domingo, abril 19, 2015

beijo na sacada

multidão de muitas cores
carregando os sonhos do mundo
na calada da vida
corpos encostando em alguns passados.
no segundo andar do coração
um misto de calma e guerra
era o beijo trocado em segredo
meio diário, mas também plateia.
o poeta descansa os dedos
que aquela foto é maior que um poema
um momento de fósforo
acendendo qualquer coisa na escuridão.
esse outono meio rastro de sono
carrega nas folhas a queda do passado.
vaga pelas ruas mornas
entornando segredos e achados.

sonâmbulo me encanta
com os olhos de lua minguante
cheio de ideias pela metade
me nega o almoço, me paga a janta.

coberto de poeira dourada
lança no quintal o sonho cheio de lama
me aguarda no portão
e de manhã vai embora
sorrateiro, só pela calçada.

inscrição

não conheço tela,
meu corpo é um quadro rasgado
arremessado de algum prédio
janela cúmplice
os olhos reféns.
o que cai é um pouquinho de nós
sem suicídio nem assassinato
- o caminho é o voo que importa.
te deixei escrito pelo muro
uma poesia meio capenga
que só pensa no depois.
pelos ares é um misto de cabelos
areia e sal nos braços que flutuam
inscrição em mim de sétimo andar e de chão.

das horas tortas

pensei em guardar um segundo
como quem abraça o primeiro amor
só não sabia que cada segundo
e cada amor
teimam em grudar na pele
como esses ponteiros no relógio da cozinha
que às vezes funciona
outras para
achando que manda no tempo.
deixa eu te contar outro segredo: entreguei ao mundo minhas mãos entreabertas, guardiães da minha solidão, estrelas de um corpo cadente e ainda descaminhado.
te pedi pra apertá-las, pra gravar nas linhas um desenho ainda perdido, mas cheio de tons e respirar. que olhei pra elas e vi teu destino, meio terra e meio raio, daqueles que nascem no meio da tempestade e no cheiro de mato molhado.
caíram anéis pelo caminho: completamente nua, aguardei o toque do mundo, divórcio do ontem e ardência de um quê recém-nascido.

segunda-feira, abril 06, 2015

subterfúgio

bebo porque o instante existe
e minha vida é incompleta 
muito alegre e muito triste:
não sou poeta.
entre o nascer de nossos corpos e o pôr do sol, há milhares de tintas e universos em construção. 
de repente é o pincel que desliza pelo silêncio do que ainda está por vir.
é a pela nua esperando uma invenção, é o toque que mais acorda do que cria. 
quando a noite vem, joga-se a chave no infinito, e outro dia abrimos o que nos move novamente.

âncora

queria ser navegante,
ser vento corrente
gotas milhares de saudade
fui ser logo embarcação quebrada
dessas que param no meio do caminho
sem bússola
sem sol, sem lua
- velada.
sentada de costas pro horizonte,
nua de abraço e tempestade
cabelos tragados pro fundo
onde não há mais casa
calada,
caí nesse mar imenso,
imundo
que me deixou pra sempre selada
meio triste
meio cansada
meio amarga.
esqueci que comi
metade da laranja.
a que sobrou é assim
cheia de si
à espera dos dentes.
mentira!
prometeu ir embora
por aí
que nem carlos:
- ser bagaço na vida.
nasci no topo de uma muralha.
às vezes era rapunzel fugitiva
outras astrônoma do caos.
sempre deixei o dilúvio ser meu caminho
truque de sereia solitária
dona nem do céu nem do mundo.
podia ser ismália,
podia ser trampolim.
fui ser logo prisioneira
desses mesmos passos
distante, mas perto do fim.