segunda-feira, dezembro 28, 2015

à espera

de um milagre?
de um trovão
de um tombo
de um grito no escuro
de qualquer coisa que nasça da espera o agora.
não escolho o dia pra morrer.
tampouco a hora de acabar meu cigarro.
desconcentrada, o peso do ar em meu pulmão.
pensei na janela, na ponte e no décimo andar.
na faca da cozinha, na tesoura em minha gaveta.
os remédio infinitos, o travesseiro em meu pescoço.
despensei o telefone, a caixa de e-mail,
teu abraço que já não significa nada
quando não despenso.
e aí, que digitais deixo
como um crime imperfeito
que larga a memória como prova?
não sei se parto
cada folha que há em mim
às vezes árvore
às vezes rabisco
não sei
não sei se parto
e nunca olho para trás
com os olhos caídos e também partidos
não sei se parto
e nasço novamente
e renasço
depois de voltar.

corda-bamba

te pedi a mão
me mandou um beijo:
de longe um sopro
de perto um susto
quando eu cair,
vai chorar
ou aplaudir?
como estão silenciosas minhas mãos
e os olhos em profundo afogamento.
é de escuridão esta falta?,
esta casa sem chão,
um lamento, um pedido de socorro, uma lata vazia.
como ainda não descobri meu corpo?
é que morro de frio,
preciso me esconder sob os retalhos de vidro,
cantar baixinho um grito sem significado.
pedra atrás de pedra,
os lábios um muro calado
mastigando a dureza de se estar vivo

quarta-feira, outubro 28, 2015

há uma flor na beira do abismo
(não é a mesma do asfalto)
esfinge de pétalas passageiras
esperando o pulo ou o abraço.
sou o choro desesperado
nas noites mal dormidas
de um amor inacabado.
sou aquela angústia que plana 
voa pelo corpo calado
e aterriza na solidão da cama.
queria do beijo o retrato
que a memória me chama
pois este presente jamais acato.
há dias em que precisamos ir embora
levar conosco as flores do vaso
e plantá-las na terra.
deixar na pia do banheiro as lágrimas pingando,
pingando a solidão
que a inundação venha pela estrada
que me carregue pruma noite cheia de abraços.
confesso que há dias em que preciso andar
o rumo incerto, a arma certeira
as mãos vazias de mim mesma
arrancando sementes e raízes dos jardins recém-nascidos
há dias em que se batem portas
e o estrondo jamais será o silêncio de antes...
no fundo, a harmonia do que poderia ter sido.
há dias já não te reconheço mais.
posso soprar uma pena?
leve o medo pra outro tempo
voa com o compasso incerto
acerta meu corpo num canto torto
posso receber uma pena?
presa, mas ainda viva
grade, mas ainda sol
louca, mas ainda...
posso escrever uma pena?
nas lágrimas a matéria
nos dedos a procura
nessa pena a saída.

terça-feira, agosto 25, 2015

esqueci como se escreve um poema

antes tivessem me assaltado as palavras, que o esquecimento é o pior jardim para se nascer.
aliás, não nasce: vira túmulo na lama, com raízes secas e flores já cansadas.
queria tê-lo achado no bolso, mas vai ver estava furado, e ele foi por aí se apagando pelas estradas.
sei lá, esqueci. não julguem minha mente de senhora.
sempre achei a velhice um charme - essa história de se fazer poesia do nada.

spring waltz

there are flowers everywhere
e cores girando em marcha ré.
my body is a piece of lark
desritmado, seguindo a tarde.
the piano whispers me the wind
o poema desentardece, esfinge!
flowers, body, piano,
floresço, escrevendo...
o córrego não corre mais,
nem carrega minha dor.
pediu licença pra ser água-viva,
transformar peixes em pássaros,
libélulas em borboletas
água em tinta.
onde vou agora depositar as lágrimas?
que dava ao choro tempo pra existir e ir embora,
(subterfúgio de ser um pouquinho de mar.)
vou guardar tudo num jardim
fazer delas um ou dois orvalhos
quem sabe assim nasça uma flor...
dorme em meu ombro teu assombro.
deixa cair dos cabelos o susto do segundo.
é em cada respiração a incerteza,
em cada carícia a saída para, ainda, lugar nenhum.
se há no abraço o silêncio,
há no adeus apenas a sugestão.
ficaram também rastros,
que não há pegadas sobreviventes à arte da memória,
nem gosto que permaneça fresco.
o gesto é somente o inverso
a intenção não é o poema,
mas talvez a chave de alguma invenção.

