segunda-feira, novembro 28, 2016

o de repente, filho do tempo, casou-se com a paixão.
viveram felizes até que de repente se olhou no espelho:
estava todo desrepenteado pela paixão.
pegou o pente, presente do seu pai, e se repenteou.
quando a paixão se encontrou com ele, não o reconheceu mais. chorou.
e o de repente também nem sabia mais de onde tinha vindo, quem era aquela mulher e o que estava fazendo ali.
se separaram. de repente voltou para o colo de seu pai.
a paixão, sempre sem rumo, foi.
passou pelo espelho e viu o pente. foi tentar também repentear seu cabelo, mas não conseguiu.
o pente quebrou. revoltada, quebrou o espelho.
e não é que dos cacos no chão ela se viu diferente... uma ali, outra aqui. ela era o mergulho num caleidoscópio.
agora, sim, entendeu porque de repente se foi.

segunda-feira, novembro 21, 2016

às vezes a gente se perde
que nem chuva em dia de domingo 
que saudade da praia!
o coração é só nublagem 
não dá pra ver mar
nem quem a gente era
o passado assombra
faz guerra, mata os soldados
mas traz espelho, mesmo um quebrado.
no meio dessa crise
um pouco nossa
as vezes só minhas
esqueço a crase 
me perdoa?
não tenho cabeça pra fala
nem pra te escrever uma carta
essa crise me entorta
acentuo o sotaque
deixo pra lá a porta.

domingo, outubro 23, 2016

maybe in another life when we are both cats

te imaginei acordando lentamente. o dia, que deveria clarear, escurecendo e trazendo uma tempestade e um cheiro de terra molhada que me lembrava da infância. acendemos um cigarro. a vida é engraçada, quando queremos que parte, uma pequena parte dela, seja o imprevisível ou uma vontade descarada de a morte ser o instante seguinte que bate à porta.
imaginei o teu cheiro junto ao meu corpo. são amêndoas amargas com frutas cítricas que invadem o quarto, como um incenso de igreja. há tanto pecado, tanta culpa cristã em imaginar qualquer coisa, que o cheiro se transforma em fumaça de cigarro depois de uma grande e gloriosa ressaca de um domingo ameno.
imaginei muitas coisas. algumas loucuras como vamos imediatamente para o paraná, porque lá deve haver bares incríveis e fumos novos para se experimentar. ou que tal pularmos nus em alguma praia no meio da noite e fazer sexo até que algum guardinha frustrado com a vida nos prenda? mas nem imagino como seja o gosto de transar com você, já que o beijo já foi uma briga de torcida organizada.
o corpo no outro, as bocas quentes, mas a mente ensandecidamente em algum lugar que não o corpo, que não a boca, quem sabe um meio termo em alguma vida passada?
desistir nem sempre é desistir. pode ser também um gosto de vida nova, de vitória, de novos caminhos. e é com essa certeza (mentira, certeza alguma) que enterro junto com essas palavras qualquer sentimento extrapolado, corrente em rio sem rumo, que sinto e grito e choro por você.

domingo, outubro 02, 2016

há em mim uma matéria de reclusão
atração por estantes empoeiradas,
o dia namorando o corpo livre
e chegar lentamente com os livros na cama. 
estar em absoluto silêncio 
e ainda assim conversar em muitas línguas
falar sobre a morte das papoulas
e sobre o que pensa quem agora acorda do outro lado do mundo.
parece que atravessei um espelho
achando que era mergulho em qualquer água
não morro afogada, felizmente
mas será que morro cortada?

quarta-feira, setembro 28, 2016

essa chuva me deu vontade de escrever qualquer coisa. então fiquei tentando lembrar de todos os poemas e contos que me vêm prontos na cabeça, e eu fico escrevendo coisas na minha mente atribulada. são muitas mulheres esquisitas, descalças, bêbadas e fumantes, perdidas com certeza, que me assombram todos os dias, enquanto vou andando pro trabalho escutando rádio. 
aparecem às vezes algumas rimas, ritmos, palavras trocadas. sempre digo pra mim mesma: vou escrever absolutamente em qualquer lugar assim que tiver um papel e uma caneta, ou assim que pegar meu celular onde não possa ser assaltada. mas chego no bendito lugar, onde quer que seja, e já estou pensando em outra coisa, como por exemplo todos os livros que tenho deixado pela metade ao lado da minha cama.
quando estou tomando banho acontece quase o mesmo, mas mergulho mais fundo em abismos. enquanto a água cai, entro em transe, vejo paisagens, nuvens obscuras, dias de sonolência em sarajevo. saio do banho e o cabelo toma minha atenção, ou a música que já começou a tocar no laptop.
mas essa chuva, esse alagamento na rua, o cigarro que fumei tão rápido me trazem de volta o esquecimento, e sinto uma pequena, mas sincera, vontade de chorar por tanta coisa que nem tive, mas já perdi.
antes quebrar pratos e garrafas
do que o coração,
que não se jogam os cacos no lixo
- remenda-se
e nunca mais é bateria do salgueiro
vira qualquer coisa desafinada,
rachado como o muro de berlim.
baby, não mexe no meu cabelo.
deixa ele assim, despenteado
fingindo que é linha em colcha de retalhos.
não me diga o que eu posso ser
aprende: há uma imensidão no que já sou
um mar revoltoso, desconhecido.
não sou a pedra que suporta e impõe,
mas o choro dessas águas perdidas
e o encontro de uma onda com a outra.

