segunda-feira, dezembro 10, 2018

meu amor, envelhecemos,
não adianta chorar
por nossa imobilidade
o passado é um veneno
quando se torna
o que se é.
a vida é uma fita
que quando descolada
da parede
arranca tinta arranca
laços
ou outra fita
que quando assistida
de qualquer forma
gera comoção.
tomar o passado
em goles lentos
enquanto dança
ao som da fita
me parece uma bela forma
de happy ending.
que vontade louca de escrever. que nem outro dia em que desatinamente queria um pedaço de chocolate ou do seu corpo, mas em vez saí correndo que nem um pássaro machucado pela rua cheia de gente me apontando estilingues e olhares fulminantes. dessa forma quero comer as palavras como uma sopa, tudo de uma vez, lamber o fundo da tigela e sujar o nariz, essa parte maravilhosa que nos mantém vivos, seja respirando ar puro ou poluição, sujar o nariz significa muita coisa, não conto tudo pra não estragar a suposição
é assim que se começa uma mentira. ou um conto. ou um romance. principalmente um poema. não sei do que gosto de comer mais. acho que quando estou de dieta abro um livro e leio frases aleatórias, versos quebrados. quando chego no ponto de vomitar tudo pelos cantos, já me permito dormir lendo muito, carregar livros na mochila, apoiar um bem grande ao lado da cama.
e de repente uma paixão vermelha me atinge em cheio. esbofeta minha cara, arranca sangue, esbofeta bem esbofetado, chego a ficar tonta. percebo que é o momento de amar pura e simplesmente essa loucura, abraçar tão forte como uma sereia anseia por uma vida inteira nadando e descobrindo tesouros, seduzindo marinheiros porcos e estupradores até a morte, esse é o momento milagroso em que a coisa que mais queria para acompanhar era um café e um cigarro. como ex fumante e adepta da noite, fico apenas com a ânsia, agarro fortemente esse sopro, deito-me na cama e lambo com prazer cada sílaba, peço que venha de qualquer forma, com roupa mesmo, cabe a qualquer um despir o que for,
e aguardo na escuridão o grito que, silenciosamente, chegará em segredo como um terremoto arrebata terras sem nenhum aviso. não sei se sairei vitoriosa ou embaixo de um túmulo.
aceito qualquer uma das opções e finjo que tenho alguma escolha.
tem dias
que me lembram ten days
de pura lágrima
como se fora um final de filme americano
daqueles bem desgraçados
onde sentados no fundo do quarto
ou do poço ou do canto
dos teus olhos
esqueço que estou viva.
tem outros dias
como todos esses dias dentro desses dias
muito mais que ten days
talvez a vida inteira
que não me lembram nada só
esse momento de tristeza profunda
que deveria ser algo como depressão
mas é o mundo
meu país
que caminha para um lago onde
nem lágrimas existem
está seco
os peixes mortos
as plantas mortas
a água morta.
chamamos de natureza morta
essa arte do silêncio e da observação.
imagina como seria o mundo
se a inevitabilidade
das coisas fosse
comer morangos.
estou apenas aguardando meus morangos bem maduros.
ela está à beira de colher morangos.
que falta fazem os morangos
para driblar a morte
entre outras coisas
desse país
quase apodrecido.
pensar a morte pensar a
sorte de um dia que respira
conspira como me sinto agora é
hora de dizer adeus te dar um abraço
ou pássaro tudo vem do mesmo tempo
lento quem me dera é rápido como avião
na mão se lê a sorte pode cair do céu
o véu também cai mas um viaja o outro
acha que é pássaro mas é máquina que desgraça não se pode ser duas coisas?
não tenho escrito nada.
também somos feitos de escuridão.
no papel uma gotícula de café
rascunho de memória insone.
desenho ervas daninhas na beirada
uma preparação para a queda
amortecendo as pontas soltas
o pensamento
uma paisagem deserta.
a parede tão branca
sofre de alzheimer
testemunha mentirosa
como qualquer nada.
tenho bebido tanto café
que lembro dos dias através
de copos
de cheiros
de borrões
hoje amanheceu o corpo
primeiro da cama
depois no gole
é possível escrever
com o barulho da cafeteira?
nothing happens in alabama
nothing happens on that old street
nothing happens a miracle would
fit well
can't walk with my feet 
i'm growing butterflies under my bed
wish it was january
wish a summer breeze
a song can be
any song
dancing in an imaginary saloon.
"Se toda vez que começassem
uma pequena história
de amor
de bar
de madrugada
eu retirasse o começo
(que é algo sempre clichê, porque saber dizer a primeira palavra é coisa de gente muito certa de tudo)
imagina a bagunça no reino das fadas.
