavras
são acalantos, abraços e segredos
empoeirados pelo meu corpo.

tua memória era represa
que me prendia mas também era presa
das mágoas amargas
que agora são doce de amêndoa.

se eu pedir, me guarda
não num pote ou numa casa
mas nesse mundo afora inteiro
que não seca, nem inunda
apenas nos aguarda.

domingo, agosto 24, 2014

recebi tua ligação.
não era do inferno 
(nem daquele escrito por dante) 
era mais um limbo dizendo adeus:
cadê os cigarros em cima da mesa?

não sei. 
e se soubesse esqueceria.
que nem a roupa que deixei no tanque
e teu beijo no livro de poesia.

terça-feira, agosto 12, 2014

poema para dormir


no cansaço das horas
entre as reticências e o porém
de um frio trôpego
alcancei por acaso um fósforo
perdido, no latente beijo
de uma rede de acalanto.
porque rede é balanço
mas também sossego
pendurada como brincos
na concha do outro dia
e como busca no dia
que não é outro nem esse.
encontrada sou cochilo
perdida sou insônia
entre as nuances semi-adormecidas
ora sono longo ora bocejo
acordo e sorrio.

sexta-feira, julho 11, 2014

há um hiatus em mim que chora pela partida.
um ia que nunca foi e um tu que permanece.
o relevo sem a tatuagem
a queda sem precipício.
ainda a soma de uma fração perdida
o gosto do beijo desenhado
sem a cor dos lábios
e o toque da despedida.
ponte dos segundos invisíveis
construção sem placa de perigo
é a falta do gesto
para acalmar o silêncio que briga.

sexta-feira, junho 27, 2014

somos imitação de universo:

se não abraçamos o sopro
como a um vento avassalador
cada pequeno gesto e beijo
se perde na esquina
às vezes teima em parar
outras aposta corrida
nunca a mesma volta
nunca o que poderia.
só te digo: sê
que as estrelas já foram
mas ainda temos tempo
para dormir juntos até mais tarde.

sábado, junho 07, 2014

vida,
de novo te invoco,
tantas vezes em minha poesia,
às vezes bela
às vezes divina
hoje doida varrida
descabela e infeliz.

dádiva,
presente do agora
ou castigo do fim?
é do gosto a criação
ou a evolução do desgosto?

ah, como eu queria passear com você,
anos passados
ano novo esperado
e o carnaval marcando o compasso.

vou te contar que danço muito
forró, bolero, funk e samba de raiz
mas hoje, vida,
só restou aquele tango argentino
com a única flor vermelha do mundo
que consegue chorar
(mas é atriz!)

mãos de babel

não nasci pássaro nem borboleta
a beleza deixei para trás 
também o voo livre pelo céu
e minha fuga amarrada no cais.

vim órfã ao mundo:
a noite não dá à luz
mesmo que a lua insista
em ser a flama que a paixão conduz.

fui ser logo morcego errante
cega das nuances do quando
caindo em bares sem permissão
derrubei muralhas apenas voando.

veio do mar nebuloso
com a sobriedade da visão
sabendo poema e inconstância.
crime e paixão.

arrancou-me do corpo as mãos:
"hoje tu amanhece aqui
amanhã não se sabe
com essas linhas de babel
canto, silêncio,
qualquer coisa vale"

não sabia das linhas que tinha
tampouco algo me disse a vidente
pois quando se está cego na vida
só se reescrevendo novamente.

terça-feira, maio 20, 2014

esse sol que toca a aliança
e minhas mãos
é o mesmo sol que seca o nordeste
que faz na áfrica a fome ser mãe.

como posso lavar as mãos singelas
e pedir da miséria o divórcio
se o mundo é o altar dos meus irmãos?

sol,
que às vezes é ouro
outrora música e eclipse,
deixa o grito longe do deserto
pra nascer no caminho,
dando à luz meio mãe e meio filho,
- a aurora.
só canto o abraço
a perda
a poesia. 

o toque me engole a existência
o tempo parado no escuro
a noite silenciosa do adeus

a memória deixa passos no asfalto
se esconde atrás da porta entreaberta
mulher de costas nuas no porta-retrato.

mergulho no arpoador
suicídio do dia
parto doloroso da lua
queria jogar o cigarro pro alto
e viver do enigma ritmado.
ainda há tempo
de esconder as linhas da mão
de fugir do vício do amanhã
de acalmar a fera embaixo da cama.

correr muros de frases soltas
arrombar a casa descuidada
arrumar a bagunça da janela no verão.

subi no mundo e disse calma
que ainda tenho uns segundos
pra decidir se sou freira
puta ou cigana.

ainda há tempo
de cochilar o nunca mais
e desenhar o de repente.
passarinho, me traz qualquer coisa
uma música
um pio
uma frutinha
até um carinho

desses que beijam
e depois voam
desenhando no céu o horizonte
pingando no mar lágrimas de sol. 