quinta-feira, setembro 01, 2016

só preciso de um maço de cigarro,
uma garrafa inteira de vodka
e teu silêncio.
não, não diga nada
cala a boca na tua inocência
na tua burrice pedante
e me deixa pensar

sobre o nada
(o choro da garota todos os dias às 3 da manhã em uma casa vazia)
sobre cada
minuto que
porta que
adeus que
você não deu
(faz mais sentido que teus olhos em mim)

o depois é sempre um antes estragado.

 
entender, entender o outro na mais profunda leveza
abraçar-lhe em silêncio, dar-lhe de comer sem questionar
cantar uma canção de outra vida, contar histórias da infância
correr na rua de mãos dadas,
pular poças como se pula oceanos:
- sempre o desconhecido, mas sempre a coragem.
um olhar que se perde na constelação que é o outro olhar,
um gesto vivo de compreensão quando se pede amor
amar como se fuera diós, rezar como se fuera hombre
ter e não ter este segundo que é belo e incrivelmente impreciso.

terça-feira, agosto 23, 2016

sentada com os pés balançando no abismo,
observando profundamente esse salto,
onde não há pássaro
nem sementes no vento
tampouco uma pétala que voa
me pergunto onde está meu all star vermelho.
estou descalça,
cansada sem um pingo de suor
por que estar estático cansa?
a verdade está aqui, nas minhas mãos pequenas
mas não sou vidente nem adivinha.
sou apenas uma pessoa sentada com os pés balançando no abismo
esperando que alguma coisa me responda
além dos ecos desse grito
que, silencioso, me abraça.
um silêncio duradouro, meu acompanhante insone
parceiro da surdez e da cegueira que sempre tive.
e o que mais sempre tive,
além desse corpo que treme, que se arrepia
e alguns passos que me trouxeram aqui?
tanto caminho pra seguir,
fui escolher logo a rua dos cacos de vidro
cheguei nesse chão,
os pés sangrando,
o mundo girando,
a roda viva.
amanhece
o dia
o sol
o frio
a flor
a ave
a dor.
e eu
aqui
sem
amar
ou crer
sou.
que só
a
noite
ser.
olho para o lado e já não tenho flores.
não é tempo de primavera.
talvez outono, porque venta
tentada nesta janela
mirando o imenso chão em que jaz uma formiga
liberta de qualquer pensamento vão.
trabalha, ao som de meus lamentos
sou quase uma cigarra desafinada
contando as folhas que caem em seu lar
- o mundo. há sempre uma casa para ir.
saudade de cheirar jasmins.
quando volta a primavera?
quando voltar minha infância
livre de beijos, de choros na madrugada.
que lugar é esse, onde agora estou sentada?
é a preparação para o suicídio?
(ao menos assim terei flores)
ou a espera de coisa nenhuma?
assim tão louca, tão incrédula,
o que será que essa formiga vai pensar de mim?
ai vida, ah!, e essa mania de ser sopro
de ser vento, de querer mandar um beijo pelo ar
sai por aí voando, tal pássaro,
às vezes semente, caindo em qualquer lugar.
queria te colocar num bauzinho
cavar fundo na terra e fazer tu virar raiz.
mas não, tu cresce, me despenteia os cabelos
não mudo, que não sou planta, talvez uma flor de liz...
e esses incontáveis poemas que fiz pra tu
com cor de almíscar, cheiro de benjoim
vai, cicatriza meu corpo pequeno e frágil
vai, me joga, me enterra, me renasce em nosso jardim.
te quero como um amanhecer que nunca vem
ou que se vem, nasce escondido
por trás das nuvens nublando o caminho
e os pensamentos sempre na marcha ré.
te quero um pouquinho
e é uma grande mentira
quero teu corpo inteiro
e os sussurros na madrugada só nossa.
um cigarro demorado e a bebida latente
das frases descontroladas
do beijo fugitivo
te quero, sei lá,
esse hálito do que poderia ser.
a vida
ela foi dar um mergulho no mar
mas no meio do caminho
havia uma pedra
a vida
ela tropeçou, pulou
e caiu no azul cheio de peixes
turbulências e idas e voltas.
navegar é preciso,
mas não o mar,
é melhor viajar de avião,
do que naufragar assim,
já tão longe,
sozinha e sem explicação.
gosto da madrugada. é o meu momento silencioso de escavar, como quem procura um baú desesperadamente, por palavras que me façam respirar em paz. 
preciso de alguns versos que compreendam o pássaro azul dentro do meu peito. que afaguem a tristeza, que me deem um dia para chorar. mente quem diz dar a mão à solidão e dançar com ela, mesmo um tango argentino. a verdade é que ela, sorrateira, te apunhala pelas costas. ou melhor, te dá a arma e mostra tua cabeça. 
conforme o dia vai amanhecendo, percebo que cavei um buraco imenso, quase um abismo. e não há nada ali dentro. 
o que me resta é enterrar as palavras que eu mesma crio e morrer soterrada. 
ah, madrugada, tu é meu túmulo e minha ressurreição.
em noites como essa,
a madrugada apontando uma arma pro teu peito,
o relógio na parede te dando avisos
ameaças, como uma casa que que transpira e te sufoca,
sim, em noites como essa,
eu já não sei como é rezar,
já não consigo lembrar onde deixei os sapatos
e os pés descalços me trazem de volta
pro chão duro, frio e amargo onde estou agora.
em noites como essa,
casei-me com as ruas desertas,
o silêncio é o único grito que me acorda
essa insônia que parece falar comigo
é surda e cega, como os passos que dou ao tentar a sorte
de tatear no escuro algo que me salve.
em noites como essa,
não tenho palavras.
tenho talvez um eco que se esconde...
(o abismo nunca pode ser tão óbvio)

