sábado, agosto 08, 2009

roda-pé.

- você pode ficar só mais um pouquinho?
sorriu, e as migalhas caíram de suas mãos. como se mais um dia inteiro tivesse passado em vão, naquele tempo sem relógio, onde a noite e o dia ou o dia e a noite e as tardes são todas iguais. era como uma cadeira de balanço quebrada: você quer balançar, mas não consegue; quer dormir, mas ela range.
o sorriso foi pequenino, tímido, medroso, mas ainda assim conseguiu gritar para o mundo alguma coisa disforme, profunda, pingando de sentimentos. ficou muda, paradinha, os olhos piscando. fica, por favor.
não sabia direito o que estava fazendo: tirou as sandalinhas, o lenço que cobria seu pescoço e estendeu a mão nos pensamentos. nenhum movimento. a janela ainda ventava sem cortina, o mundo em holofotes lá fora.
o vento frio entrou e congelou o quarto devagar. mas ela não se moveu.
- disse algo?
- disse.
- o quê?
- posso te contar uma mentira?
- por quê?
- posso?
- pode.
- eu te amo.
- isso é uma mentira?
- não. mas tudo o que está por trás disso é.
- incompreensível. preciso ir, te vejo amanhã.
fica.
foi e fechou a porta. a janela aberta. frio frio frio. o quarto deliciosamente inundando dos cantos até o teto, do teto até a janela, da janela até o mundo. e o mundo lá fora indiferente, se deixando inundar, mar lacrimar de pessoas-peixes.
ia morrer afogada. procurou as migalhas no chão. morreria com dignidade. catou-as, meteu tudo no bolso.
mas o bolso estava furado.
ele voltou no dia seguinte. o cheiro salgado alastrando a casa. a cadeira de balanço úmida e com vontade de balançar. o silêncio estava mudo.
o rádio ligado no quarto. chopin pianotava por ali.
- meu bem?
- tive um sonho.
- sonhou o quê?
- sonhei que a casa era um oceano e que eu podia nadar, apesar de morrer afogada logo depois.
- deus me livre!
- posso ao menos nadar e voar nos meus sonhos...
- deixa de besteira, isso é coisa de artista. vou te levar para dar umas voltas.
- não quero. quero ficar aqui.
- eu não gosto de ficar aqui dentro, preso.
- eu sou presa aqui dentro ou lá fora, qual a diferença?
- não quer passear?
- não.
- vou embora.
fica.
vai.
fica.
fica.
vai.
me empurra para um mundo em que o voar sejam passos no chão; me empurra até que eu não precise mais ser empurrada.
ele foi embora.
ela ficou deitada. a cadeira de balanço estava longe, longe.
voltou a sonhar.

5 comentários:

B. disse...

viajei legal 0.0

yuri braga disse...

não consigo parar de te ler.
caramba!

Antônio Sozinho disse...

caralho, que bonito!

Ana Luiza disse...

Adorei seu blog! Achei ele na comu da Rita :D
Bom,retribua a visita qualquer dia desses?
Meus parábens!
;)

Sargento Azul disse...

Ent�o...estarrecedor.
Adorei!