Agora eu compreendo muito bem o meu medo, o meu pavor perante a tudo que demonstre ter falta de sentimento ou vida. A verdade é tão exata, tão completa e infinita. A minha verdade, a verdade sobre o que penso, sinto e... permuto. Tudo parece agora de uma claridade crescente, como se eu tivesse colocado um par de óculos e enxergasse tudo tão mais completo.
Você nunca foi a razão de minha mudança, Vitória. Nem um pouco. Agora, após um ano do seu abandono, sei com a certeza mais certeira. Ah, como adoro redundâncias. Não sinto sua falta, não a amo e nem ao menos consigo lembrar como foi a sensação de tê-la amado. Você consegue sentir a veracidade dessas palavras? Nunca fui tão sincero. Mas nada disso é sobre você.
É sobre a minha descoberta. O sentido do meu desespero. Como agora sei os porquês de muitas das minhas perguntas, porém sem saber suas respostas. E como eu costumava chorar, enquanto tremia interminavelmente... nos seus braços. Você não entendia. E eu não conseguia explicar. De maneira alguma. Como poderia? Eu não conseguia gritar o quanto eu precisava de você, o quanto sua simplicidade me comovia, o quanto eu a invejava. Eu queria sentir o mundo como você sentia! Como todas as pessoas sentiam! Eu tinha ódio de todos, de cada pequena alma que sorria com o raiar do sol e andava calmamente de bicicleta pelas ruas quentes.
Achavam que eu tinha problemas psicológicos. E eu achava graça dessas pessoas. Invejava a sua falta de conhecimento e queria, por um momento, transportar-me para dentro de algum pensamento simples... O que comeríamos no almoço?
Mas eu não conseguia, prendia-me dentro do meu niilismo sem fim. Que paradoxo, não é mesmo? Niilismo sem fim. Que seja. Eu prendia-me a isso.
Mas quando conheci você, o amor surgiu-me mais uma vez, após tantos anos enclausurado na minha adolescência risonha e, ah, tão simples! Por alguns momentos, eu achava que conseguia esquecer de tudo. Ah, Vitória, eu conseguia sorrir verdadeiramente. Por alguns minutos eu conseguia apagar da minha alma cada detalhe de cada pensamento soturno que invadia minha mente e controlava-me sem piedade.
Por isso, agarrei-me tão profundamente a você, como se sua chama de felicidade e falta de realidade me aquecesse. Você consegue entender? É claro que não.
Mas cada vez mais comecei a descobrir o meu medo. Inicialmente achava que não me importava com nada, que minha vida não merecia existir. Isso tudo não era desespero, era aceitação. O desespero veio realmente quando apaixonei-me pelos lugares, pelas pessoas, por minha imagem no espelho, pelos livros, pelos filmes, pela sonoridade deliciosa de Chopin! Quanta coisa, quanto sentimento. E a cada vez que tudo acabava, que eu fechava um livro, que eu desligava o rádio, que dava adeus a alguém, uma dor insurpotável apossavasse de mim. E à noite tudo voltava à minha mente, aquela filosofia incontrolável, aquela metafísica que, se eu pudesse, estrangularia até vê-la sangrar e sumir do mundo.
Mas eu não podia agüentar isso tudo. Essa felicidade era muito mais dolorosa do que a minha indiferença. Vai acabar, eu pensava. Vai tudo mudar. Em um piscar de olhos.
A mudança começou quando você me deixou. Você não foi a causa. Não, não você, Vitória. Mas o que sua imagem representava para mim. Veja bem, você me proporcionou o amor que me proporcionou felicidade que me proporcionou vontade que me proporcionou o esquecimento que me proporcionou a capacidade de sentir o mundo que me proporcionou o desespero porque tudo...
Tudo é tão mutável.
O meu medo é simples. Percebo-o agora. Pode ser até mesmo um medo comum. É com toda certeza melhor sentir esse medo do que sentir o nada propriamente dito, o ermo, a falta de sentido todos os dias, a cada segundo.
É muito melhor enlouquecer de despero do que de razão.
Você não me compreende, não é, minha querida Vitória?
Certamente você sente medo do desconhecido, medo do que vem após.
Mas não se deixa dominar.
Não, não se deixe. Por que deixaria?
Não quer acabar inventando uma mentira como essa que estou inventando. Inventar uma pessoa, inventar sentimentos e sentidos, para que consiga fugir da absoluta falta de algo. Por que inventar que sente a vontade?
Sou realmente um desesperado e invejoso.
3 comentários:
Ah, QUE SAUDADE dos teus textos!
namoral, muito bom.
"Não quer acabar inventando uma mentira como essa que estou inventando. Inventar uma pessoa, inventar sentimentos e sentidos, para que consiga fugir da absoluta falta de algo. Por que inventar que sente a vontade?"
Uahu... Foi você quem escreveu? Parabéns, muito bom, adorei...
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