segunda-feira, abril 28, 2014

queria viver de frente pro mar. que as ondas tocassem os pés sem arrastá-los, sem exigências de mergulhos profundos ou vida à deriva. apenas o silêncio do horizonte, a alma meio céu e meio água, o alcance da inundação e do voo calmo.
deitada na areia, o sol a pino no corpo cobre, os olhos cheios de maresia e viagem. é possível afagar esse instante, essa calmaria que precede a violência e abraçá-la como um amor que vai embora?
essa leveza que me domina
arranha o caos 
que luta dentro de mim.

entre uma confissão e outra
a doçura beija a raiva
e nasce a música
que canto em silêncio.

o corpo é um mundo em movimento
cheio de prazer e dor viva
que cisma em me empurrar por aí.
foda-se você
e seus óculos escuros
de garoto achando que é ator de cinema
ou poema de bukowski.

vai lavar essa cara 
fumar um cigarro
ler um livro longe de mim. 

que hoje a noite me disse
tá na hora de inventar outra prosa
pro coração nascer
e dormir em paz.
e se eu te disser
que vou embora do mundo
que vou ser raimundo
nas rimas de drummond?

e se eu te jurar 
que pego o barco agora
saio por aí sem rumo
sereia dos mares nunca d'antes navegados?

e se eu te escrever do atacama
com o desenho dos teus olhos
maquiados de sol e sede
e nas minhas mãos a poeira da saudade?

será que assim tu responde meu gesto?
cor de fúria e fuga
que não faz pergunta
mas pede a resposta.
alguma coisa tua ficou em mim
não sei se o beijo no cais
(porque está sempre indo embora)
ou a falta do adeus.
pode ter sido o olhar corriqueiro
a saudade que não existe
ou tua forma de me dizer
garota, talvez eu te veja amanhã
ou quem sabe nunca mais.

a vida é tão só desencontro
que quando os corpos se acham,
assim por achar
faz mal o toque ser uma viagem só de ida
pra lá de marrakesh
ou pra baixo dos lençóis.

deixa o céu chover
queimar a pele em dia de sol
até arder as conversas e o sorriso
esquece o amor e a paixão
mas foge
foge assim pra qualquer lugar comigo.
flor
que é flor
não tem que ter simetria
só ser flor
e morrer um dia.
assim como minhas unhas azuis descascam com o passar do outono, também sinto o peso das folhas caindo. não é prova de que o tempo ou a gravidade existem, mas de que meu corpo quer ser pintado de outras cores e de que as flores estão pedindo para nascer.

segunda-feira, abril 21, 2014

gabo

queria ter te conhecido
pra dizer que o cheiro das amêndoas
e da amargura
são filhos de sangue e suor
dessa américa latina cheia de cólera.

era pra ter vivido mais de cem anos.
podia ser na solidão
ou no campo cheio de pássaros.
(que a vida sempre vale mais)

e agora
que faço eu com os livros interminados
com esse medo de concluir que o amor é um demônio
maior que minha insônia,
eterno derrotado da morte?

da ausência

da faca nasceram as palavras
distantes como o horizonte
ausentes como um olhar nublado.

na casa o adeus nunca dito
fica a boca sem mexer o músculo
mão fechada na mesa de jantar.

não adianta correr
pra pasárgada que não existe
mas aqui também o sabiá não canta.

o abraço sem lembrança
as roupas nunca escolhidas
pegadas sem rastro de passos.

se um dia for embora
é como se nunca tivesse ido
pois para ir
é preciso em tempo antes ter nascido.

domingo, abril 13, 2014

tu me lembra olhar de soslaio
cheiro de café e cigarro
e esgar de lábios inconstante.

ainda não sei teu sobrenome
mas já te abri das mãos um poema
um pouco rápido e tímido
com gosto de conversa incompleta.

se um dia o corpo esbarrar no teu
juro que te conto um segredo
e te mostro um filme
desses de desconhecidos
que às vezes fica empoeirado no instante.
te escrevo, música
pois fui tomada por ti
em goles de grogue e gim
em canções de cabo verde e portugal.

te escrevo, música
porque não sei cantar
como tu me encantas
porque as palavras também são
canto em silêncio.

te escrevo
e não há corpo no mundo
nem sonho no continente
que mereça esquecer tua voz.
o pescoço é o tronco
o cabelo, as folhas
teus olhos são canto de flores a nascer.

na terra, a raiz da memória
campo fértil do dizer
o que é o fruto,
senão tua boca?
- gosto de poesia fresca.

segunda-feira, abril 07, 2014

sinto o teu respirar lento
acalanto de amores passados
peso de uma vida apostando corrida
esquecimento de um longo abraço.

inspiração insegura
não cheira o canto 
poesia de mão dupla
recorte dos olhares que não se encontram.

mãos trêmulas às vezes se conhecem
num mundo longínquo pra onde viajam
corpos ainda dançam sozinhos
e permanece o silêncio da manhã pingando a suor.
me aconteceu uma dor
e eu não sabia
se era choro
se era grito
se era noite
ou se era dia.

veio em mim silenciosa
a lâmina no sexo
as mãos na boca
não houve abraço
beijo minguado
apenas um soco na pele oca.

estirada na rua
vi um pássaro voar
mas não em vão.
carregava uma lágrima que dizia
- hoje ele passou
mas amanhã não passarão.