terça-feira, abril 10, 2012

um quê de nada

era mais de meia-noite e a mulher já abotoava o vestido. o sexo tinha sido bom, o vinho, até a luz da lua tinha esclarecido alguns pensamentos nebulosos. agora, calçando os sapatos, lembrava com certa angústia que aquilo não passava de um corpo suado em outro corpo suado até o esquecimento da realidade. não que fosse romântica, não era, mas depois de tudo os olhos nem se encaravam, e quando se esbarravam eram claramente desviados para algum lugar mais interessante, quem sabe até um jarro de flores.
ela se preparava para ir com certa leveza e sem pressa. faltava alguma coisa, esperava que isso brotasse já que o olhar se preocupava mais em olhar rosas. pegou uma taça de vinho da cozinha, passou na frente dele, ficou apoiada no umbral.
- se incomoda se acendo um cigarro?
fez que não com a cabeça. agora estava deitado na cama, os olhos fechados, o corpo num relaxamento quase indizível. está tudo bem? ela gostaria que ele perguntasse. mas aquele cachorro não queria saber nem o nome dela, quanto mais o seu estado emocional. foda-se, também iria embora logo e nunca mais teria que olhar pra cara dele.
lembrou-se de umas cenas estranhas, talvez fosse o vinho fazendo efeito. a sua vó falando algo sobre o amor. o que é mesmo? ah, sim, que o amor é quando duas pessoas ficam juntas pra vida toda. tadinha da minha vó. se ela me visse agora teria morrido de novo. acho que eu queria um amor assim, que nem ela me disse, mas só pra provar no final que tudo não passa de uma farsa.
- ô carlos...
- hm?
- eu tô indo embora, viu? prazer em conhecê-lo.
- bate a porta quando sair, coisa linda.
bato, claro que bato, e bato na tua cara também. acendeu mais um cigarro, jogou o resto do vinho naquele chão limpinho e quebrou a taça acidentalmente do lado da cama.
tchau.

4 comentários:

Unknown disse...

Concordo que o amor não é esta coisa romântica que a avó da personagem idealizava...mas, sim, existe amor!
;)

Anônimo disse...

Agora estou sem tempo...depois escrevo! ;)

diego braga disse...

Priscila,
além da crueza dura, do fragmentário não niilista, da violência sem apologia à barbárie, sua prosa tem uma sensibilidade de sondagem das emoções. É algo como o Rubem Fonseca escrevendo uma carta de amor à Clarice Lispector. Ou talvez ainda mais inusitado.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.