Por isso acordo ilhada.
Nem sei como vim parar
nesse lugar.
É coisa de gente perdida
drogada
desiludida
gente como eu que
sentada na varanda
imagino uma embarcação
com dragões aquáticos
soprando goles de cachaça
nos meus pés."
Rubi V.
confundo dúvida 
com dívida
acho que estou devendo
resposta 
ou à procura da 
pergunta
como se duvidar fosse
dividir
é somar
não gastos
sapatos
mas uma planta que já
finca raiz
no coração
"dinheiro não cresce em árvore"
mas folhagem nasce bem
na pupila esquerda
lugar de profundas
profundas confusões.
um copo de café
não cura
nada
em nosso corpo
com a cólera só
possível dos grãos
moídos iguaizinhos
às unhas caídas
na folha ou
no fundo bem
no fundo onde
leio a sorte mas
não acredito.
sinto vontade de te abraçar
por tudo que ainda não é
(e talvez nunca venha a ser)
espero que esse poema não
se torne um pneumotórax. 
acho que vou chamar lágrimas
reversas futuristas caminhando
em marcha-ré.
lirismo é coisa que vem junto
com certo sentimento chamado
saudade ou
curiosidade ou
paixão.
de onde arranco tanta memória?
a gata preta, sentada silenciosamente no umbral, observa a noite esperando, delicadamente, aquilo que apenas os gatos sabem e podem esperar: o próximo instante. esse ritual se repete mesmo que eu não esteja aqui para comprová-lo, e ela acha que não sei sobre seus encantos, seus cânticos antigos, sua adocicada espera. 
gata preta, que jamais foi minha e é apenas de si mesma, me entristeço às vezes quando te vejo ver o mundo pela janela. quando foi que de nosso posto de seres nos colocamos como donos, e de nosso posto de donos nos tornamos grades? sinto muito, meu amor. mesmo que não me responda, sei das profundas rebeliões que ocorrem dentro de seus olhos amarelos e ariscos.
o tempo está passando rápido demais
eu
que não passo mais
roupa
não sigo mais 
o tempo
sei quebrar
palavra
quadril
pratos
mas não as horas
olho o relógio
ele não me olha de volta
assim não posso encantá-lo
com meu segredo
de feiticeira
apaixonada não tenho
controle sobre ele e
saio gritando por segundos
saudade que bate na cara
guardei o anel
que tu me deste e queria
dar para o tempo
é mentira que vidro quebra
fácil estou
quebrada
de todas as formas
não tenho tempo
para mais nada
olha:
há uma luz que se desprega das telhas. 
olha:
ela quer conhecer o mundo.
olha:
acha que é pássaro.
olha:
nessa rua todas as lâmpadas foram queimadas.
olha:
toda partida é uma pequena destruição.
olha:
as plantas secaram no telhado.
olha:
não há água que atue tão bem que a vida aceite esse teatro.
olha:
o que fará uma casa em ruínas?
olha:
um dia olhei diretamente e me ceguei.
olha:
não há mais cegueira na escuridão.
olheiras é uma forma 
de olhar
indiscreto 
é a outra forma 
de esconder 
as sombras que jamais
retornam de dentro
para dentro não existe
fora quando se está
marcado
me sinto um
cavalo
que nasce sopro e carrega
marcas
pessoas
carga pesada
olheiras é a máscara
que presa
ao cabresto
ataca quem chega
perto.
gosto das coisas simples:
café com cheiro de outro
dia claro que memória
tem perfume. não é flor é
fruto
nasce do chão ou
cresce da queda.
janela com paisagem imaginária
quadro do mundo
quem olha
desenha
quem apoia
canta
quem fuma
escreve.
mais uma:
café, janela e
chuva aos domingos
tudo simples simples
como uma plantinha
nascendo no vaso
do banheiro
(quebrado
numa casa em ruínas)

domingo, agosto 05, 2018

será que as palavram usam
saia?
