quarta-feira, junho 11, 2008

Digitais adormecidas.

Não deveria estar ali. Mas simplesmente estava. E agora era inevitável. Uma vez sentido o gosto da amargura, ele torna-se eterno em seus lábios. Não conseguia nem ao menos piscar, com medo de perder algum detalhe mínimo, algum movimento surpresa, mesmo que estivesse a uma distância absurdamente infinita. Os óculos de sol estavam escondendo seus olhares furtivos para o resto do mundo que passeava pelas ruas despreocupado.

O taxômetro marcava mais de cinqüenta reais. Porém não fazia diferença. Ela poderia ficar ali por séculos, mordendo os lábios, apertando o revólver que estava contido dentro de um pano negro de veludo. Como ela era clichê! E sabia disso. Uma mulher de meia idade, enciumada, planejando encontrar o marido em flagrante e matá-lo com a amante de vinte anos, loira e gostosa. Sentia tamanha repugnância disso, tal como seu orgulho pedia para ela sair dali imediatamente, voltar para casa e pedir o divórcio.

Mas a descrença não lhe permitia fazê-lo. Não, não! Por mais que as evidências fossem claras, claríssimas, ela precisava ver, cheirar, sentir o poder da traição e do desapontameto. Porque era isso que a movia até ali. Aquela incerteza tão certeira! Ah, como desejava ser mais jovem, mais bela e mais segura de si. Lembrava-se dos primeiros anos de casamento, quando tudo era eteno, eu te amo e morrerei ao seu lado. Ela realmente acreditou naquilo tudo. Por que não acreditar quando se tem o mundo aos seus pés, uma paixão indefinida e uma beleza invejável? Por que não, meu deus?

Agora era o reflexo da realidade descoberta. Não só neste momento, mas já há alguns anos. Obviamente, a quebra dos sonhos é gradativa, na maioria das vezes, como em seu caso. Mas há o tipo horrendo, que, com apenas uma pancada, quebra-se em migalhas. Talvez este último às vezes seja o mais justo, mas é certamente o mais doloroso.

O taxista nada falava, porém sentia a deteminação da mulher misteriosa. Pensava que, se não fosse ainda apaixonado por sua esposa falecida, talvez ficasse encantado com o jeito desta bela senhora. Não olhou, não ensinuou, não mexeu a cabeça: devia pôr-se em seu lugar de empregado, naquele momento. Parecia-lhe que sua passageira não estava muito para palpites ou confabulações para passar o tempo, tempo este que ele próprio não sabia para que estava sendo gasto. Suspirou.

Estava tão nervosa que tinha tiques de cinco em cinco minutos. Cruzava e descruzava as pernas. Grudava o nariz ao vidro. Sentia a vontade louca de gritar suas pétalas queimadas para que todos pudessem entender seu sofrimento antecipado. Mas nada poderiam fazer. Nem um pouco. Não foram eles que seguiram os maridos, logo de manhã, com a desconfiança fluindo por todo o corpo, não eram elesque estavam dentro de um táxi, esperondo algum sinal de…

E o sinal veio. Veio potente, como a luz. Ela apertou com mais força o pano de volume fortemente marcado por suas unhas. Os olhos, mais abertos do que nunca, estavam tão claros como a água mais limpa do oceano; E ela engoliu o sal, ah, se o engoliu. Com areia, conchas e o que mais viesse. A água inteira, todos os mares entraram por seus olhos e foram fundir-se com o coração. Ela encostou na porta do veículo. Ia sai de lá, rapidamente, enfiar duas balas naquele maldito e ser presa logo depois, porque não teria coragemde tirar a própia vida de merda.

- Senhora?

Ela estava parada lá há duas horas, a mão ainda na porta, as unhas ainda rasgando o veludo. Os olhos abriram-se de repente, como se fugitivos de um sonho. Respirou fundo. Não ia chorar. Não agora. Não, já passou. Acabou.

- De volta para o lugar em que me buscou, sim?

O taxista obedeceu. Puro instrumento fático. A casa aproximou-se, o sentimento nela foi surgindo. Agora assim era o desgaste da comprovação. A pílula da falta de coragem e suicídio interno.

Abriu a porta do lar. Ele estava sentado no sofá, fazendo seus cálculos. Olhou para ela e sorriu. Ela soriu de volta. Por onde esteve, meu amor? Ah, amor. Seu amor sou eu? Beijou-lhe na boca. Foi para o quarto, guardou o pano aveludado e passou a mão pela gaganta, como se fosse capturar o grito preso dentro de si.

Adormeceu uma e acordou outra. Agora, sim, tinha a certeza que corrói: [sobre]viveria em paz.

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