terça-feira, agosto 23, 2016

sentada com os pés balançando no abismo,
observando profundamente esse salto,
onde não há pássaro
nem sementes no vento
tampouco uma pétala que voa
me pergunto onde está meu all star vermelho.
estou descalça,
cansada sem um pingo de suor
por que estar estático cansa?
a verdade está aqui, nas minhas mãos pequenas
mas não sou vidente nem adivinha.
sou apenas uma pessoa sentada com os pés balançando no abismo
esperando que alguma coisa me responda
além dos ecos desse grito
que, silencioso, me abraça.
um silêncio duradouro, meu acompanhante insone
parceiro da surdez e da cegueira que sempre tive.
e o que mais sempre tive,
além desse corpo que treme, que se arrepia
e alguns passos que me trouxeram aqui?
tanto caminho pra seguir,
fui escolher logo a rua dos cacos de vidro
cheguei nesse chão,
os pés sangrando,
o mundo girando,
a roda viva.
amanhece
o dia
o sol
o frio
a flor
a ave
a dor.
e eu
aqui
sem
amar
ou crer
sou.
que só
a
noite
ser.
olho para o lado e já não tenho flores.
não é tempo de primavera.
talvez outono, porque venta
tentada nesta janela
mirando o imenso chão em que jaz uma formiga
liberta de qualquer pensamento vão.
trabalha, ao som de meus lamentos
sou quase uma cigarra desafinada
contando as folhas que caem em seu lar
- o mundo. há sempre uma casa para ir.
saudade de cheirar jasmins.
quando volta a primavera?
quando voltar minha infância
livre de beijos, de choros na madrugada.
que lugar é esse, onde agora estou sentada?
é a preparação para o suicídio?
(ao menos assim terei flores)
ou a espera de coisa nenhuma?
assim tão louca, tão incrédula,
o que será que essa formiga vai pensar de mim?
ai vida, ah!, e essa mania de ser sopro
de ser vento, de querer mandar um beijo pelo ar
sai por aí voando, tal pássaro,
às vezes semente, caindo em qualquer lugar.
queria te colocar num bauzinho
cavar fundo na terra e fazer tu virar raiz.
mas não, tu cresce, me despenteia os cabelos
não mudo, que não sou planta, talvez uma flor de liz...
e esses incontáveis poemas que fiz pra tu
com cor de almíscar, cheiro de benjoim
vai, cicatriza meu corpo pequeno e frágil
vai, me joga, me enterra, me renasce em nosso jardim.
te quero como um amanhecer que nunca vem
ou que se vem, nasce escondido
por trás das nuvens nublando o caminho
e os pensamentos sempre na marcha ré.
te quero um pouquinho
e é uma grande mentira
quero teu corpo inteiro
e os sussurros na madrugada só nossa.
um cigarro demorado e a bebida latente
das frases descontroladas
do beijo fugitivo
te quero, sei lá,
esse hálito do que poderia ser.
a vida
ela foi dar um mergulho no mar
mas no meio do caminho
havia uma pedra
a vida
ela tropeçou, pulou
e caiu no azul cheio de peixes
turbulências e idas e voltas.
navegar é preciso,
mas não o mar,
é melhor viajar de avião,
do que naufragar assim,
já tão longe,
sozinha e sem explicação.
gosto da madrugada. é o meu momento silencioso de escavar, como quem procura um baú desesperadamente, por palavras que me façam respirar em paz. 
preciso de alguns versos que compreendam o pássaro azul dentro do meu peito. que afaguem a tristeza, que me deem um dia para chorar. mente quem diz dar a mão à solidão e dançar com ela, mesmo um tango argentino. a verdade é que ela, sorrateira, te apunhala pelas costas. ou melhor, te dá a arma e mostra tua cabeça. 
conforme o dia vai amanhecendo, percebo que cavei um buraco imenso, quase um abismo. e não há nada ali dentro. 
o que me resta é enterrar as palavras que eu mesma crio e morrer soterrada. 
ah, madrugada, tu é meu túmulo e minha ressurreição.
em noites como essa,
a madrugada apontando uma arma pro teu peito,
o relógio na parede te dando avisos
ameaças, como uma casa que que transpira e te sufoca,
sim, em noites como essa,
eu já não sei como é rezar,
já não consigo lembrar onde deixei os sapatos
e os pés descalços me trazem de volta
pro chão duro, frio e amargo onde estou agora.
em noites como essa,
casei-me com as ruas desertas,
o silêncio é o único grito que me acorda
essa insônia que parece falar comigo
é surda e cega, como os passos que dou ao tentar a sorte
de tatear no escuro algo que me salve.
em noites como essa,
não tenho palavras.
tenho talvez um eco que se esconde...
(o abismo nunca pode ser tão óbvio)