sempre associei a morte a um gosto. não consigo lembrar de mais nada agora, sentado neste sofá roído. nem dos seus olhos nem da sua pele macia e branca nem de nada. mas sinto o gosto. um gosto meio doce meio amargo meio saudade meio beijo, daquelas balas que enganam no início e depois se mostram sem a camada de açúcar.
no início, não houve lágrimas ou gritos. aceitei como um imposto de renda (ou se paga ou se é calado - eu me calei). vêm as cores do pôr-do-sol lamber os meus olhos como pesadas pálpebras terra e depois estou sentado na lua observando-a apoiada na janela.
a última vez em que vi você foi um até logo sussurrado aos bocejos. té, amor. levantou-se com o olhar triste, caminhou até a porta, apoiou a cabecinha na parede e piscou os olhos pra mim, distante, distante. você queria que eu levantasse, abraçasse forte e não a deixasse ir. mas eu não fiz isso.
depois você saiu com uma lágrima secreta, trancafiada a cem chaves. eu sempre consegui ver pela fechadura. não me movi. você era minha, não precisava me esforçar para continuar sendo.
como o clichê segue: você não voltou. quando recebi a notícia o sangue ainda estava fresco, lembro de correr até o local e vê-la jogada no chão, os braços agarrados a um livro de poesia. senti a ironia daquilo tudo.
não consegui chorar. voltei pra casa, apaguei as luzes, fechei as cortinas e fiquei só.
quando olho para a porta, vejo seus olhos.
o cheiro do repentino não sai do seu perfume, o gosto da morte rodeia meu tempo e o arrependimento me inunda por dentro e seca meu sertão.
5 comentários:
Vc é um monstro, Pri...Escreve muito...Q texto absurdamente fantástico!
nossa, gostei muito do que escreveu. parece um pouco com o que escrevo. eu não costumo comentar com ngm o que eu gosto, mas vc surpreendeu.
Priscila se apropria de qualquer coisa e entre as mãos surge poesia.
as vezes essa morte nem precisa ser literal e sangrenta pra doer assim...
Concordo totalmente com a nina...
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