segunda-feira, julho 25, 2016

mais um copo, por favor
diz a moça que bebe.
é que se morre cedo
e a vida está atrasada.
mais um verso, por favor
diz a moça que escreve.
não há hora pra nascer,
mas é que tenho pressa.

quarta-feira, julho 20, 2016

as pequenas coisas
esses gestos quase passarinhos
devagar caminham
bom dia, meu amor,
uma carta e um desejo
que a estrada seja linda
toma uma flor,
cheira devagar pra ela não morrer.
fiz café forte
pra não desmaiarmos no meio da vida
será que o ônibus espera?
espera sim.
mas o café esfria...

quarta-feira, junho 08, 2016

há outras formas de escrever poesia.
sem essa de nos papéis da vida
imaginar figuras que sombreiam outros passos.
há o vento no cabelo,
e a música fazendo o caminho sorrir.
há o chocolate esquecido na bolsa
e aquele abraço que lembra o tempo em que ainda escrevíamos cartas.
falando nisso, tenho te escrito muitas cartas.
pena que não te envio.
porque ficam aqui, as palavras
rodando minhas manhãs ainda de insônia,
e minhas noites viciadas em café meio amargo.
ah, sempre preferi as coisas doces.
mas o açúcar sempre acaba,
ou é carregado pelas formigas,
sempre mais famintas que eu.
pra onde foi minha fome?
essa que me fazia comer sopa de entrelinhas.
sim, há outras formas de escrever poesia.
mas sinto falta da sombra que me seguia,
sem ter meu corpo,
sem ter meus passos,
ah! não se pode ser pássaro todos os dias.