amor é

não se tem, que é maior que nós.
passa pelo abraço e pelas bocas
e vai ser oceano no mundo
- cheio de lágrimas e estrelas.
não se sente, que é eletricidade
se energiza e colhe raios
caindo às vezes em lugar escondido e inabitado
iluminando cidades e apagando casas
(que no escurinho também é bom).
às vezes também não é,
mas dá sempre pra ser
só conjugar o amor direitinho
que ele chega pra tomar um café.

domingo, julho 12, 2015

deixe a luz acesa.
é pela sombra do não-dito que me movo.
é pelas nuances do segredo que respiro.
há nessa luz que me desenha um quê de escuridão.
há lágrimas caudalando o quarto
e um compasso desesperado incomodando o sono.
minha solidão é nua como os quadros na parede.
vejo-a iluminada, pingando do teto em meu corpo frágil.
esse deserto por onde vago é feito de cama, tempo e ilusão.
sim, deixe a luz avessa...
tomei uma pílula pra dormir:
não há estrelas em minhas pálpebras
nem ventania pra me embalar o sono.
saí sonâmbula por aí
viajando em trens abertos
rabiscando mundos em meus braços
- alcancei as estrelas que me faltavam.
na bula uma palavra pequena
que não adormece, mas sonha
não é segredo, mas não te conto:
só descobre quem toma.
queria escrever flores
deitada no banco do jardim
cavar raízes no tempo
esperar em um cochilo a primavera.
bebo um copo d'água
ou será de universo?
não, é a flor que me toma
em sua boca, em seu caule, em sua morada.
há horas desenho enigmas
e apago, como se fosse deus
jorrando milagres imperfeitos na terra
dando à luz botões inocentes.
minhas mãos são pétalas que morrem.
há um segredo no corpo do mundo
não é só o vento que me anoitece
nem o andar pela madrugada
tampouco o mar que me abraça
talvez teus olhos
no sol amante e aprendiz
sejam esse silêncio
que me finge o que nunca quis
será mesmo que hoje é dia
desses que vagam por nós
(achei que era outro)
quando escuto, não minha
mas tua voz.
descobri que não tenho nada
fernando tinha sonhos
(apesar de tudo)
não tenho nem um sonho de padaria.
e como poderia querer alguma coisa?
se meu caminho é sem migalhas de volta
sem tijolos amarelos
sem pedras no meio e sem palmeiras no fim.
ai que cansaço que tenho
da aurora da minha vida
que nunca foi muito aurora
e agora já é passageira noturna
dessas que vai de vagão em vagão
vendendo alguma esperança
porque falta dinheiro pra comprar aquele sonho naquela padaria.
nunca gostei muito desses doces assim, não
preferia ficar sentada no meio-fio
vendo todo mundo passar
que nem passa roupa, que nem passarela
mas eu ali,
amarrotada, sem passar,
fiquei apenas com o ela.

quinta-feira, junho 04, 2015

a gente procura, escava nas palavras a saída para nossa solidão.  as dores (a do poeta, a do que se cria, a do que se recria e a que tenho) até se misturam, mas nunca se encostam. 
sinto nas palavras átomos milhares que juntos formam imagens, luzes, desenhos que parecem ser uma unidade completa, interligada. na verdade, é uma distância infinita e inimaginável que existe entre cada um deles, entre cada ponto do universo. 
e é nesse espaço subreptício que vive a solidão.
em cada morte, uma esquina
muros descascando o amor, a felicidade
tudo é pó na rua por onde voo
brilhos que um dia foram estrelas
hoje só lágrimas, suor do mundo.
em cada esquina, uma saída
fui desmaiando pelo caminho
abrindo portas, quebrando janelas
arrastando meus milhares de olhares
sem foco, incertos no que vem.
em cada não, um adeus
abraços partidos, risada escondida
é a vida um até logo?
de mãos dadas com o vento,
sou semente,
soprada, cadente, esperando florescer.
há uma vida em minha insônia
às vezes dorme, perdida entre as pálpebras
ardente de sonhos, de saltos na imensidão
nada sabe das sombras que me habitam.
escorrega do mundo pra cama
pede silêncio no meio do show
água! mas é tanto whisky...
percorre meu corpo sonâmbula
a carne viva que ilumina as paredes
quer calmaria, paz, escuridão
te dou um par de olhos incansáveis
vermelhos, velhos, sedentos
piscando universos,
cerrados somente no fim.
guardo em mim sei lá quantos silêncios
um esquecimento do ontem precoce
uma angústia que não é bem minha
mas do que me controla
que pede viagem
sereno e solidão
será que é fuga ou coragem?
essa mania de ir embora
quando a noite chama
incendiando o adeus...