deixa aqui tua pena
pra eu brincar de desenhar
pétalas de rosa
casca de laranja
e tudo que há de bom no mundo.
dizem que estou enveredando por caminhos tortos. que da vida não sei medir nem o início nem o fim. que perdi o trem das oito, que o trem das 9 quebrou em santa cruz e tive que ir andando pelos trilhos cantando o silêncio.
não tenho sapatos, por isso os pés queimam no sol e pedem consolo no frio que existe em alguns cantos do país. às vezes correm, depois cansam e choram pela nudez tão sóbria, tão quieta, tão exata. 
acordo e não há sonho que me desperte, não há relógio que me levite. é o arroz cru sem gosto aparente que como, claro e insosso como o hiatus que caiu em mim.
o que dizem também digo, mesmo sem dizer, sem nem mesmo sussurrar, mas quando a gente diz é como se já não tivesse pra onde correr. é como aceitar a missa no domingo e ajoelhar pra rezar até conseguir dar à luz um milagre vivo.
qualquer coisa 
te digo,
para que não parta.

invento desertos
roda-gigante
cachoeira sem queda.

escrevo uma epopeia
canto de pássaro sem rumo
histórias que nunca viveu
(nem viverá) .

te trago nas mãos as estrelas
amantes do tempo
para que desenhe
sem me partir
o universo em mim.

domingo, maio 04, 2014

canta todas as músicas
que não calará o pássaro rebelde
voando dentro de mim. 

pois os rios não são o bastante:
o oceano conhece mundos
derruba terras.

não há órgãos pulsantes
que amansem meu corpo
não há toque tão próximo
que acalme a ânsia.

pode correr pelo deserto
pode buscar os passos
que quando chegar
nem o eco da minha voz estará presente.

segunda-feira, abril 28, 2014

queria viver de frente pro mar. que as ondas tocassem os pés sem arrastá-los, sem exigências de mergulhos profundos ou vida à deriva. apenas o silêncio do horizonte, a alma meio céu e meio água, o alcance da inundação e do voo calmo.
deitada na areia, o sol a pino no corpo cobre, os olhos cheios de maresia e viagem. é possível afagar esse instante, essa calmaria que precede a violência e abraçá-la como um amor que vai embora?
essa leveza que me domina
arranha o caos 
que luta dentro de mim.

entre uma confissão e outra
a doçura beija a raiva
e nasce a música
que canto em silêncio.

o corpo é um mundo em movimento
cheio de prazer e dor viva
que cisma em me empurrar por aí.
foda-se você
e seus óculos escuros
de garoto achando que é ator de cinema
ou poema de bukowski.

vai lavar essa cara 
fumar um cigarro
ler um livro longe de mim. 

que hoje a noite me disse
tá na hora de inventar outra prosa
pro coração nascer
e dormir em paz.
e se eu te disser
que vou embora do mundo
que vou ser raimundo
nas rimas de drummond?

e se eu te jurar 
que pego o barco agora
saio por aí sem rumo
sereia dos mares nunca d'antes navegados?

e se eu te escrever do atacama
com o desenho dos teus olhos
maquiados de sol e sede
e nas minhas mãos a poeira da saudade?

será que assim tu responde meu gesto?
cor de fúria e fuga
que não faz pergunta
mas pede a resposta.
alguma coisa tua ficou em mim
não sei se o beijo no cais
(porque está sempre indo embora)
ou a falta do adeus.
pode ter sido o olhar corriqueiro
a saudade que não existe
ou tua forma de me dizer
garota, talvez eu te veja amanhã
ou quem sabe nunca mais.

a vida é tão só desencontro
que quando os corpos se acham,
assim por achar
faz mal o toque ser uma viagem só de ida
pra lá de marrakesh
ou pra baixo dos lençóis.

deixa o céu chover
queimar a pele em dia de sol
até arder as conversas e o sorriso
esquece o amor e a paixão
mas foge
foge assim pra qualquer lugar comigo.
flor
que é flor
não tem que ter simetria
só ser flor
e morrer um dia.
assim como minhas unhas azuis descascam com o passar do outono, também sinto o peso das folhas caindo. não é prova de que o tempo ou a gravidade existem, mas de que meu corpo quer ser pintado de outras cores e de que as flores estão pedindo para nascer.

segunda-feira, abril 21, 2014

gabo

queria ter te conhecido
pra dizer que o cheiro das amêndoas
e da amargura
são filhos de sangue e suor
dessa américa latina cheia de cólera.

era pra ter vivido mais de cem anos.
podia ser na solidão
ou no campo cheio de pássaros.
(que a vida sempre vale mais)

e agora
que faço eu com os livros interminados
com esse medo de concluir que o amor é um demônio
maior que minha insônia,
eterno derrotado da morte?

da ausência

da faca nasceram as palavras
distantes como o horizonte
ausentes como um olhar nublado.

na casa o adeus nunca dito
fica a boca sem mexer o músculo
mão fechada na mesa de jantar.

