domingo, agosto 05, 2018

será que as palavram usam
saia?
é possível passar batom
vermelho na palavra
sangue 
menstruação é coisa de poética?
como florear a linguagem
se ela é nua se ela é
pura está
contaminado o verso
de mim? de onde vem
a poesia vem da
dor vem da
venda do precipício
caímos vestidos no
ar caímos ou somos
empurrados na velocidade
impossível será que penso em
meu útero quando estou
caindo?
palavra bonita palavra
preciso rezar para que
venha preciso pensar
para que nasça?
infertilidade é o mesmo
que hiato?
te visto, poema, da matéria
do nada
ou sou uma tremenda atriz.
tentativa n° 1 de escrever um poema masculino
(o que quer que isso seja)
Outro dia caminhava
com um certo 
tédio certo
disco
arranhado a garganta
seca de asco
de fumar dois maços
incompletos
de chinelos porque odeio
sapatos pretos
sapatos apertados
porque busco a origem
de qualquer contato com
o chão pisado
contrastado com os
passos
não chovia por isso quase
descalço falando com os
pares palavras
in english
the sky is broken
não chove mais
posso caminhar
tranquilo e
só.
roubei uma palavra do dicionário:
alpendre.
precisava sentar na rede, tomar um café e olhar a calmaria.
sonhei que escrevia
que escrevia em meu diário
da sorte que não tinha
criava até um cenário
onde brincava de amarelinha
coisa que só lembra quem teve
um par de pés quebrados
não lamento da vida nada
apenas deixo de lado
algumas memórias insistentes
insistem tanto que queimam a folha
essa que inventei em meu sonho
para fugir da vida solta
como um pássaro em fuga
após descobrir o mundo
toda gaiola é suja
e todo sonho um poema
sem fundo.
meia palavra basta:
previne de bolha
e machucado profundo.
palavra inteira é perigosa:
veste o corpo todo
e não previne de nada.
não sei habitar 
silêncios
metralho a rua
a casa o quarto
a rede a cama
o canto a teia
de palavras não me
encanta não me
toca não me
diz ao pé do ouvido
acorda há sempre
um endereço no
silêncio há sempre
uma dor que se
aconchega
vou-me embora de qualquer
lugar nenhum
preciso me embarulhar me
confundir gritar rosnar
tiro certeiro nas im-
possibilidades da boca.
desastre seria, meu amor, se aquela casa construída de profundezas duríssimas fosse derrubada com uma gigantesca onda não prevista pela televisão. de repente a praia deserta tomaria corpo, ganharia vida, nasceu um monstro do notório nada, carregou consigo a doentia raiva dos corações partidos, a lágrima que vem pra dizer acorda, toma café, põe uma roupa e respira cheiro de qualquer coisa além do mofo dentro desta casa em ruínas.
isso seria um desastre. você sabe, não é? sua etimologia vem dos astros, do inadequado. nada como escrever um poema em prosa sobre as forças da natureza para justificar qualquer tragédia. escrever é justificar, é acalmar, é destruir. sou um demônio em fase de infância, passo a reconhecer lentamente minhas tiranias.
e uma delas é zombar do seu conceito de desastre. para mim isso é um milagre, uma dádiva. não houve onda, não houve deuses, não houve acaso. eu
eu fui até as raízes da morada e com minhas pequenas mãos arranquei a casa do chão e joguei-a pelos ares.
o nome disso é ato.
arrancar o véu da tristeza
devagar, devagar
consegue ler?
devagar
o que há para si
ver além da pele
eu não sei
embaixo de mim tem
muita coisa
esconderijo de ladra
fugida de crimes banais
estou triste
dizer é como dizer
milhares de vezes
milhares de formas
milhares de braços
agarrando minha nudez
arrancar o véu com destreza:
só há coragem depois
do erro.
louca, 
porque a
louça 
está pela meta de ou
porque dizem por
aí ou porque sou
quero e sim
louca
puta
danço com o demônio
nua no meio dos carros
é uma noite agitada no rio de janeiro. uns seres poderosos adoram me definir. sou anjo caído, debaixo de uma chuva de fogões. tempestade de casas caindo em casas reais e destruindo famílias.
