estou grávida de mim mesma. a descoberta foi feita de repente: de inesperado, eu estava para nascer. como isso foi acontecer eu não sei. contei tudo certo, cada pequeno detalhe, cada escapada louca para dentro de um quarto aos fogos de artíficio.
você já viu os fogos de copacabana? eu só gosto de vê-los através do mar. eles se refletem e ficam tão mais bonitos do que realmente são. tão mais ser e tão menos estar.
em um dia desses, passeando pela praia à noite, olhando os brilhos coloridos nas águas, senti algo me chutar. profundamente. chutava querendo sair, querendo gritar, liberte-me! fiquei com medo. o que poderia ser?
não é nada, repeti para mim mesma. devo ser algum efeito colateral de tanto orvalho que tenho bebido.
já lhe disse o quanto gosto de beber o suor das coisas? às vezes a lua pinga pinga muito, e eu fico deitada de boca aberta recebendo sua essência para dentro de mim. as coisas suam, suam de calor, suam de frio, suam apenas por serem. e é um suor delicioso e sagrado.
mas não era efeito. era dor, dor de parto, uma dor que somente cresceria, porque o que estava dentro de mim exigia liberdade.
não passaram nove meses. que absurdo se passassem! foi muito rápido: estava grávida e o que estava dentro de mim explodiu.
pensei em abortar, não mentirei. estava carregando a minha barriga imensa que não parava de crescer a cada... (posso chamar isso de segundo?)... que corria. fui a uma clínica clandestina e pedi: por gentileza, um aborto, rápido e indolor, não quero isso que carrego. a resposta foi-me dura e repentina: não podemos, senhora, já passou o tempo para isso, abortar agora seria a morte do seu filho e também a sua.
então eu morreria junto com o que estava se apossando cada vez mais de mim. e não era isso que eu mais temia? a morte. então aceitei o destino - seria mãe de algo que nunca concebi.
nos segundos que se passaram (e que na verdade eram só um momento), senti enjôos, náuseas, sangrei e senti vontade de agarrar-me a alguma centelha de de vida que não fosse ausência. porque eu precisava de alguém comigo, alguém que me amparasse, que segurasse meus cabelos, que me ajudasse a levantar quando eu escorregava. será que escorreguei de propósito?, me perguntava. será que escorreguei para matar o que eu carregava, porque não queria tê-lo?
não sei. mas tudo que eu conseguia fazer era colocar todo o suor que havia bebido para fora do meu corpo, como se me estivesse limpando do mundo.
mas eu não queria ser limpa! meu deus, claro que não! queria continuar suja, suja, suja. com o suor de tudo misturado ao meu suor, com o suor de tudo invadindo minhas veias.
quando não havia mais como adiar a vinda do que estava dentro de mim, respirei fundo. eu sei apenas que, conforme aquilo se ia desprendendo, percebi que era meu e que eu era a luz, pois eu estava dando e recebendo. eu era a luz que dá à luz.
não preciso dizer o quanto morri quando nasci. o quanto não tinha mais o mundo dentro de mim, o quanto estava limpa e órfã e perdida. estava órfã de mim mesma.
a minha alma suja sumia no mar, sendo carregada pelo suor das águas até o fundo.
e eu agora começo a me sujar e encontrar-me através das pegadas que havia deixado para sempre na areia. seguirei novos caminhos, mas sei da trilha por onde passei.
foi assim que engravidei, morri e nasci.
4 comentários:
Acho que estando sempre dando à luz a nós mesmos. cada descoberta, cada mudança é um parto. E a analogia é muito boa, pois dar a vida é lindo, mas também pode ser doloroso, sofrido. Mas no fim, a mágica, a satisfação desse ato torna todo o sofrimento válido. :]
D : texto esquisito, de verdade. me deu medo D :
tipo, pelo lado positivo, nesse parto não a dor física. Mas, dor física nem é tão ruim, mas é dor. Sei lá. beijos, beijos.
Legi.
Album.
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