é possível passar batom
vermelho na palavra
sangue 
menstruação é coisa de poética?
como florear a linguagem
se ela é nua se ela é
pura está
contaminado o verso
de mim? de onde vem
a poesia vem da
dor vem da
venda do precipício
caímos vestidos no
ar caímos ou somos
empurrados na velocidade
impossível será que penso em
meu útero quando estou
caindo?
palavra bonita palavra
preciso rezar para que
venha preciso pensar
para que nasça?
infertilidade é o mesmo
que hiato?
te visto, poema, da matéria
do nada
ou sou uma tremenda atriz.
tentativa n° 1 de escrever um poema masculino
(o que quer que isso seja)
Outro dia caminhava
com um certo 
tédio certo
disco
arranhado a garganta
seca de asco
de fumar dois maços
incompletos
de chinelos porque odeio
sapatos pretos
sapatos apertados
porque busco a origem
de qualquer contato com
o chão pisado
contrastado com os
passos
não chovia por isso quase
descalço falando com os
pares palavras
in english
the sky is broken
não chove mais
posso caminhar
tranquilo e
só.
roubei uma palavra do dicionário:
alpendre.
precisava sentar na rede, tomar um café e olhar a calmaria.
sonhei que escrevia
que escrevia em meu diário
da sorte que não tinha
criava até um cenário
onde brincava de amarelinha
coisa que só lembra quem teve
um par de pés quebrados
não lamento da vida nada
apenas deixo de lado
algumas memórias insistentes
insistem tanto que queimam a folha
essa que inventei em meu sonho
para fugir da vida solta
como um pássaro em fuga
após descobrir o mundo
toda gaiola é suja
e todo sonho um poema
sem fundo.
meia palavra basta:
previne de bolha
e machucado profundo.
palavra inteira é perigosa:
veste o corpo todo
e não previne de nada.
não sei habitar 
silêncios
metralho a rua
a casa o quarto
a rede a cama
o canto a teia
de palavras não me
encanta não me
toca não me
diz ao pé do ouvido
acorda há sempre
um endereço no
silêncio há sempre
uma dor que se
aconchega
vou-me embora de qualquer
lugar nenhum
preciso me embarulhar me
confundir gritar rosnar
tiro certeiro nas im-
possibilidades da boca.
desastre seria, meu amor, se aquela casa construída de profundezas duríssimas fosse derrubada com uma gigantesca onda não prevista pela televisão. de repente a praia deserta tomaria corpo, ganharia vida, nasceu um monstro do notório nada, carregou consigo a doentia raiva dos corações partidos, a lágrima que vem pra dizer acorda, toma café, põe uma roupa e respira cheiro de qualquer coisa além do mofo dentro desta casa em ruínas.
isso seria um desastre. você sabe, não é? sua etimologia vem dos astros, do inadequado. nada como escrever um poema em prosa sobre as forças da natureza para justificar qualquer tragédia. escrever é justificar, é acalmar, é destruir. sou um demônio em fase de infância, passo a reconhecer lentamente minhas tiranias.
e uma delas é zombar do seu conceito de desastre. para mim isso é um milagre, uma dádiva. não houve onda, não houve deuses, não houve acaso. eu
eu fui até as raízes da morada e com minhas pequenas mãos arranquei a casa do chão e joguei-a pelos ares.
o nome disso é ato.
arrancar o véu da tristeza
devagar, devagar
consegue ler?
devagar
o que há para si
ver além da pele
eu não sei
embaixo de mim tem
muita coisa
esconderijo de ladra
fugida de crimes banais
estou triste
dizer é como dizer
milhares de vezes
milhares de formas
milhares de braços
agarrando minha nudez
arrancar o véu com destreza:
só há coragem depois
do erro.
louca, 
porque a
louça 
está pela meta de ou
porque dizem por
aí ou porque sou
quero e sim
louca
puta
danço com o demônio
nua no meio dos carros
é uma noite agitada no rio de janeiro. uns seres poderosos adoram me definir. sou anjo caído, debaixo de uma chuva de fogões. tempestade de casas caindo em casas reais e destruindo famílias.
meu signo de mulher vem de uma era antiquíssima
louca louca pouca
roupa onde está o sutiã
difícil a metáfora quando se está
puta
santa nunca fui
como ser santa
prefiro comer a
santa do pau
oco
oco porque
peco
oco porque
vivo
porque quebro a
louça
só não me quebram sou
louca:
sim.
não foi corte pela raiz foi
pela saia
desfiado o arrependimento
abertura da terra ou
você sabe 
que faço com uma batata
fora da plantação?
comê-la, de qualquer
forma, em qualquer
hora, em baixo do
pano
há o possível o tangível
o tocável
todo corte abre
fenda abre
dor prazer e vontade
planto o segredo e
quando nasce se
corta se colhe
se ama.
que andei fazendo da vida até agora? como cheguei até aqui? não me lembro, não me lembro. acordei em trânsito.
penso no amor
no amor em suas 
profundezas 
só penso nele em alguns
estados
não posso pensá-lo puro
que aí é como usar drogas
pesadíssimas não quero
nunca mais bad trip
deus me livre lamber
o amor sem açúcar
é pior que gosto de
adeus ou de goiaba
azeda
estou comovida
como um anjo
não bebi nadinha,
juro
por isso agora penso tanto
em amor em
vez de fazê-lo.
