- você pode ficar só mais um pouquinho?
sorriu, e as migalhas caíram de suas mãos. como se mais um dia inteiro tivesse passado em vão, naquele tempo sem relógio, onde a noite e o dia ou o dia e a noite e as tardes são todas iguais. era como uma cadeira de balanço quebrada: você quer balançar, mas não consegue; quer dormir, mas ela range.
o sorriso foi pequenino, tímido, medroso, mas ainda assim conseguiu gritar para o mundo alguma coisa disforme, profunda, pingando de sentimentos. ficou muda, paradinha, os olhos piscando. fica, por favor.
não sabia direito o que estava fazendo: tirou as sandalinhas, o lenço que cobria seu pescoço e estendeu a mão nos pensamentos. nenhum movimento. a janela ainda ventava sem cortina, o mundo em holofotes lá fora.
o vento frio entrou e congelou o quarto devagar. mas ela não se moveu.
- disse algo?
- disse.
- o quê?
- posso te contar uma mentira?
- por quê?
- posso?
- pode.
- eu te amo.
- isso é uma mentira?
- não. mas tudo o que está por trás disso é.
- incompreensível. preciso ir, te vejo amanhã.
fica.
foi e fechou a porta. a janela aberta. frio frio frio. o quarto deliciosamente inundando dos cantos até o teto, do teto até a janela, da janela até o mundo. e o mundo lá fora indiferente, se deixando inundar, mar lacrimar de pessoas-peixes.
ia morrer afogada. procurou as migalhas no chão. morreria com dignidade. catou-as, meteu tudo no bolso.
mas o bolso estava furado.
ele voltou no dia seguinte. o cheiro salgado alastrando a casa. a cadeira de balanço úmida e com vontade de balançar. o silêncio estava mudo.
o rádio ligado no quarto. chopin pianotava por ali.
- meu bem?
- tive um sonho.
- sonhou o quê?
- sonhei que a casa era um oceano e que eu podia nadar, apesar de morrer afogada logo depois.
- deus me livre!
- posso ao menos nadar e voar nos meus sonhos...
- deixa de besteira, isso é coisa de artista. vou te levar para dar umas voltas.
- não quero. quero ficar aqui.
- eu não gosto de ficar aqui dentro, preso.
- eu sou presa aqui dentro ou lá fora, qual a diferença?
- não quer passear?
- não.
- vou embora.
fica.
vai.
fica.
fica.
vai.
me empurra para um mundo em que o voar sejam passos no chão; me empurra até que eu não precise mais ser empurrada.
ele foi embora.
ela ficou deitada. a cadeira de balanço estava longe, longe.
voltou a sonhar.
5 comentários:
viajei legal 0.0
não consigo parar de te ler.
caramba!
caralho, que bonito!
Adorei seu blog! Achei ele na comu da Rita :D
Bom,retribua a visita qualquer dia desses?
Meus parábens!
;)
Ent�o...estarrecedor.
Adorei!
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