Abriu seu bauzinho de pequenos tesouros, um velho mundo se abria da escuridão para a luz. Ficou a olhá-los decididamente por horas, passando os dedos delicados por cada imagem, objeto e palavra. Possuía ali, e bem sabia, muito mais que ouro vivo e orgulhava-se disso, deixando algumas lágrimas sorrateiras, mescla de alegria e saudade, caírem levemente por seu rosto cansado. Havia tempo que não retirava a chave do esconderijo para ver suas preciosidades. Porém, agora que as tinha nas mãos, não as queria devolver para o escuro do baú nunca mais.
Começou, muito bem, por... ele.
Era um jardim maravilhoso, em plena primavera. As flores sorriam para o céu radiante, mesmo que nublado, um céu com histórias fantásticas. Ela estava no balanço, uma chuva gostosa se deixava cair em seus cabelos longos e dourados, balançava devagar, devagar, a tristeza em seu rosto. Era seu aniversário de dezessete anos e ninguém havia lembrado, exceto sua mãe e uma amiga. E agora estava só, completamente.
Então, ele apareceu. Pisava devagar no verde e na lama, estava ofegante, havia corrido, corrido muito e agora tentava não ser descoberto. Chegou à frente do balanço, levantou seu queixo delicado e, então, a rosa.
- Para você.
Ai, como chorava de falta. Limpou as gotas no rosto, parecia que ainda podia sentir a chuva daquele único dia de primavera, e abanou a cabeça: a rosa murchara. Como tudo que é efêmero vai e não volta. Apertou a si mesma, sentia a vontade desesperadora de que ele estivesse ali, agora... o corpo se foi, todavia o sentimento permaneceu, e isto era tudo que ela possuía.
Demorou muito tempo para separar-se do balanço, da rosa e daqueles olhos molhados. Os olhos que a vigiavam, cheios de amor e sonhos a ser realizados. Ah, que daria a vida parar tocar-lhe por um único segundo de realidade.
A seguir, tocou no rosto deles, seus pais, imagens vivas de afeto e carinho, palavras cortantes, perfuradoras, mas sempre verdadeiras.
Sua mãe chorava no quarto desesperadamente, dolorasamente, chutava e socava os lençóis, os travesseiros, e tudo que se encontrava pela frente. Ela podia sentir a dor emanar de toda aquela raiva, de toda aquela tristeza.
- Não! Por quê, por quê, por quê?
Ela também não entendia por quê, mas sabia da realidade desde pequena, enquanto segurava com as mãozinhas tão frágeis a beirada da porta. Tinha seis anos e acabara de perder o pai, e sua mãe acabara de perder o amor de sua vida.
- Querida... - a dor aumentou ao ver aqueles olhinhos lacrimejando - Venha cá. - abraçou-a. Tudo vai dar certo, a mamãe promete.
Mães sempre são fortes. E ela se sentia agradecida por ter tido aquela mãe tão esplêndida e dedicada. Lembrava-se pouco de seu pai, mas sempre o vira com um sorriso no rosto, exceto quando ia dar-lhe bronca. Mais lágrimas vieram, ao lembrar que nunca pôde ter filhos. Eram apenas os dois, ela e o magnífico homem da rosa. Mas eram felizes, ah, se o eram!
Mais um pouquinho, pensou, e tocou em mais um vagalume cintilante.
Sua formatura, seus desejos, seus sonhos, seus medos antigos. Tudo veio esvoaçando até sua mente. Sua vida inteira, incrivelmente sólida e vivida. Sim, uma vida vivida, deliciosa, cheia de alegrias e decepções, cheia de perdas e ganhos. Estava feliz.
Fechou o bauzinho, enfim, mas antes fez questão de pegar tudo de dentro dele, tudo que brilhava e pulava para dentro de si, sugou cada pó, cada pequena partícula e voltou à vida de agora. Talvez outro dia fosse buscar mais e mais felicidade naquela caixa magnífica. Mas, para isso, precisava enchê-la.
E o fez.
3 comentários:
"e tocou em mais um vagalume cintilante."
que bonito. assim, a parte do sentido, bonito. Seus textos me parecem pinturas impressionistas as vezes, eu imagino os tons claros e fugindo dos contornos. Adorei o final, especialmente...terá que enchê-la. lindo, pri. você tem uma delicadeza muito só sua, sabe? adoro.
"à parte" quis dizer. =P
são maravilhosos os textos
estava com saudades de vir aqui
queria te falar que se eu não voltar aqui a tempo te desejo um feliz natal e um otimo ano novo. ^^
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