costurar o tempo
processo doloroso
sou perita em dar
pontos
nós 
vexame.
profundamente idosa
na cadeira de algodão
crio um vestígio de
mentirinha
se erro
causo elevação
na pele
ou
alças fracas demais.
vestir-me o tempo
travestir a memória em
meia dúzia de cortes
nada cabe em mim:
não nasci para
trabalhos manuais.
se eu me despir
do meu 
corpo
que é que fica?
será que meu 
gosto
por pequenezas
vem do meu
tamanho?
será que meu
grito
meio agridoce
é amante da boca?
o cheiro do jasmim
existe sem meu
olfato?
a nudez além
do corpo
é teoria ou
filosofia
invenção impossível
que nem um poema.
um corpo
retém
um copo
de cólera
um copo
vazio
um copo
quebrado
um copo
pouco
um copo
antigo
um copo
louco.
um copo não
retém
o corpo
transborda.
sinto muito, amor
não sei se te explico
ou se te dito
se fosse pra ser 
difícil
te gritava
em alemão
te escrevia uma
ou mil
epopeia
se fosse pra ser
sentido
escolhia outro
verbo
sinto muito, seja
lá o que for.
em tom de brincadeira
prometi uma verdade
qualquer coisa serve
pra quem está à beira:
pão mofado, água morna
pedra adocicada
imagina se cumpro
promessa
e vou subindo as escadas
que será de minha infância
com essa ideia de falar
certeiro?
não
sinto muito
jamais.
prefiro sempre a dolorosa
dúvida mesmo
a atrasada.
meio sonâmbula
meio atriz
o corpo fala:
hoje quero ser 
mulher.
eu que não entendo
o que isso quer
dizer corro até o armário
dentro dele mesmo
me visto disso aí
do espelho revejo
um rosto, dois braços
três corações
(porque um é pouco, dois machuca)
umas rugas, que isso não se
conta
continuo igual
ao meu nome
o que não diz
nada
deve ser coisa de sonho
peça fora de cartaz
no sono o corpo
é
mas esse mundo de gente
acordada
acordada demais
não nos deixa dormir.
toda vez que estou doente 
acho que vou morrer.
encontro o pássaro sentado
olhando os passantes
enquanto passo roupa 
lentamente
ele está despreocupado
como quem só canta
o ato mesmo de cantar.
esse é o mesmo pássaro
que pousará sobre meu corpo
algum dia desses
que nem a música dos novos baianos
levarei muitas saudades
do seu canto
desse canto
toda doença é uma despedida
adiantada, admito,
e toda morte é bem morada.
da escrita não quero a
útilma sílaba
do teu beijo não quero o 
estalar do sabor 
do texto quero o 
corpo
pode ser mei o
roxo
de tanto socar o enigma.
os homens amam
os homens
amam
o silêncio e eu 
delicadamente
grito.

sábado, julho 14, 2018

não é o corpo
não é meu 
corpo
útero
fígado
sangue
coração
o que tu quer
se chama pele
se inflama toque
se rasga lâmina
se lambe e sente.
não sou
eu
sou cobra viva
escama ou veneno
sexo ou alimento
vai tentar a sorte?
ela, em alguns dias desastrosos, pensava: de hoje não passa. milagre ou catástrofe, não há raio caindo em lugar algum. da janela de seu apartamento naquela rua silenciosa, sem grades porque não tem filhos, sem rede porque não tem gatos, pendurava as pernas sem nenhum impedimento. a iminência da queda era sua reza, seu canto torto. sentado ao seu lado, o tranquilo girassol apontava pro lado oposto, estava de mal com a mulher que esquecera de regá-lo. se não conseguia tomar conta de uma flor no pequeno espaço de sua vida frágil, como seria possível aguentar todos os anos? era preciso beber água todos os dias, entre outras obrigações.
meditava de frente pra morte. tranquilamente, fechava os olhos e esvaziava a cabeça. se eu cair, morro antes ou só no chão? e o poema que deixei incompleto em cima da mesa? ainda preciso tomar um copo de café. o perfume de jasmins do outro lado da rua contaminava seus pensamentos, agora pensava em forma de cheiro, estava confusa como só uma flor pode estar.
o interfone tocou. saiu de seu jardim. atendeu. desceu as escadas correndo. era sua entrega: bolo de laranja da padaria do seu zé. desmarcou seu encontro e ligou a cafeteira. qualquer outra coisa pode esperar mais um pouquinho. há muitas noites pela frente e uma janela que não sai do lugar.
