terça-feira, março 03, 2015

meu amor

é de vento esse chamado
último eco de pedido
mar que destrói a pedra
ah, mas já é tanta areia...
é carta extraviada
com endereço já falido
mas cheia de palavras
"você" "nós" e "nó"
o álbum está vazio
que a memória é fugitiva
dos sete mares navegante
aindassim, nunca esquece seu cais.
quero chorar. há como ser mais sincera? preciso me confessar ao mundo para que você me escute? não há nada que, como flor, não deixe para trás perfume e pétalas, e para o que vem apenas esse rastro tão doce e passageiro.
posso ter um dia para chorar? e que não me impeçam, que eu narre em duas mil palavras e tantos versos o inevitável, que não deixa de ser doloroso e incrédulo.
nessa noite de fim de mês, de fim de verão, de fim!, eu guardo para outra vida o que te prometi.

diálogo

- vera, será possível que estava cega? que não vi, em momentos tão dolorosos, o que estava por trás de um sorriso falso, de um piscar de olhos inconstantes? que não se pode abraçar o mundo, mas talvez apenas sete pessoas em toda a vida?

- acácia, há momentos em que precisamos contemplar. sentar-se numa praça, os braços tranquilos, os pés balançantes como os sentimentos, o olhar perscrutando o passeio dos jovens namorados, das crianças correndo em busca de cada segundo novo. deixar as lágrimas virem, que a dor é isso: um conjunto de oceanos caindo em nosso corpo, com o peso das horas passadas e das palavras não ditas. é preciso ter raiva, mas deixar que ela vá embora junto com esse dia que demora a passar e aceitar que talvez em alguns meses ela volte com outra forma que já não ela mesma.

- mas o que faço com essas cartas, com as marcas nos móveis? os lábios que ainda não saíram dos copos e os pés que estão como defuntos na soleira de minha porta!

- rasgue as cartas, quebre todos os copos e taque fogo nessa casa, que agora já não é morada de ninguém, mas uma assombração viva, que precisa ser enterrada. incendeie tudo junto com seus cabelos que carregam sílabas tão soluçantes, pedidos que já se tornaram ordens e depois jogue as cinzas num mar escuro, para que se percam e nunca se atrevam a voltar.

- e como vou viver?

- nem que seja uma sonâmbula que vague perdida pelas ruas, nas estradas como fantasma, errante até encontrar um caminho, porque mais vale ele que a chegada até a próxima morada. e quando enfim encontrá-la, sente, descanse, e chore baixinho a pequena e angustiante felicidade que já nasceu nos trilhos.