Era um dia frio, um outono meio inverno, onde havia folhas caídas no concreto, e outras flutuando lentamente. As pessoas andavam apressadas, empurrando umas às outras, quase correndo para o pagamento de fim de mês. Ele, escondido, definitivamente apagado, dava passos doídos, deixando pegadas falsas no chão úmido. Mexia com o anel dourado entre os dedos, e sua calça, de tão comprida, arrastava-se no chão.
Ela o seguia. Um seguimento logo ao lado, os olhos vermelhos de raiva (ou ao menos é como queria que estivessem...). Reparava no anel, passando por entre os dedos dele, o homem absorto em pensamentos. Sentiu o egoísmo adentrar em seu corpo-alma. Soltou um grito de dor, mas ninguém a escutou. Sentiu-se indefesa, solitária. Por um momento, e riu-se consigo mesma, achou ter sentido frio.
Ele parou em frente a uma loja de vestidos de noiva. Ficou observando, tão atencioso, os vários modelos que ali se encontravam. Tocou na vitrine, a palma da mão em mira de uma brancura: véu até os pés, flores bordadas em sua ponta, alças para os lados, aveludadas. Suspirou tão profundamente que o tempo pareceu parare, e ela pode sentir o seu coração suspirado e exalado ao frio.
Continuou seu caminho, o anel agora em volta do dedo. Ela queria chorar e abraçá-lo, gritar que o amava, que ele estava livre, que seguisse com a vida! Mas não conseguiu. Ela precisava sentir a dor da verdade, por isso ainda o seguia há seis meses. Passo-por-passo, dizia e se apertava com toda a força que conseguia obter.
Parou, novamente, em frente a um café. Respirou fundo inúmeras vezes, tinha um ar indeciso. Ela ficou esperando uma reação (decisão!), e ele resolveu que entraria. Realmente entrou. O ar de dentro do recinto estava mais quente, aconchegante, ele se sentiu bem, acolhido, mas ansioso. Apesar do frio, ele suava, suava muito. Foi-se para uma mesa no fundo e pediu um chocolate quente.
Ela se sentou em frente a ele. Estavam cara-a-cara, não obstante ele olhava para suas próprias mãos.
- Vamos, faça o que você quer fazer, eu sei o que está dentro de seus pensamentos, pedindo para ser expurgado! - ela gritou, mas ele não mexeu um músculo ou sequer respondeu.
Algumas lágrimas escorreram do rosto dele, tardias, gotículas de alma cortada. E, com um movimento raivoso, ele tirou o anel. Ela se tremeu por dentro: o anel que estava em seu dedo, idêntico ao que agora estava adormecido na mesa, desfez-se em pó. Gritou. E seu grito foi surdo para o mundo, ela sabia disso, mas continuou a gritar.
A porta do café abriu e fechou, uma bela mulher de vinte e cinco anos adentrou sorridente, doce olhar sensual, e foi em direção ao homem abatido e à mulher que parecia engasgada.
- Eduardo! - e deu-lhe um beijo longo e demorado na bochecha. - Desculpe o atraso, encontrei uma velha amiga na rua... - sentou-se ao lado da mulher, cujo nome revela-se agora: Sophie. Porém não a cumprimentou.
- Tudo bem, Val... tudo bem. Eu mal cheguei, de qualquer forma. - ele parecia querer chorar como uma criança.
Sophie quis arrancar todos os fios de cabelo daquela vadia, de nome Val. Tentou cravar-lhe os dentes no rosto, mas não conseguia tocar-lhe. Quanta intimidade eles já tinham! Val, Val, Val! Beijo demorado, ele com certeza estava sem ação.
Valéria pegou suas mãos, ele a olhou de volta nos olhos, assustado, queria correr, fugir e enterrar-se vivo. Sophie tornou-se confusa, ao olhar para aqueles olhos perdidos, e sentiu um penar imenso em sua cabeça. Por quê, por que ela o perseguia e fazia com que aqueles pensamentos cruéis lhe voltassem à mente? Por que não o deixava em paz? Em seis meses, desde o ocorrido, era a primeira vez que se encontrava com uma mulher, e ainda sentia o pesar na consciência. Oh, que ela era injusta e egoísta! Ele precisava seguir em frente. E não só ele precisava fazê-lo...
Levantou-se e passou decididamente pelos dois. Chorava muito, de alguma forma, por dentro de si mesma, porém continuou a andar. Ao chegar à porta, olhou para trás e viu Eduardo, seu Eduardo, o amor de toda sua existência, olhá-la em absoluto surpreendimento, as gotas nos olhos. Ele conseguia vê-la agora. Conseguia sentir-lhe a tristeza.
Ela fez fez um adeus com as mãos e sorriu. Saiu pela porta, antes que ele pudesse correr até ela, e desapareceu.
Era hora de seguir em frente.
4 comentários:
Por que o mundo é injusto assim?
Pobre Sophie... Pobre Eduardo...
é engraçado como as pessoas tem uma fixação pelas outras. O bom é que ela se tocou que deveria seguir em frente e que o cara ainda estava grudado na Val. As pessoas são estranhas.
Como diabos você consegue escrever tão bem?
me lembrou os textos espíritas que eu lia quando mais novo.
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