se eu nascesse gato 
certeza já não teria nenhuma 
das sete vidas
ser humano finge bem 
saber a iminência 
da única queda.
quando não há nada a ser 
dito o silêncio que flutua
em banheira de pensamento
como uma esponja de criança 
absorvendo água sabão
e o dia inteiro
tristemente
sujo de incertezas
quando não há outra
utilidade para essa esponja
que poderia ser de pedra ser de
vidro, estilhaçada à beira do
corpo assobio
uma melodia disforme
visto que não sei assobiar
isso também é dizer
nada só que assim
afogo alguma coisa
em vez de
me afundar.
poema tem que ser
pequeno
se alto 
mata o silêncio 
falar baixinho alcança 
até o inferno.
já faz tempo 
e nesse espaço me adequei
a sentar-me 
desconfortavelmente 
de costas pro relógio da casa
na mesa um copo dágua
isenta de degradação
olho pra ele durante muito
espero não envelhecer
assim pela noite
não consigo dormir
já faz tempo
faz outras coisas também
prefiro não dizer
se não digo céu o pássaro
não tem explicação
mas afirmar o que guardo
atrás de mim
em todos os cantos
dessa casa silenciosa
seria justificar minha
perdição.
às vezes me pergunto
porque não há mais
ninguém que me ouça
se em outra vida
outro sonho
me deram o nome
penélope
sinto que estou
à espera de alguma
coisa nenhuma
não me entristeço
teci plumas de paisagem
memória escondida na selva
não preciso ser salva
pelo menos
nessa vida
a matéria do impossível
é meu único navio.
olha
às vezes não quero quebrar 
o verso o copo
na tua cara
a verdade é que
quando
te peço te impeço
olha
quero dizer
vem não tenha
medo das palavras
mais do que tenho medo
do teu olhar.
algum jasmim invade a
fresta
do umbral não 
vejo nada
como poderia se
procuro um cheiro?
perfume é
quando está na rua
não é
quando digo que sei o nome
da flor
te pergunto:
sente?
você mente.
não tem ideia do que
estou falando.
um poema solar:
meu amor, estou tão
feliz. é
possível a escrita 
iluminada da não-
dor. que
engraçado, baby
confesso
não sei não
sei do que se des
trata tal poema.
a verdade como diria
cristo, aquele homem
salvador, bondoso
é que morreria todos
os dias
novamente
para trocar dor por
salvação.
só que não é o caso.
gosto de ler poemas como
quem lambe ferida
encostar a língua
na dor do outro
o gosto acre
doce só no final
o último verso é
sempre de açúcar.
poema se faz
assim:
palavra.
e uma dose de 
cachaça ou
silêncio.
eu gostaria de não escrever mais nada. escrever é cansativo. escrever está me arrancando a pele e me esfolando viva. tudo que não tem explicação me atordoa: a vida, o amor, a escrita, teu cheiro. achava que hiato era a pior coisa do mundo. não, é ser consumida por palavras, é ter poemas como colírio nos olhos causando insônia. abro a janela de casa e não vejo árvores, vejo folhas cheias de versos, pingando orvalhos soluçantes.
amanhece e não durmo. quando o sono vem, bicho raro, sonho epopeia. isso é castigo? quanto mais leio mais leio. alguém inventa um livro travesseiro pra eu apoiar a cabeça e ter oito horas de paz. não sou exigente: um cochilo já basta.
há um grito
na rua no peito
ainda outro dia no intervalo 
da aula do trabalho
enquanto o ônibus parava
no sinal no medo de
cochilar
te vi gritar, menino
achei que era um protesto
palavra de ordem
black bloc quebrando tudo
a memória não cessa
o grito faminto
na beira
da emergência
como podemos parar
de lutar?
o amor não suporta 
nada
não há
contenção para chuva 
se já nos acostumamos 
ao sertão.
o amor não suporta
nadar
se desmorona
não sabe construir
barco e buscar outra
morada.
não suporto
o amor
desisti de
crowdfunding
não se pode comprar
o insuportável.
tenho esquecido 
nomes
lugares
acontecimentos
aquele olhar que
tenho esquecido
no peito.
esqueço uma
síla
baíamos descobrir
o mundo.
tristeza te faz viver pela metade.
