Algumas pessoas quase a atropelavam, quando subiam pela escada tão movimentada. Era uma grande escada, branca, solitária às vezes. Ela sabia o momento em que... bem, ela apenas sabia. Uma mulher alta a empurrou friamente quando passou, resmungando, maldita gente!, e continou sua vida vazia, vazia, vazia vida. Na verdade, ela nunca soube se aquela mulher vivia ou sobrevivia, mas não viu luz em seus olhos, e, muitas vezes, o egoísmo a levava a crer que apenas ela poderia ter a capacidade de enxergar e sentir certas coisas.
Começou a bater os pés: estava ansiosa. Não sabia exatamente por quê, parecia-lhe que sempre esquecia tudo que vivenciara, para que pudesse vivenciar tudo novamente com a mesma intensidade. E isso a fazia sentir-se bem, uma incrível chama de felicidade que brotava em seu peito, em contrapartida à sua aparência de nada com nada, e até mesmo à sua forma de razão.
Mais um trago. Fumar fazia-lhe mal, e sabia disso. Mas não se importava, não pretendia viver muito, e não tinha para quem viver. Ela só tinha... isto. A chuva apartou cada vez mais, estava trazendo a tarde, mas, não, ainda era cedo... Roçou sua mão pelos seus cabelos curtos, bem curtos, mas que voavam com a ventania. Apesar de todo o aguaceiro, o Sol podia-se ver dominante no céu, lutando com as nuvens.
Mais algumas horas se passaram, mais cigarros foram-se amontoando no chão, como um pequeno morro. Agora a escada estava deserta, a não ser por ela. Ninguém atrevia-se a passar por ali, depois das cinco horas da tarde. Era um lugar perigoso. Quase um lugar esquecido. Ela levantou-se finalmente, balançou sua roupa, e pôs-se a subir a escadaria.
Foi até o lugar que marcara com a alma, há muitos e muitos anos, e que, agora, representava toda a sua vontade de viver. Era um lugar especial. Era onde o tinha visto uma última vez, seu amor, seu único amor e também suas lembranças felizes. Lembrou-se das promessas que fizeram ali, das luas que tanto viram crescer, de tudo que ele lhe havia dito. Foi há tanto tempo... Uma eternidade atrás.
Ela apoiou o cotovelo na ponte. Estava quase na hora. Quase na hora. Ela estava ansiosa. Definitivamente, todos os dias ela ansiava por isso.
E... finalmente.
Seus olhos encheram-se de lágrimas, abriu um imenso sorriso e não parecia mais ser quem era. Parecia uma jovem de dezesseis anos, intocada pelo tempo, em um certo mês de maio de um certo ano distante... Não parecia mais aquela mulher de trinta e nove anos e sem esperanças, de olhar sombrio. Não! Definitivamente não.
O que via era simplesmente o que elevava todos seus sonhos por alguns simples minutos: era o sol pondo-se em encontro ao oceano.
E de lá ela podia lembrar-se dele tocando suas mãos enquanto viam aquela magnitude emanando da natureza ocorrer. Podia senti-lo tocando-lhe os lábios. E, finalmente, podia sorrir sem medo, sem medo algum.
Quando tudo ocorrou e acabou, ela suspirou e acendou outro cigarro. Se as lembranças e aquela mágica faziam-na de alguma forma feliz, ela poderia dizer que, sim, estava viva.
Mesmo que por alguns momentos. Em um lugar esquecido.
3 comentários:
"e, muitas vezes, o egoísmo a levava a crer que apenas ela poderia ter a capacidade de enxergar e sentir certas coisas."
com certeza, nossa!
subestimar. hmmm.
acho que a gente vive, sobrevive e morre, tudo isso, intercalando os momentos. E as vezes ao mesmo tempo. enfim, adoro você sabe.
beijos, menina sol se pondo. =)
Chorei no final do seu texto.
Muito bonito
Já te falaram que você escreve fodamente bem?
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