terça-feira, maio 05, 2015

segunda-feira
por mais que eu queira
não é primeira nem segunda nem última
é ausência
memória
bocejo
enquanto a vida permitir.
a poesia é um navio que pousa,
através do vento, corriqueiro,
no mar, caudaloso:
as duas facetas do tempo.
que sangue é esse que há em todas as coisas?
que às vezes coagula fingindo dor e angústia
em outras é vinho e gargalhadas no salão.
escorre, caudaloso, buscando estradas, imitando rios, fazendo embarcar e descobrir peixes cegos e passos incertos
canta também sobre o corpo que dele precisa
sobre o amor que dele flui.
e vai sendo lava faminta, apressando os rumos do dia
enquanto corremos em sua direção acorrentados.

ciranda, para Carinne Lira

queria passear pelo mundo
mas não tinha dinheiro nem asas nem balão
fiquei sentadinha
assistindo ao futebol de rua
passando as mãos pelo céu e rindo sozinha.

caiu chuva, maresia e trovão
não tinha nem guarda-chuva
virei um pouquinho de mar, de rio
guardei no bolso a viagem prometida.

outro dia, sem barulho e aviso
chegou um postal de longe
era o rascunho e fotografia
do meu corpo dançando em outro continente.
há um momento, dentro de todas as coisas, que você começa a vernuances. nuances coloridas, nuances black and white, nuancesnuances nuances. 
chances nuas de acariciar o tempo, de beijar lentamente esse segundo que te penteia e massageia as mãos. 
é como um pássaro que descobriu não o voo, mas a capacidade de sonhar.

sim, me mato um pouquinho todos os dias
que não sou de morrer de uma vez
preparo os caminhos
desenho rastros
aproveito cada silêncio precioso
cada pedra que sempre diz algo.
amanhã é tão longe
mas já chegou
me deu bom dia
me fez promessa de amor
e eu, que sempre acreditei em tudo,
pedi uma fotografia
pra levar comigo na tempestade.
fui é parar no deserto
largando pra trás as lágrimas
que não são permitidas na seca
na alegria que é ainda estar vivo
quando olhei pro céu, chovia
eram meus olhos que me olhavam
e pediam pra eu tomar aquelas lágrimas
como vinho em noites de núpcias.
depois da viagem, o mar
cheio de qualquer coisa
lembrei que era hora de ir
de lançar na água mais uma parte de mim
o mergulho inebriante feito de fim e começo.
amor não é lua e estrelas
é sol.
queima o mundo
nasce morre e renasce
e quando vem a noite
é pra deitar o coração no ombro
e sonhar que amanhã é dia de dar à luz.

domingo, abril 19, 2015

beijo na sacada

multidão de muitas cores
carregando os sonhos do mundo
na calada da vida
corpos encostando em alguns passados.
no segundo andar do coração
um misto de calma e guerra
era o beijo trocado em segredo
meio diário, mas também plateia.
o poeta descansa os dedos
que aquela foto é maior que um poema
um momento de fósforo
acendendo qualquer coisa na escuridão.
esse outono meio rastro de sono
carrega nas folhas a queda do passado.
vaga pelas ruas mornas
entornando segredos e achados.

sonâmbulo me encanta
com os olhos de lua minguante
cheio de ideias pela metade
me nega o almoço, me paga a janta.

coberto de poeira dourada
lança no quintal o sonho cheio de lama
me aguarda no portão
e de manhã vai embora
sorrateiro, só pela calçada.

inscrição

não conheço tela,
meu corpo é um quadro rasgado
arremessado de algum prédio
janela cúmplice
os olhos reféns.
o que cai é um pouquinho de nós
sem suicídio nem assassinato
- o caminho é o voo que importa.
te deixei escrito pelo muro
uma poesia meio capenga
que só pensa no depois.
pelos ares é um misto de cabelos
areia e sal nos braços que flutuam
inscrição em mim de sétimo andar e de chão.

das horas tortas

pensei em guardar um segundo
como quem abraça o primeiro amor
só não sabia que cada segundo
e cada amor
teimam em grudar na pele
como esses ponteiros no relógio da cozinha
que às vezes funciona
outras para
achando que manda no tempo.
deixa eu te contar outro segredo: entreguei ao mundo minhas mãos entreabertas, guardiães da minha solidão, estrelas de um corpo cadente e ainda descaminhado.
te pedi pra apertá-las, pra gravar nas linhas um desenho ainda perdido, mas cheio de tons e respirar. que olhei pra elas e vi teu destino, meio terra e meio raio, daqueles que nascem no meio da tempestade e no cheiro de mato molhado.
caíram anéis pelo caminho: completamente nua, aguardei o toque do mundo, divórcio do ontem e ardência de um quê recém-nascido.

segunda-feira, abril 06, 2015

subterfúgio

bebo porque o instante existe
e minha vida é incompleta 
muito alegre e muito triste:
não sou poeta.
entre o nascer de nossos corpos e o pôr do sol, há milhares de tintas e universos em construção. 
de repente é o pincel que desliza pelo silêncio do que ainda está por vir.
é a pela nua esperando uma invenção, é o toque que mais acorda do que cria. 
quando a noite vem, joga-se a chave no infinito, e outro dia abrimos o que nos move novamente.