olha, olha fundo, até alcançar o epicentro dessas rugas que se formam embaixo dos meus olhos, tenho vinte e seis anos e algumas rugas que tenho certeza que se formaram de tanto que choro ou de tanto que fumo, ou uma mistura das duas coisas, acho que elas não deveriam estar ali tão cedo, daí que quando sorrio aparece a velhice do pensamento, tem dias que me sinto assim, profundamente velha, e isso não tem a ver com as rugas, mas com um peso estranho que sempre esteve comigo desde quando era criança e sentava escondida dentro de um armário para ler livros, ou quando chorava no canto do quarto, do lado da escrivaninha, toda vez que o dia anoitecia, eu carregava o peso do tempo, imaginei tantos funerais, a solidão tem um cheiro que já reconheço, quando ela se aproxima entendo seu perfume e sei que estou viciada em sentir-me só, estar muito tempo ao lado de outras pessoas me causa abstinência, preciso enfiar a cabeça em bueiros, dar de cara com ratos que me enxergam como realmente sou, eles sabem mais que eu sobre a vida, sabem mais que eu sobre minhas rugas, e enxergam, enxergam realmente o significado de um rastro nessa coisa esquisita que nomeamos de corpo.
patologia
certas doenças não
se sabe o nome nem
o número certo elas
mesmas tem algum tipo
de opinião
dicionário serve não
serve pra essas
bobeiras
porque é não
é? bobeira essa
coisa chamada
surto ou
poema.
fazia dias que não chorava.
incrível que pareça 
não aguento mais escrever sobre dor. 
virginia estava certa?
o peso 
do feminino,
do choro,
a alteridade duvidosa
(uma vez que amor só pode ser outra coisa)
aliás,
saindo do parênteses
pode ser outra coisa?
o quê?
chamar de pássaro
e deixá-lo voar
chamar de pássaro
e matá-lo com a espingarda
sou mulher
mas sou armada
como uma aranha na quina do box.
será que estou atrapalhada?
será que essa dor é um saco de mercado
usado pra me oprimir
e me sufocar?
estou suicidando minha linguagem
preciso escrever sobre a guerra,
sobre o universo
panfletar as palavras?
não confio em semideuses.
não confio em poemas de amor.
nunca gostei
dessa coisa chamada escrita
de mulher
nunca gozei 
(porém)
com um poema
de macho.
nunca pensei assim:
é abril, e tenho cartas.
é junho, e daí?
não tenho nada.
cada mês deveria ter um segredo
ou talvez seja superfície demais.
se mês fosse um oceano
eu diria que tenho um peixe
mas o que eu faria com isso?
não há memória
quando a conversa se embola
e vira outra história.
se eu transformar
mês em mesa
posso comer o peixe?
há tanta coisa a se fazer
em uma mesa que
seis minutos valem mais que um mês.
experimentralismo
olha
não é de concreto nem
vem
de em qualquer lugar
é de abrir a jaula
eu já te dis
se por acaso tu
vi
er claro que te deixo
entrar.
meu bem, juro que se você demorar mais um pouco vou-me embora para pasárgada e te deixo com um sorvete derretendo na mão aguardando um ônibus que possivelmente quebrou na avenida brasil. as coisas mais terríveis da vida acontecem nos momentos de espera, e eu estou evitando horroridades. por isso toda vez que o relógio caduca no silêncio da tarde sei que é hora de ir embora. quando nasci, um pedaço de algodão, soprou por aí um vento estranho e fui sendo carregada rua abaixo. que engraçado! ser algodão é coisa estranha, você se desfarela, se suja, fica impróprio, mas vou te dizer... é de uma leveza! não tenho mais tempo, o mundo consome muito das minhas arestas. tchau.
preciso aceitar estranhezas
como esperar que um seja familiar
se nem eu mesma me reconheço?
às vezes me espanto com uma frase que disse
me pergunto: mas o que é isso? 
tenho certeza, não penso
sou pensada
daí que me indigno quando te estranho
imagina que absurdo!
aceito o clichê:
para não entender o outro,
é preciso não se entender primeiro.

sábado, junho 16, 2018

meu cansaço vai a profundezas
autocria barbatana 
aprende a língua dos peixes raros
de onde estou ou para onde vou
deitada num barco de papel acalentando estrelas
lanço a âncora nesse meio do nada
profundamente bonito, sabiamente triste
aguardo.
aguardo.
aguardo.
ele retorna e me seduz
eu que sempre fui de me afogar
me jogo nos braços da sereia.
chorar: este ato inumano
o corpo confunde corte com abismo
na sede eu confundo copo com navio
encho a grande queda-
te em silêncio
soluço não é solução
se for pra chorar
chora baixinho
como todo animal se esconde ao dar à luz
e morre fugido na sombra de um rio.
pensei em te ligar
lembrei que ninguém mais disca
nem discos escutamos mais
que pena
tanta música marcada 
tanto encontro retocado
será que compro uma vitrola?
ainda estou pensando em te ligar
não tem tomada aqui em casa
e sei bem que você não é abajur
que pena, comprei uma linda
palavra criei com ela
não é pra isso que serve a saudade?
faz sol lá fora. 
aqui dentro chove cântaros
sempre imaginei domingo chuvoso.
