sexta-feira, agosto 22, 2008

repentino.

Não que seja um ressentimento, não, é menos que isso, é uma indiferença total. Uma entrada pela porta, um bom-dia casual e causal, tão automático, um suspiro longo e demorado. Os olhares eram trocados, mas olhavam para o absoluto nada, não era sobre essência que existiam, mas sim sobre forma. E a forma também era deformada, apesar de ainda guardar um resquício de lembrança longínqua.
Não sei quando deixei de amar (não há você, nada transita, tudo sempre foi), simplesmente. Mas um dia você sorriu para mim e eu não quis achar graça. Veja bem, eu achei. Mas não quis. Uma força dentro de mim dizia que não havia nada do que rir, enquanto meu cérebro maquinava os músculos em uma expressão única de alegria. Perguntava-me, então, por que você havia dito aquilo. Por puro impulso da forma ou realmente pela essência? Mas talvez você não fosse tão mesquinho quanto eu…
Indefinível. Sei que é. De todas as razões, não consigo encontrar uma que seja real. Lembro-me do sorvete, lembro-me muito bem. Eu queria de morango, e você de flocos. Depois trocamos as casquinhas, porque queríamos compartilhar até mesmo o gosto por sorvetes. Sabe de uma coisa? Eu nunca gostei de flocos. Nunca. E quis cuspir naquele maldito preto e branco que você empurrou tão impetuosamente para mim. Mas eu comi, comi realmente achando aquilo delicioso, porque os sentidos estavam-me enganando. Você sabe, os sentidos enganam demais.
Depois, quando voltamos pelo parque, eu tive os olhos brilhando quando você começou a gritar que me amava, que me queria e que eu era, que eu era, que eu era o amor da sua vida. Eu só conseguia gritar, que horror!, Você também!. Vamos nos casar? Vamos! Que grande idéia. E o que eu pensava sobre casamento, sobre ser-só, sobre a vida foi massacrado pelas suas ideologias altamente influentes. E banais. Sempre as odiei. Nunca pretendi casar-me com você.
Mas casei; foi pelo piano, unicamente, tenho certeza. Não posso negar o quanto amei e ainda amo os seus dedos corriqueiros, a melodia interminável e o fato de você não olhar para mim enquanto tocava. Você olhava para o instrumento, como se ele o fosse nutrir, como se fosse o porquê de estar vivo. Naqueles momentos, eu desexistia para você, e isso me fazia livre. Livre em mim mesma. Pois sentia falta de não ser compreendida e de ter alguém a quem não compreender.
Na verdade, talvez nunca tenha amado. Porque era dificultoso sentir, abraçar, possuir saudades. Sentia dor física para poder sofrer pela ausência, entende? Procurava necessidades para dar sentido às coisas. Elas nunca tiveram sentido algum. Você estava sempre feliz ou sempre triste, era tão irritantemente extremo. Enquanto eu apenas era. E era, e fui e fiquei.
Eu não sei por quê, mas não estou afetada. Nem um pouco. Não consigo nem ao menos chorar. E isso, finalmente!, está-me abalando. Sempre chorava com os filmes, mas não com a vida. Juro que queria chorar agora, bater com a cabeça, vomitar durante uma semana escondida no banheiro. Depois ter que ir ao psicólogo.
Não sinto nada disso. E por isso acho que nunca amei. Era tudo mentira. Mentira, escutou? Mentira. Acho que estou repetindo essa palavra para mim mesma há muito tempo. Estou quase inteiramente convencida.

Não se intrigue. Se eu não choro pela vida, por que choraria pela morte? Talvez esteja aí a minha resposta.

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