- Qual o gosto da vida? - a doce menina perguntou e mexeu nos enrolados cachinhos que caíam por seus ombros.
E ela começou a pensar, a pensar, a pensar no gosto da vida. Ergueu as sombrancelhas, mordeu um pouco os lábios. O gosto da vida? Queria que a resposta resumisse-se a uma bala de hortelã. Mas a vida, a vida, a vida, como já dizia Cecília, é muito mais do que isso. Fechou os olhos profundamente, tão veloz que sentiu a luz misturar-se com escuridão. Lembrava-se da brisa das manhãs de sábado que nunca mais havia vivenciado. Aquela sensação eterna de que tudo perdura, tudo. Mas hoje sabe que nada o faz. Que verdade mais relativamente absoluta!
Não, não sabia qual era o gosto da vida! Não sabia nem mais qual era o gosto da manhã e da tardinha. O que vinha em sua cabeça era uma caixinha de música tocando aquela melodia que sua avó costumava cantar antes de ir dormir… nada de gosto, apenas o som magnífico…
- Eu… não sei. - respondeu a mulher, de porte forte e seguro.
- O gosto da vida é hortelã, bobinha!- a criança sorriu sapecamente.
Ela piscou os olhos muitas e muitas vezes. Hortelã? Ela havia pensado nisso! E lembrava-se desse gosto, tão forte, tão puro, tão cheio de significado. Tantas manhãs de sábado, pegando a bicicleta, voando pelas ruas, apostando corridas. Manhê!, me dá um real pra “mim” comprar chiclé na padaria! E riu-se por dentro, com a lembrança da doçura com que sua mãe, já falecida, dava-lhe uma moedinha pelo final de semana inteiro.
- Moça, eu não sei… - a menina voltou com sua expressão indignada de interrogação. - Juro que não sei!
- Não sabe o quê, querida?
- Não sei por que o céu é azul.
Por que o céu é azul? Se fosse há 30 anos atrás diria que é azul porque as fadas jogam pó de anil das nuvens. E quando ele chegava na terra… ah, ah! Ele transformava-se em oceanos e as fadas em sereias. Hoje em dia sabia da explicação científica sobre reflexão e ondas, mas como ia explicar isso à menininha? Ela nunca entenderia nessa idade, não, definitivamente. Por falar nisso, ela lhe lembrava alguém de sua infância…
Poderia inventar-lhe uma estória, a sua estória fantástica e pueril!
- Bem… ele é azul devido ao pó de anil.
- Pó de anil?! - ela arregalou os olhos.
- Sim! É o pó que as fadas jogam das nuvens, colorindo o céu inteiro de azul. Jura que não sabia?
- Não… - ela pareceu realmente muito surpresa. - Você tem um pouco de pó de anil?
- Não, mas sei onde você pode conseguir muito - segurou um pouco a respiração e prosseguiu. - Quando o pó de anil desce até nós, ele forma os oceanos e as fadas tornam-se sereias.
- Então, quando encosto na água do mar, estou encostando no azul do céu? - ela pareceu maravilhada.
- Extamente! E talvez um dia possamos ver uma sereia!
Os olhos da menina bilharam profundamente. Suas mãozinhas eram de uma delicadeza profunda. A mulher olhou o relógio algumas vezes e começou a jogar milho para os pombos que estavam ali perto. A menina parecia impaciente para fazer mais perguntas, e a mulher parecia estar esperando alguém importante. Enquanto isso, os balanços da pracinha, vazios, balançavam sozinhos, solitários, empurrados pelo vento. Os escorregadores deslizavam a poeira da terra e as gangorras estavam equilibradas, sem peso em nenhum dos lados.
- Para que servem os países? - ela explodiu, como se não agüentasse esperar de curiosidade.
Essa era uma pergunta sem resposta. Porque, até hoje, ela questionava-se sobre isso. Não sabia e ponto. Queria que tudo fosse de todos e sem mais conversa. Mas o mundo precisa de fronteiras, de guerras, de economia. O ser humano cresce e quer o que é seu, como se realmente a posse existisse. Que falácia mais acreditada.
Sentiu o peso de sua respiração e de repente lembrou de suas responsabilidades. E quis lamentar-se, pois pareceu-lhe que seu cliente não viria ao encontro marcado. Precisava, portanto, ir embora.
- Os países não servem para nada, menina. Apenas para causar conflitos egoístas.
A menina mordeu os pequenos lábios. A mulher sentiu-se tão hipócrita por aceitar tantas coisas e ter deixado seus questionamentos de lado. Levantou-se, pegou sua mala e fez um carinho na cabeça da menina.
- Qual seu nome, pequeno anjo?
- Luciana - ao proferir a palavra levantou-se e saiu correndo, dando adeus com as mãos e o rabo-de-cavalo balançando.
A mulher teve seu coração acelerado. Pôs uma das mãos sobre seu cabelo cacheado, e passou os dedos sobre ele, enquanto via a menina desaparecer por entre a fumaça daquela tão conhecida rua, agora inteiramente quebrada para a construção de um viaduto.
Agora lembrava-se de onde conhecia o rosto daquela criança.
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