domingo, setembro 24, 2017

sei que sou
mulher
quando logo de manhã
em vez de cantarem pássaros
de gritarem galos
de ainda ressoar a cigarra de ontem
é o psiu que escuto na rua deserta
ser mulher é isso:
uma rua sempre deserta
e todas as canções do mundo
em segundo plano
porque
afinal
quem tem tempo pra cantar enquanto corre?
tu às vezes me contesta, eu que me apego com muita força às inutilidades da vida, e com ar de quem é feliz, de quem respira tranquilamente, me diz: cabelo é célula morta, não dá pra tratar. 
eu fico de repente estática, se é possível estar mais do que já estou há dias sem conseguir levantar da cama. meu corpo levanta, máquina que é, e vai trabalhar, pagar as contas, mercado e louça. eu fico pra sempre deitada.
então o cabelo está morto. assim como nossas unhas. como a morte já é presente, como cuidamos da morte que há em nós! pra morrer basta estar vivo. o começo já tem em si o fim, eu entendo. não é que todos os dias, meses, cresce a morte em nós, e cortamos, pintamos, decoramos, até que ela renasce, renasce mais uma vez.
é claro que tenho mania de embelezar a morte. ela está aí para me lembrar de muitas coisas, e quanto mais bela mais fácil é amá-la. dá, sim, pra tratar do cabelo. tudo na vida não passa de uma questão de estética, até a morte - tão vaidosa.
come back
come back to me
remember the songs
the rain the smoke and
they will certainly be
by our side when we
arrive late like the storm.