não adianta correr
pra pasárgada que não existe
mas aqui também o sabiá não canta.

o abraço sem lembrança
as roupas nunca escolhidas
pegadas sem rastro de passos.

se um dia for embora
é como se nunca tivesse ido
pois para ir
é preciso em tempo antes ter nascido.

domingo, abril 13, 2014

tu me lembra olhar de soslaio
cheiro de café e cigarro
e esgar de lábios inconstante.

ainda não sei teu sobrenome
mas já te abri das mãos um poema
um pouco rápido e tímido
com gosto de conversa incompleta.

se um dia o corpo esbarrar no teu
juro que te conto um segredo
e te mostro um filme
desses de desconhecidos
que às vezes fica empoeirado no instante.
te escrevo, música
pois fui tomada por ti
em goles de grogue e gim
em canções de cabo verde e portugal.

te escrevo, música
porque não sei cantar
como tu me encantas
porque as palavras também são
canto em silêncio.

te escrevo
e não há corpo no mundo
nem sonho no continente
que mereça esquecer tua voz.
o pescoço é o tronco
o cabelo, as folhas
teus olhos são canto de flores a nascer.

na terra, a raiz da memória
campo fértil do dizer
o que é o fruto,
senão tua boca?
- gosto de poesia fresca.

segunda-feira, abril 07, 2014

sinto o teu respirar lento
acalanto de amores passados
peso de uma vida apostando corrida
esquecimento de um longo abraço.

inspiração insegura
não cheira o canto 
poesia de mão dupla
recorte dos olhares que não se encontram.

mãos trêmulas às vezes se conhecem
num mundo longínquo pra onde viajam
corpos ainda dançam sozinhos
e permanece o silêncio da manhã pingando a suor.
me aconteceu uma dor
e eu não sabia
se era choro
se era grito
se era noite
ou se era dia.

veio em mim silenciosa
a lâmina no sexo
as mãos na boca
não houve abraço
beijo minguado
apenas um soco na pele oca.

estirada na rua
vi um pássaro voar
mas não em vão.
carregava uma lágrima que dizia
- hoje ele passou
mas amanhã não passarão.

terça-feira, março 25, 2014

vem cá, 
me dá um beijo
deixa nascer um pássaro do abraço
que não cante saudade nem lamento
que toque os lábios nas flores a nascer.

deixa pra depois o não dito
o poema desfeito
e o jantar sem vinho, vela e violão.

acorda do esquecimento o retrato
paisagem de mãos dadas
rio caudaloso de palavras
e viagens sem fim.

vamos dar uma volta na música
cantar o sorriso nascente
criança de mundo novo
experiente nas incertezas do que vem.

reescrevendo o poema

fui embora de mansinho, para que as lembranças não ficassem penduradas nos cabides nem nas maçanetas. não escancarei a janela da sala, não pulei o muro que me prendia nem me fiz pássaro.
simplesmente acordei, tomei meu café, fumei um cigarro pra escrever (mas não escrevi) e abri a porta de leve, bem devagar, pra não fazer o barulho de quem futuca o passado.
não arranhei o corpo quando coloquei o pé na rua, mas deixei as digitais para trás, um pouco da pele arrepiada e até mesmo um pedaço de chocolate na geladeira.
se me perguntarem, não sei. não sei como aqueles poemas que vêm na cabeça e simplesmente nascem sozinhos, sem precisar de alguém que os dê à luz. só vou andando, pulando pedrinhas, mergulhando nas esquinas solitárias e nos becos sem saída.
na partitura que desenhei, ainda não toquei as notas, mas suspirei tantos silêncios que a melodia me agradece com mãos dadas e uma corda bamba pra eu seguir em frente.
mundo,
queria te salvar da dor, 
do desespero e da encruzilhada.

a tv e minha rua
não podem ser desligadas
nem a lágrima nos olhos da favela.

o cachorro late
sem saber dos tiros
a roda gigante gira
sem sonhar com a queda

e a vida continua
a morrer um pouco,
nessa estrada que não é minha
nem tua.
te disse que ia embora
e apenas fui.
não com as ondas ou com o vento,
deixei até o sereno cair.

furei o pneu da bicicleta 
não escancarei a janela do quarto
nem esvaziei por inteiro o mar.

andei devagar e lento
como quem foge em segredo
não larguei a sapatilha para trás.

se me perguntarem
digo que nem sei
deixo pra contar depois
que os caminhos ainda não apareceram.

quinta-feira, março 20, 2014

o dia vem
esquece da noite
porque o amor
o abraço e a vida
não combinam com a escuridão.

me disse no quarto sonâmbulo
as dores insossas
e inventadas de outrora.
fingiu, sem ser poeta,
uma lágrima fugidia.

não deu certo.
e como daria?
se a poesia é água-viva
dá choque, queima, arranha.
assassina.

cravou não a pequena morte,
mas um grande abismo
sem toque e sem rima
fugiu sem ser fugitivo
dos versos sendo criados
mas jamais escritos.