é possível ser feliz numa vida sempre à véspera?
o sol não respeita ninguém, 
nem meus pensamentos
nascidos da morte, estão
indo em direção a ela
como chocar-se com o absurdo
quer dizer que estive todo esse tempo adormecida?
alienada
não
tenho sofrido todos os domingos
estou sempre à espera desta chegada.
quando e somente quando estiver prestes a me jogar de braços abertos daquele prédio, após anos de planejamento e estudo sobre qual seria meu último pensamento, se sofreria ou teria um orgasmo ao me quebrar inteira no chão, largando as sílabas pelo ar, é somente aí que escuto teu ronco e consigo soprar barcos de papel no teu sonho que pinga ao meu lado ou talvez eu esteja confusa, a visão turva, são minhas lágrimas de sempre que alagam a cama.

quarta-feira, junho 06, 2018

sinto muitas vezes uma vontade profunda de escrever um texto cru, comê-lo com as mãos, o sangue na saliva, dilatando minhas papilas, o gosto seduzente da vida ao avesso, depois penso o quão estúpido isso é, não existe essa coisa de texto cru, ele está sempre bem bem passado, tão passado que consigo vê-lo a quilômetros quando olho para trás, sozinha na estrada enxergo as palavras formando uma linha do horizonte, penso em tirar uma selfie para que acreditem em mim e não me achem louca, mas pensar sobre isso já é um ato de insanidade, também gostaria de falar sobre papoulas e fazer uma poética, como dizem mesmo?, uma poética solar, tudo que eu queria na vida era uma alma jogada no sol, mas você conhece o mito, ele está aí para edificar minha história, um texto cru, eu teimo em achar que existe aquela tal de mudança de valor linguístico e mando todo mundo esquecer de uma vez por todas a etimologia das coisas, mas existe algum tipo de mágica na origem das palavras, elas têm cheiro, antepassados, há uma inscrição profunda dentro de sua escritura, por isso quando penso em cortar os pulsos é por um texto cru que estou faminta.
olá, meu amor, bom dia, sei que tem pensado muito sobre aquela casa na praia que há anos pensamos em comprar, pensamos, pensamos muito, sei tão bem quanto você o quanto pensamos na areia, nas ondas e até nos tatuís que hoje em dia já nem mais existem de tanta poluição, você sabia disso? não há mais tatuís por aí rodeando nossos pés e beslicando a ponta de nossos dedos. mas não foi culpa sua, eu sei que você esqueceu aquela guimba de cigarro e nunca faria isso de propósito, não quero que se sinta mal pela morte dos tatuís, mas você sabe, você deve lembrar, que quando falávamos da casa da praia, falávamos muito dos tatuís, e você até me disse que levaria seu papel e a aquarela para desenhar esses animais magníficos que ficam reaparecendo na minha cabeça, mas a verdade, a verdade mesmo, por favor não espalhe por aí depois de nossa conversa, é que nunca vi um tatuí, mas apesar disso sei muito bem como eles são e o quão importantes serão quando estivermos num asilo já com  a memória em frangalhos, tenho certeza que lembrarei deles e ficarei triste pelas gerações futuras que não terão a oportunidade de vê-los como agora os vejo, que sorte tenho, por outro lado, de nunca tê-los visto, não sei o que seria de mim se tivesse visualisado, mesmo que por um segundo, esse pequenino animal que tantas vezes percorreu meu corpo sem nem saber meu nome, sem saber das noites em claro, dos cortes de cabelo e da vida que gostaria de ter deixado para trás. meu amor, me desculpe, eu te acordei?
quando se está deprimido, maria pensava, que coisa mais louca que é lavar a louça. parece quase um mergulho no livro de dante, com os cacos cortando as mãos. a demora de dias passando pela frente da sujeira, o peso do corpo beirando a pia como vermes beiram o lixo: surgem de repente, como obra divina, e parasitam ali até que sejam expulsos por intervenção humana.
sempre esperou um milagre, não que rezasse, mas fazia sentido a espera. o que mais fazer senão esperar longamente para que a depressão fosse embora? as pessoas acham que depressão é qualquer coisa quando na verdade é um cheiro insuportável, como o da louça acumulada. ela convivia com esse cheiro até que esquecia dele, até que o normal fosse ele mesmo, esse cheiro de merda.