âncora

queria ser navegante,
ser vento corrente
gotas milhares de saudade
fui ser logo embarcação quebrada
dessas que param no meio do caminho
sem bússola
sem sol, sem lua
- velada.
sentada de costas pro horizonte,
nua de abraço e tempestade
cabelos tragados pro fundo
onde não há mais casa
calada,
caí nesse mar imenso,
imundo
que me deixou pra sempre selada
meio triste
meio cansada
meio amarga.
esqueci que comi
metade da laranja.
a que sobrou é assim
cheia de si
à espera dos dentes.
mentira!
prometeu ir embora
por aí
que nem carlos:
- ser bagaço na vida.
nasci no topo de uma muralha.
às vezes era rapunzel fugitiva
outras astrônoma do caos.
sempre deixei o dilúvio ser meu caminho
truque de sereia solitária
dona nem do céu nem do mundo.
podia ser ismália,
podia ser trampolim.
fui ser logo prisioneira
desses mesmos passos
distante, mas perto do fim.

terça-feira, março 03, 2015

meu amor

é de vento esse chamado
último eco de pedido
mar que destrói a pedra
ah, mas já é tanta areia...
é carta extraviada
com endereço já falido
mas cheia de palavras
"você" "nós" e "nó"
o álbum está vazio
que a memória é fugitiva
dos sete mares navegante
aindassim, nunca esquece seu cais.
quero chorar. há como ser mais sincera? preciso me confessar ao mundo para que você me escute? não há nada que, como flor, não deixe para trás perfume e pétalas, e para o que vem apenas esse rastro tão doce e passageiro.
posso ter um dia para chorar? e que não me impeçam, que eu narre em duas mil palavras e tantos versos o inevitável, que não deixa de ser doloroso e incrédulo.
nessa noite de fim de mês, de fim de verão, de fim!, eu guardo para outra vida o que te prometi.

diálogo

- vera, será possível que estava cega? que não vi, em momentos tão dolorosos, o que estava por trás de um sorriso falso, de um piscar de olhos inconstantes? que não se pode abraçar o mundo, mas talvez apenas sete pessoas em toda a vida?

- acácia, há momentos em que precisamos contemplar. sentar-se numa praça, os braços tranquilos, os pés balançantes como os sentimentos, o olhar perscrutando o passeio dos jovens namorados, das crianças correndo em busca de cada segundo novo. deixar as lágrimas virem, que a dor é isso: um conjunto de oceanos caindo em nosso corpo, com o peso das horas passadas e das palavras não ditas. é preciso ter raiva, mas deixar que ela vá embora junto com esse dia que demora a passar e aceitar que talvez em alguns meses ela volte com outra forma que já não ela mesma.

- mas o que faço com essas cartas, com as marcas nos móveis? os lábios que ainda não saíram dos copos e os pés que estão como defuntos na soleira de minha porta!

- rasgue as cartas, quebre todos os copos e taque fogo nessa casa, que agora já não é morada de ninguém, mas uma assombração viva, que precisa ser enterrada. incendeie tudo junto com seus cabelos que carregam sílabas tão soluçantes, pedidos que já se tornaram ordens e depois jogue as cinzas num mar escuro, para que se percam e nunca se atrevam a voltar.

- e como vou viver?

- nem que seja uma sonâmbula que vague perdida pelas ruas, nas estradas como fantasma, errante até encontrar um caminho, porque mais vale ele que a chegada até a próxima morada. e quando enfim encontrá-la, sente, descanse, e chore baixinho a pequena e angustiante felicidade que já nasceu nos trilhos.


quarta-feira, janeiro 28, 2015

sonâmbula,
rainha da estrada,
percorro trilhos e túneis
- minha morada.
adormecida em segredo
a mente é tigre
sangrento, furioso,
trancafiado
mas livre!
calibre infinito
é caça todo dia
meu rastro é rascunho
fuga que o caminho guia.
como o tempo passa!
queria eu comer o tempo
mas não gosto de passa
gosto de pássaro
e de passar o tempo
te vendo passear
sem pressa, no vento.
do céu caem lágrimas ou briga
olhar e tempestade
quem sabe até uma canção.
hoje voou uma folha
não havia doce nem retrato
era simples
e cheia de linhas
parecia uma...
não!
consigo vinha um lenço
caderninho dourado
e uma solitária luneta.
agora enxugue a solidão
reacenda o apagado
e reescreva as linhas da mão.