terça-feira, março 25, 2014

vem cá, 
me dá um beijo
deixa nascer um pássaro do abraço
que não cante saudade nem lamento
que toque os lábios nas flores a nascer.

deixa pra depois o não dito
o poema desfeito
e o jantar sem vinho, vela e violão.

acorda do esquecimento o retrato
paisagem de mãos dadas
rio caudaloso de palavras
e viagens sem fim.

vamos dar uma volta na música
cantar o sorriso nascente
criança de mundo novo
experiente nas incertezas do que vem.

reescrevendo o poema

fui embora de mansinho, para que as lembranças não ficassem penduradas nos cabides nem nas maçanetas. não escancarei a janela da sala, não pulei o muro que me prendia nem me fiz pássaro.
simplesmente acordei, tomei meu café, fumei um cigarro pra escrever (mas não escrevi) e abri a porta de leve, bem devagar, pra não fazer o barulho de quem futuca o passado.
não arranhei o corpo quando coloquei o pé na rua, mas deixei as digitais para trás, um pouco da pele arrepiada e até mesmo um pedaço de chocolate na geladeira.
se me perguntarem, não sei. não sei como aqueles poemas que vêm na cabeça e simplesmente nascem sozinhos, sem precisar de alguém que os dê à luz. só vou andando, pulando pedrinhas, mergulhando nas esquinas solitárias e nos becos sem saída.
na partitura que desenhei, ainda não toquei as notas, mas suspirei tantos silêncios que a melodia me agradece com mãos dadas e uma corda bamba pra eu seguir em frente.
mundo,
queria te salvar da dor, 
do desespero e da encruzilhada.

a tv e minha rua
não podem ser desligadas
nem a lágrima nos olhos da favela.

o cachorro late
sem saber dos tiros
a roda gigante gira
sem sonhar com a queda

e a vida continua
a morrer um pouco,
nessa estrada que não é minha
nem tua.
te disse que ia embora
e apenas fui.
não com as ondas ou com o vento,
deixei até o sereno cair.

furei o pneu da bicicleta 
não escancarei a janela do quarto
nem esvaziei por inteiro o mar.

andei devagar e lento
como quem foge em segredo
não larguei a sapatilha para trás.

se me perguntarem
digo que nem sei
deixo pra contar depois
que os caminhos ainda não apareceram.

quinta-feira, março 20, 2014

o dia vem
esquece da noite
porque o amor
o abraço e a vida
não combinam com a escuridão.

me disse no quarto sonâmbulo
as dores insossas
e inventadas de outrora.
fingiu, sem ser poeta,
uma lágrima fugidia.

não deu certo.
e como daria?
se a poesia é água-viva
dá choque, queima, arranha.
assassina.

cravou não a pequena morte,
mas um grande abismo
sem toque e sem rima
fugiu sem ser fugitivo
dos versos sendo criados
mas jamais escritos.

para Lygia

hoje o amor foi embora,
porque amanhã é dia de luta
pela dor, pelo sorriso, pelo bom dia esquecido.

hoje ele carregou meu óculos de sol,
e já não enxergo teus pés chegando de leve no quarto
nem a borboleta pousando na fotografia.

deixou nem carta ou aviso
nem entrada de cinema pra distrair o coração.
foi embora, assim, com as preces
e meus segredos de menina selados.

mas beijou o espelho de vermelho
e gravou as digitais pelo armário.
sinto cheiro da terra remexida
do jardim ainda cheio do ano passado.

pegou o primeiro trem
e jogou um lenço pela janela
lencinho branco, de dar adeus.
soprei pra longe,
por aí pelos trilhos desordenados

domingo, março 16, 2014

por todos los cambios

por todos los cantos
hay el cambio de tu memoria
flor que se desarrolla en mí cuerpo
jardín solo de muchas idas y vueltas.

danza silenciosa en nuestro patio trasero
la flauta sopla la estrella que ya se fue
dame la mano y suelta la vida
queda del tiempo fiestero.

cambia tu, cambio yo
que la rueda no para
ni para hablar ni para huir
en la ciranda que se despiertó.
ai, poesia
encanto da partida
lembrança do presente
canto sem demora.

pássaro de cor indecisa
pés de frida kahlo 
e prato de toda a gente. 

me diz pra onde é a viagem
bolívia, chile ou méxico
aonde vou pra te amar melhor.

te quero rebelde
amante e ladra
do meu esconderijo
pr'eu te fazer uma serenata.