terça-feira, abril 26, 2016

ela levantou, foi até o banheiro e depois pegou seu café. o rito de depois das duas da tarde já dizia que perdera mais horas do que deveria se permitir, e tudo estava normal. como qualquer acordar, como todos os dias - as paredes em seu lugar, as gatas sobrevivendo, o vento sendo capaz de tocar o instrumento musical que é o penduricalho na varanda.
exceto pela goteira. demorou pra esvaziar o copo de café, assim como todos os pensamentos em sua cabeça. e de repente o silêncio completo de estar só (ou quase). a goteira. a goteira. e percebeu que algo quebrava seu momento flutuante, o segundo que se descobre que respira seu pulmão já escuro dos cigarros. havia uma goteira.
o chão estava formando um poça e as gatas bebiam tranquilas o que parecia ser uma fonte de novidade. mas não, ela bem sabia: era uma ferida na casa. precisava tomar banho. imediatamente colocou um potinho pra acabar com a poça. terminou. e já transbordava. meu deus, quanto tempo demorou no banho? como uma simples e minúscula goteira teve a capacidade de transbordar um pote daquele tamanho?
colocou um balde, e foi ao mercado. precisava lembrar, lembrar de chamar alguém para consertar aquele incômodo. logo sua casa que nunca tivera problemas de infiltração, sua casa escura e sonolenta, sua pequena gaiola de palavras! nunca húmida, sempre morna, nunca fria, sempre morna. sua morada impenetrável... uma goteira!
abriu a porta de casa, carregando compras inúteis para completar o dia. e a água já estava em seus calcanhares. aquela goteira maldita havia transbordado o balde e sua casa agora estava inundada! começou a ligar para pessoas que pudessem resolver seu problema, mas ninguém podia fazer nada por ela naquele momento.
já não havia goteira, mas uma chuva dentro de casa. jurou que podia ouvir barulhos de trovões. começou a nadar na própria sala. deu um mergulho fundo e, ao abrir os olhos, não viu mais seus móveis silenciosos ou livros empoeirados. o copo de café na mesa havia desaparecido, pois tampouco havia mesa.
estava à deriva, no meio do mar. não havia mais nada à sua volta, senão água e um céu escuro e estrelado. ondas gigantes se aproximavam, mas não sentia medo. sabia que finalmente havia deixado o deserto para trás com suas miragens atrofiantes.
o som do despertador. é hora de acordar. é hora de acordar.
pulou da cama assustada. parecia tão real. meu deus, o que estou fazendo com minha vida?
e, de repente, escutou um barulho estranho e familiar vindo da sala. era o ruído de uma goteira.

quinta-feira, janeiro 28, 2016

sobre o abismo e a queda

sou essa imensa e interminável escuridão, algo dizia em minha cabeça. não, não é uma metáfora - é o que me cabe quando não existem horas entre nós. disforme e instransponível, sou também o tempo estático que é o silêncio.
risco um fósforo: meu deus, começo a ver meus dedos! a pele sem tom definido, unhas imensas e os cabelos caindo como uma capa em minhas costas. sem espelho ao meu redor, sem ninguém a me ensinar como nascer, não posso ser mais nada senão pedaços de um rascunho deformado.
agora já consigo andar. tenho qualquer coisa chamada segundos até o fósforo se esvair. abro uma fresta na parede, taco fogo no pano que cobre o que não vejo, tudo incendeia ao meu redor. o espaço que abri: mais escuridão, mais do que me deu à luz.
há chamas por todos os lados. preciso sair. não sei se é uma janela do mundo ou um abismo. meus sentidos, que até agora não me faltaram, dizem que é o lado de fora.
vou, que só há o que ir. atravesso para onde quer que seja e sinto o peso da queda. caio tanto que parece que flutuo. já sem fósforo nenhum e o incêndio já distante, comecei a me tornar novamente escuridão. não tenho mais olhos, apenas um pulsar acelerado em meu peito dizendo adeus e sílabas soluçantes em minha cabeça.
estou indo. estou indo embora. mas só uma pergunta ainda existe dentro de mim:
de onde surgiu o fósforo?
tenho olhado muito pras paredes. sinto nelas um corpo vivo escorrendo minha solidão. são elas as únicas irmãs que me abraçam enquanto choro, que seguram minhas mãos nestes dias que já parecem uma vida inteira.
posso encostar a cabeça em sua pele fria e escutar, devagar, um ruído que são os dentes do passado, a calmaria de mastigar o vazio. há dias meus olhos são como estátuas fugindo da arte...
olho pras paredes como quem espera um milagre. espero, cansada, que desmoronem, mas cada vez mais se edificam. são como um padre aguardando a confissão. santificadas, me pedem paciência. desesperada, quase crio um altar e peço pra que me salvem.
há dias que falo com as paredes, há dias em que escrevo. não é a mesma coisa? esse pedaço de loucura que é dar a mão a si mesmo. essa espera de que uma bomba exploda na rua ou de que alguma palavra se torne, enfim, um gesto...
entender
entender a poesia e calar-se
abrir a cortina
e achar outra cortina
ver pelas frestas o dia
ou será uma música que descansa
movendo o pano,
ondulando os olhos que pedem?

segunda-feira, janeiro 25, 2016

estou faminta:
um pássaro fugiu do meu peito.
carregou em suas asas a seiva que me movia.
foi pra longe, com a voz do meu canto,
deixou o desencanto em minha morada.
arrasto o corpo ensanguentado,
a gaiola que é o meu peito rasgado
agora virou vazio
e o abismo ecoa, solitária.
saquei do porão a espingarda
e atirei no bandido
agora morto, de volta ao meu peito
já não tenho nada:
nem canto,
nem seiva,
nem asa.
a cama
que não ama
que não é lama
(às vezes sim)
não foi feita pra rimar.
é feita de silêncios
e canções repetidas
uma coisa se torna a outra
nessa minha solidão
que é sonâmbula:
escreve dormindo qualquer coisa
esse gesto de salvação...