quarta-feira, novembro 18, 2009

sussurros em forma de olhar no gramado noturno.

- meu amor, a vida corre. -
aqui estou, passageira do orvalho,
contando as estrelas através das batidas do seu coração
esperando, calma e serena, o mundo girar mais uma vez
e as nuvens se transfigurarem como algodão-doce em mão de criança.
- meu amor, meu sussurro é silêncio que chora. -
olho suas mãos mal-feitas, as unhas crescendo tortas,
as notas do piano marcadas em suas digitais.
toca uma música?
isso, passeia os dedos pelo meu corpo e me faz acorde sem som.
a pele nunca fala. ela transpira.
- meu amor, preciso de oxigênio. -
que eu já não posso respirar esse ar ora doce ora contínuo ora amargo ora lúcido. porque me corrói, viver está me matando.
sinto cada estrela morrendo comigo, sinto cada lua iluminando meu túmulo.
- meu amor, o dia termina. -
e o silêncio vai silenciando. meus lábios tornam-se botões de rosa para nascer amanhã. cada gota de verdade se perde nos poros sem fim.

meus olhos chamam a aurora: a noite estrelada, os sussuros cadentes... morrem com o brilho cansado do sol insistente de cada dia.

quarta-feira, novembro 11, 2009

~

sempre associei a morte a um gosto. não consigo lembrar de mais nada agora, sentado neste sofá roído. nem dos seus olhos nem da sua pele macia e branca nem de nada. mas sinto o gosto. um gosto meio doce meio amargo meio saudade meio beijo, daquelas balas que enganam no início e depois se mostram sem a camada de açúcar.
no início, não houve lágrimas ou gritos. aceitei como um imposto de renda (ou se paga ou se é calado - eu me calei). vêm as cores do pôr-do-sol lamber os meus olhos como pesadas pálpebras terra e depois estou sentado na lua observando-a apoiada na janela.
a última vez em que vi você foi um até logo sussurrado aos bocejos. té, amor. levantou-se com o olhar triste, caminhou até a porta, apoiou a cabecinha na parede e piscou os olhos pra mim, distante, distante. você queria que eu levantasse, abraçasse forte e não a deixasse ir. mas eu não fiz isso.
depois você saiu com uma lágrima secreta, trancafiada a cem chaves. eu sempre consegui ver pela fechadura. não me movi. você era minha, não precisava me esforçar para continuar sendo.
como o clichê segue: você não voltou. quando recebi a notícia o sangue ainda estava fresco, lembro de correr até o local e vê-la jogada no chão, os braços agarrados a um livro de poesia. senti a ironia daquilo tudo.
não consegui chorar. voltei pra casa, apaguei as luzes, fechei as cortinas e fiquei só.
quando olho para a porta, vejo seus olhos.
o cheiro do repentino não sai do seu perfume, o gosto da morte rodeia meu tempo e o arrependimento me inunda por dentro e seca meu sertão.