vem cá,
me dá um abraço
ou um soco na cara
quero só o toque furioso
do teu cheiro de jasmin.
homenagem a Ali Moustafa.

morreu na revolução
nos caminhões de sangue e abraço
levantou tantas vezes de braço dado
com o camarada irmão.

esqueceu as fotografias na parede
a catarse e o dinheiro no fim do mês
pegou a calibre 21 
e foi com o povo matar a sede.

sede de liberdade
de abrir a janela e beijar o mundo
de amar sem medo de ser preso
que a vida não fique só na vontade.

lutador de cada passado e presente
morreu companheiro
que carrega nas mão o futuro
o meu, o teu e de toda a gente.

terça-feira, março 11, 2014

se tivesse nascido rica,
não teria tomado açaí no verão
nem andado feliz de bicicleta
pelas ruas de marechal.

também não teria o sorriso do sol nascente
e as mãos dadas do povo no fim do dia
- nós de marinheiro na embarcação da vida.

cerveja no bar do seu zé,
histórias de mil facetas no calor do trem,
até o trabalho e a igreja cansada no domingo de manhã.

ainda bem que nasci filha de latão,
que ouro é bonito e deixa cego,
mas de nada importa
quando se liberta o pássaro da mão.
não sou das que viajam para londres,
mas para a babilônia
terra dos quintais filhos do céu
e mar em cada esquina.

cantei na estrada o sonho de nascer livre
filha de corpo nu e tatuado de vida
lá o cheiro é de canela
e a música é um pouco de cada um.
meu amor,
que ainda não chegou
quando chegar
me traga uma semente 
de laranjeira pra eu plantar

que quando nascer 
a rua vai ficar com cheiro de poesia
porque fruta que nasce
é vida nova que se cria.
ao nascer choramos iguais
mas com o tempo
choramos mais
- muito mais.

pelos medos, receios,
tapa e empurrão
mulher já nasce guerreira
puta, trans e sapatão.

da vida as dores
das dores o grito
às vezes calmo
outras lágrima e barraco
mas nunca calado

esse grito,
meio liberdade
meio vida e esperança
nos arranca pra rua
pois nosso lugar
só pode ser na luta.

sexta-feira, março 07, 2014

me contaram a vida é curta.
teu olhar é mais ainda.
é da cor da primavera
chegando e já indo embora
rodando pelas estações 
não cinema
nem música
é foto que não volta atrás.
te espero
ainda com o silêncio da madrugada
com o relógio desnorteado
e a bússola sem ponteiros.

te espero na avenida
os carros sem rumo,
viagem solitária e perdida
a partida que foi pra longe.

te espero andando
de bicicleta, de metrô e de trem
dando beijos nas paisagens
e abraços na vida que vou largando.

tu, que me guarda naquele dia,
jogou a minha espera no abismo.
na madrugada
(nada veloz)
tua voz passeia 
sonâmbula e distraída
pela cama
suando lembrança e silêncio.
vida, laranjeiras do pomar doce
carregadas de sabor de infância
cai da árvore madura
na cabeça da criança esperta
esta descobre 
não a gravidade, 
mas o desespero de não poder voar

sábado, março 01, 2014

sobre as lágrimas contidas

a vida tem dessas de ludibriar, de fazer labirinto, de esconder o rosto e não dar a cara a tapa, de jogar no deserto as mentiras. 
sem querer de repente o vidro se faz limpo e a rosa aflora, mesmo que a vontade seja a de correr, apesar dos saltos em pedras e montanhas, deixar cair o sentimento por uma cachoeira abaixo que ainda não foi inventada.
mas eu escrevo, eu desenho, eu tatuo na pele água violenta que grita liberdade, que quer ser mundo, e que daria todas suas gotas e sal pra não estar aqui agora.
porque o suicídio em serpentinas nasceu, mas o carnaval ficou mudo. os confetes caídos não foram recolhidos e nem a máscara que te toquei sorriu. não soltou das mãos a flauta, o balanço nem a arma que me calava.
presa na madrugada, preferi deixar o sono te embalar a acordar com o céu nublado dos teus olhos.
a pele cobre a explosão
os nervos seguram o grito
é de pólvora o que escrevo
e sinto?
tu vai
com esses sonhos na mão
acender as estrelas
dos olhares perdidos
cadentes caindo nos quintais vizinhos
invadindo casas e quartos
corações e poemas.

tu não volta
que a terra é redonda
mas tuas asas infinitas
voam pra onde querem
e não desenham caminhos.