havia dias que descia as escadas do prédio e parecia entrar num labirinto, e olha que as escadas nem faziam círculo. estava já indiferente às baratas mortas e nem filosofava quando via a gosma que saía delas rente aos degraus. não havia o que fazer, e às vezes invejava suas mortes tão sem sentido e tão naturais e tão repentinas, assim como invejava a felicidade amena dos gatos que dormem tão tranquilos, e miam pedindo comida e quando sortudos são atendidos, e quando não, correm pelas ruas sem saber que estão na rua e que existem casas com outros gatos que não correm.
que coisa mais estranha essa de ter que lavar a louça quando o que se quer na verdade é quebrá-la. e não ter mais pratos onde comer, alimentar-se do resto das memórias que ainda invadem as frestas da porta e trazem seu aroma de incenso que sobrepõe o cheiro de comida estragada.
maria tem um grande desentendimento com seu corpo que pede para adormecer por longos dias enquanto é necessário fazer essas coisas da vida, que ninguém nunca tá muito satisfeito mas continua fazendo. comprou uma muleta numa loja perto do seu apê, pra arrastar o corpo pelos cantos, para chegar até a pia onde via essa louça maldita e onde já não sentia muito bem o cheiro da podridão.
este é o momento exato em que olha pra ela e se abisma e suspira e cansada senta no chão, cantarolando em lágrimas aquela música que costumava tocar na rádio na década de 90, onde era fácil lavar a louça e até enxugá-la. que coisa mais louca. 
 

segunda-feira, fevereiro 26, 2018

descobri que não sei ser contemporânea:
acho que meu tempo nunca teceu
escondo o olhar em livros empoeirados
tenho paixão e aversão aos clássicos
não sei falar com os outros
quando vejo um artista
essa palavra pesada
hippie-chic
na rua viro
a cara
cuspo no chão
faço um feitiço no cruzamento e vou embora
de repente é só coisa de gente maluca
ou de um grande silêncio que me pede todos os dias
me pede no ouvido:
quieta-te
quieta-te:
assim posso sussurrar.
plantar a flor no asfalto
não é ato
de coragem
é passo
que parece compasso
e demora
demora
demora
mas ver o asfalto
queimar os pés descalços
pisar num vidro de garrafa abandonada
não parece boa ideia
mas também é ato
acho
uma lágrima
que devo molhar a semente
guardo o choro então
todos os dias
para jogar no asfalto
como quem joga poker
esperando enganar o mundo
não engano nem o reflexo da poça que criei
sempre perdi o embaralho
e também o desejo
outro dia descobri onde estava
por isso escrevi uma flor
um asfalto
e mais nada.
será que nasceu?
por que não gostamos de ler poemas e por que eles são uma forma profunda de aprendizado
quando entramos em contato com a poesia pela primeira vez ou de forma superficial, não importa a idade que temos, se somos crianças ou adultos mesmo que já formados com um grau de leitura regular e profunda, sentimos um estranhamento que beira o desconforto e o abismo.
ler um poema não é uma coisa fácil. e não é porque palavras difíceis são usadas ou porque o escritor resolveu tirar um sarro com a nossa cara. é porque a poesia é uma das formas mais tortuosas de lidar com o inconsciente. ler um poema é então lidar não só com uma floresta escura e cheia de armadilhas, mas com duas estranhas florestas dentro de um mapa desfigurado envoltas por outras florestas.
o desafio é o encontro com o lugar-espanto do outro partindo do nosso próprio espanto. então para ler um poema é preciso mergulhar de uma altura indizível dentro de um oceano inquieto, turbulento e amedrontador.
não basta ler uma vez, é preciso ler milhares. o inconsciente nos larga pistas, mas é preciso usar a lupa e procurar. se não há paciência nem vontade pelo desconhecido é impossível a abertura para a poesia.
não gostamos de ler poemas de início porque estamos desacostumados com nossos sonhos, com os barulhos presos dentro de alguma parte de nossa escuridão. negamos a estranheza. primeiro a nossa mesma, depois e mais ainda a do outro.
quando nos permitimos, porém, a abertura nos leva por caminhos inacreditáveis e que nos sorvem de habitação, comida e sobrevivência. poesia é uma das formas mais íntimas de abraçar o que há de estranho no outro e em nós mesmos. acolher um poema é achar a chave daquele casebre mal iluminado no meio da floresta que sempre quisemos explorar, mas deixamos para depois. para que procurar estrelas quando em tempos como esse acendemos pequenos sóis artificiais em nossos quartos? que bom que sempre toquei estrelas, guardo comigo sempre os dedos queimados de susto e paixão.