meu signo de mulher vem de uma era antiquíssima
louca louca pouca
roupa onde está o sutiã
difícil a metáfora quando se está
puta
santa nunca fui
como ser santa
prefiro comer a
santa do pau
oco
oco porque
peco
oco porque
vivo
porque quebro a
louça
só não me quebram sou
louca:
sim.
não foi corte pela raiz foi
pela saia
desfiado o arrependimento
abertura da terra ou
você sabe 
que faço com uma batata
fora da plantação?
comê-la, de qualquer
forma, em qualquer
hora, em baixo do
pano
há o possível o tangível
o tocável
todo corte abre
fenda abre
dor prazer e vontade
planto o segredo e
quando nasce se
corta se colhe
se ama.
que andei fazendo da vida até agora? como cheguei até aqui? não me lembro, não me lembro. acordei em trânsito.
penso no amor
no amor em suas 
profundezas 
só penso nele em alguns
estados
não posso pensá-lo puro
que aí é como usar drogas
pesadíssimas não quero
nunca mais bad trip
deus me livre lamber
o amor sem açúcar
é pior que gosto de
adeus ou de goiaba
azeda
estou comovida
como um anjo
não bebi nadinha,
juro
por isso agora penso tanto
em amor em
vez de fazê-lo.
costurar o tempo
processo doloroso
sou perita em dar
pontos
nós 
vexame.
profundamente idosa
na cadeira de algodão
crio um vestígio de
mentirinha
se erro
causo elevação
na pele
ou
alças fracas demais.
vestir-me o tempo
travestir a memória em
meia dúzia de cortes
nada cabe em mim:
não nasci para
trabalhos manuais.
se eu me despir
do meu 
corpo
que é que fica?
será que meu 
gosto
por pequenezas
vem do meu
tamanho?
será que meu
grito
meio agridoce
é amante da boca?
o cheiro do jasmim
existe sem meu
olfato?
a nudez além
do corpo
é teoria ou
filosofia
invenção impossível
que nem um poema.
um corpo
retém
um copo
de cólera
um copo
vazio
um copo
quebrado
um copo
pouco
um copo
antigo
um copo
louco.
um copo não
retém
o corpo
transborda.
sinto muito, amor
não sei se te explico
ou se te dito
se fosse pra ser 
difícil
te gritava
em alemão
te escrevia uma
ou mil
epopeia
se fosse pra ser
sentido
escolhia outro
verbo
sinto muito, seja
lá o que for.
em tom de brincadeira
prometi uma verdade
qualquer coisa serve
pra quem está à beira:
pão mofado, água morna
pedra adocicada
imagina se cumpro
promessa
e vou subindo as escadas
que será de minha infância
com essa ideia de falar
certeiro?
não
sinto muito
jamais.
prefiro sempre a dolorosa
dúvida mesmo
a atrasada.
meio sonâmbula
meio atriz
o corpo fala:
hoje quero ser 
mulher.
eu que não entendo
o que isso quer
dizer corro até o armário
dentro dele mesmo
me visto disso aí
do espelho revejo
um rosto, dois braços
três corações
(porque um é pouco, dois machuca)
umas rugas, que isso não se
conta
continuo igual
ao meu nome
o que não diz
nada
deve ser coisa de sonho
peça fora de cartaz
no sono o corpo
é
mas esse mundo de gente
acordada
acordada demais
não nos deixa dormir.
toda vez que estou doente 
acho que vou morrer.
encontro o pássaro sentado
olhando os passantes
enquanto passo roupa 
lentamente
ele está despreocupado
como quem só canta
o ato mesmo de cantar.
esse é o mesmo pássaro
que pousará sobre meu corpo
algum dia desses
que nem a música dos novos baianos
levarei muitas saudades
do seu canto
desse canto
toda doença é uma despedida
adiantada, admito,
e toda morte é bem morada.
da escrita não quero a
útilma sílaba
do teu beijo não quero o 
estalar do sabor 
do texto quero o 
corpo
pode ser mei o
roxo
de tanto socar o enigma.
os homens amam
os homens
amam
o silêncio e eu 
delicadamente
grito.