Queria saber por quê. Um motivo, uma circunstância circunscrita.
Por que estava em frente ao espelho, escondido, vestindo-se como uma mulher, a maquiagem forte, o batom vermelho, as poses sensuais? E por que, alguns segundos após, sentia-se repugnado de si mesmo, cuspia em seu reflexo e começava a chorar?
Não sabia o que pensar, pois não sabia de mais nada. Apenas sentia o peso doloroso da consciência em cima de seus cabelos, deixados longos por motivos óbvios de gostos musicais. É claro que nunca se havia penteado os cabelos sedosos por horas seguidas, apaixonando-se por si mesmo a cada passada de pente, é claro, claro que não, simplesmente.
- Você não me pode impedir. Já tenho dezessete, o cabelo é meu. Quero-o assim.
E inicialmente fora por paixão ao rock. Admito. Ele queria parecer revoltado, queria conquistar umas meninas fáceis, queria ser, como todos o querem, diferente. Conseguiu-o. Usava uma jeans rasgada, com símbolos nada religiosos, apenas blusas de bandas estrondosas, óculos escuros finos e redondos e tinha uma tatuagem de uma adaga em seu pulso.
Seu pai nunca aceitara tal situação. Gritava, xingava, batia as mãos na parede. Seu filho parecia não importar-se. Ah, mas se importava! Muitíssimo. Aquilo tudo era apenas carência afetiva, de fato. Mas como as pessoas são cegas…
A situação agravou-se quando o lápis de olho e o batom negro vieram à tona. Seu pai agonizou. Todos os dias, sem falta, desde manhã até a noite jogava indiretas bastante diretas. Mas ninguém vive somente de olhares enviesados.
Chegou o dia em que, colossalmente, o homem explodiu:
- Mas tu é um gay de merda.
Um gay de merda.
Um gay de merda.
Tu não é meu filho, diabo!
O garoto riu-se. Gay, ora se fosse! Riu-se ainda por todo o dia e mais além. Na verdade, passou um mês inteiro rindo. E as acusações continuavam. O pai era impiedoso. Os olhos em fúria, as lágrimas vertendo. Gritava pela casa que aquele não era seu filho, que odiava o dia em que ele viera ao mundo, que, se pudesse, matar-se-ia de remorso.
E aquilo, de certa forma, começou a importuná-lo. Começou a perceber que já tinha atenção suficiente. Sim, já a tinha. Agora, finalmente, poderia…
O poderia permaneceu no tempo verbal em que merece permanecer para sempre.
O homem deu um tiro na cabeça.
O garoto já tinha dezoito anos nessa época. Pode-se perceber a gradatividade da coisa. Não lançou uma única lágrima no velório. Jogou-lhe um lírio no enterro.
Quando encontrou-se sozinho, começou a remexer os dedos incontrolavelmente, os pensamentos voavam por sua cabeça. Então chorou. Quase um crocodiliano. Respirou fundo e foi até a penteadeira. Passou o batom fortemente por todo o rosto, pela testa, pelo nariz, pela boca. Emplastrou-se de perfume francês. Colocou o vestido de sua mãe mais curto e foi até o espelho.
Olhou fixamente para dentro dos seus olhos e disse:
- Por quê? Porque tu é um gay de merda.
Uma mentira, repetida muitas vezes, pode tornar-se verdade. Uma mentira, dita por alguém que nunca mais poderá desmenti-la, é, de fato, uma verdade absoluta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário