quarta-feira, novembro 18, 2009

sussurros em forma de olhar no gramado noturno.

- meu amor, a vida corre. -
aqui estou, passageira do orvalho,
contando as estrelas através das batidas do seu coração
esperando, calma e serena, o mundo girar mais uma vez
e as nuvens se transfigurarem como algodão-doce em mão de criança.
- meu amor, meu sussurro é silêncio que chora. -
olho suas mãos mal-feitas, as unhas crescendo tortas,
as notas do piano marcadas em suas digitais.
toca uma música?
isso, passeia os dedos pelo meu corpo e me faz acorde sem som.
a pele nunca fala. ela transpira.
- meu amor, preciso de oxigênio. -
que eu já não posso respirar esse ar ora doce ora contínuo ora amargo ora lúcido. porque me corrói, viver está me matando.
sinto cada estrela morrendo comigo, sinto cada lua iluminando meu túmulo.
- meu amor, o dia termina. -
e o silêncio vai silenciando. meus lábios tornam-se botões de rosa para nascer amanhã. cada gota de verdade se perde nos poros sem fim.

meus olhos chamam a aurora: a noite estrelada, os sussuros cadentes... morrem com o brilho cansado do sol insistente de cada dia.

quarta-feira, novembro 11, 2009

~

sempre associei a morte a um gosto. não consigo lembrar de mais nada agora, sentado neste sofá roído. nem dos seus olhos nem da sua pele macia e branca nem de nada. mas sinto o gosto. um gosto meio doce meio amargo meio saudade meio beijo, daquelas balas que enganam no início e depois se mostram sem a camada de açúcar.
no início, não houve lágrimas ou gritos. aceitei como um imposto de renda (ou se paga ou se é calado - eu me calei). vêm as cores do pôr-do-sol lamber os meus olhos como pesadas pálpebras terra e depois estou sentado na lua observando-a apoiada na janela.
a última vez em que vi você foi um até logo sussurrado aos bocejos. té, amor. levantou-se com o olhar triste, caminhou até a porta, apoiou a cabecinha na parede e piscou os olhos pra mim, distante, distante. você queria que eu levantasse, abraçasse forte e não a deixasse ir. mas eu não fiz isso.
depois você saiu com uma lágrima secreta, trancafiada a cem chaves. eu sempre consegui ver pela fechadura. não me movi. você era minha, não precisava me esforçar para continuar sendo.
como o clichê segue: você não voltou. quando recebi a notícia o sangue ainda estava fresco, lembro de correr até o local e vê-la jogada no chão, os braços agarrados a um livro de poesia. senti a ironia daquilo tudo.
não consegui chorar. voltei pra casa, apaguei as luzes, fechei as cortinas e fiquei só.
quando olho para a porta, vejo seus olhos.
o cheiro do repentino não sai do seu perfume, o gosto da morte rodeia meu tempo e o arrependimento me inunda por dentro e seca meu sertão.

terça-feira, outubro 06, 2009

i[m]und?ação!

luísa abriu os olhos e deixou que as gotas de chuva entrassem em si, ardendo como chama. estava deitada no meio da tempestada sobre nuvens de concreto e pensamentos ladrilhados. a vida corria tão difícil como aqueles livros chatos e intermináveis (pedimos à nossa doce consciência que nos libere do ardoroso fárduo de terminar de lê-los, que possamos fechá-los e deixar que a poeira leve a história para o fundo do armário).
as imagens vinham à mente como assaltantes armados. chegavam, sacavam a pistola e... às vezes roubavam tudo que tinha; outras, atiravam até o sangue escorrer pelos poros em dúvida de morrer ou apenas trazer a dor. ah, era difícil. naquele momento, ela apenas queria abaixar o tom de voz até chegar a um sussurro auto-piedoso: me ajuda.
a semana inteira havia se tornado tempo de opressão para consigo mesma. adoecera, e lhe pareceu que tudo à sua volta também se tornara doentio. todos os dias, incontáveis, ia para o trabalho. luísa era professora de matemática. já fechava a porta de casa fazendo contas, contava os passos e os suspiros que fugiam impetuosos do seu peito: ah-ah-ah! 1,2,3 [x] infinito cortado (não há tempo para suspiros (nem números)). dava suas aulas, voltava para casa e ia assistir à televisão ou ler um livro. sempre gostou das palavras, apesar de ter trocado juras de amor com a exatidão. seguia a vida normal, suando e transpirando, catando um tempinho aqui e ali no final de semana para ir ao cinema. mas então a doença veio e avassalou sua vida.
teve que ficar de cama durante uma semana. e, nesse tempinho, luísa resolveu ver todos os noticiários que nunca havia visto antes (era só novela, ora essa). cada vez que uma notícia surgia, ela abria bem os olhos e prestava atenção, afinal, não é que todos dizem ser importante ser bem informado? também vou ser!
conforme as horas foram correndo, mais se fixava na cama, mais apertava os dedinhos embaixo da coberta. descobriu um canal pirata na sua televisão, um bandnews que às vezes surge mal sintonizado. prestava atenção em cada mínimo detalhe, em cada parêntesis ou vírgula que as imagens cotinham.
começou a ser o que via. quando as milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhare milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares milhares de crianças passando fome na áfrica apareciam por meio de palavras ou com a cortante presença física, luísa sentia a dor crescer e fervilhar dentro de seu peito. o estômago roncava e pedia comida, por favor, só um pouquinho, dói tanto, quero um pedaço de pão. mas nem migalhas vinham.
quando a favela aparecia, escutava os tiros rompendo do seu lado e um medo terrível perpassava todo o seu corpo. medo medo medo medo medo de morrer e nem saber por que de onde para onde como. apenas a culpa no final, e os homens de cinza com olhares de lei nos olhos espancando com porretes de falsa moral a vida que corre sem sentido para os corpos jogados nos rios no fim de tarde.
de repente os trabalhadores sendo explorados, reprimidos, sem tempo para criação ou verbo-ser. a identificação foi real. e todos os momentos abusivos se tornaram raízes por seu corpo e deram frutos de raiva e indignação.
morte, corrupção, fome, violência, repressão
- alienação?

luísa estava deitada no meio da rua olhando para o céu. queria sentir aquele chão cheio de petróleo e lembrar-se que o suor do povo estava enterrado ali. seu suor também estava, cravado e escondido, bem ao lado do da sua vizinha, dos seus amigos de trabalho, do senhor carlos, dono da vendinha de legumes que almoça para não jantar.
sua vida não poderia continuar como era antes. não depois de toda absorção e luz que ganhou graças ao que a sociedade chama de doença. a doença que teve fê-la sofrer, mas arrancou toda miopia, astigmatismo e catarata que tinha nos olhos.

a semana seguinte seria ... forte.
suas mãos agora são sangue pulsante, força que lateja e não pára.
sabia que tudo estava errado, e uma reciclagem aqui e ali não bastaria.
é preciso jogar tudo no lixo!
e criar vida nova.

domingo, outubro 04, 2009

janela entreaberta.

abri os olhos e você me olhava. amêndoas arco-íris pedindo pr'eu cantar uma música de ninar. dorme, meu bem, que o tempo lá fora nos espera, dorme, meu amor, que a vida nos exige, e o caminho é longo, descansa agora enquanto eu mexo nos seus cabelos de poesia infinita.
len-ta-men-te, você se deixou embalar pelo meu canto sereno. por um momento, pude ver a fragilidade da sua respiração leve e cheia de vida. quis sentir como você sentia. o ar entrando, saindo, paz.
cobri seu corpo macio e delicado e sentei no parapeito da janela.
olá, estrelas.
milhares de pontinhos brilhantes acenavam para mim. são os vagalumes da eternidade. eu poderia ficar ali até os fins dos tempos, tecendo, sustenido por sustenido, a doce melodia que é viver.
você bocejou sonhos. eu costurava o dia. quando a manhã chegasse, certamente o raio de sol mais forte despontaria seu rosto para um sorriso girante, como o girassol.

mas um chamado vindo de fora da janela me assustou. moça dos cabelos de corda e dos dedos de harpa! não sei de onde veio ou por que me tirou a tranqüilidade: abri as asas e voei com o orvalho caindo dos olhos, deixando tulipas nascendo por onde passava... para o azul do mundo lá fora.
quando você acordou, apenas a música ficou presa no quarto, e aquele gosto de mel-primavera querendo voltar a ser doce.
no chão, uma estrela caída ainda cintilava.
-(era um vagalume ferido)-

segunda-feira, setembro 28, 2009

até.

é tudo mentira. mesmo que todas as lágrimas que cantam para o meu sono vir secassem, eu ainda estaria de joelhos para o espelho, tentando enxergar um pingo de chuva no chão refletido.
nada é como o querer. por isso a invenção, essa magnitude viva de construir cidades inteiras com o meu desejo (e depois desabá-las com apenas um sopro de realidade). sabe, como se o que existe me doesse ou não me bastasse, como se eu quisesse mais, como se eu precisasse de um abraço longo e demorado que me arranhasse até a alma.
porque tudo é tão difícil. parece redundante falar isso quando as palavras já me são tão duras, quando você vira a esquina e leva consigo o olhar e o meu sentimento. e ele é maleável, deixa-se carregar fácil, é doce e sereno, e tem medo.
eu sentei no chão para sacudir um pouco as estrelas do céu com meu olhar delirante. vi que você estava perdido. também estava. mesmo nós dois estando com as mãos atadas como asas que voam e não voltam mais.

cena 1:
- você viu?
- o quê?
- uma estrela cadente.
- seus olhos?
- não, lá no céu.
- seu sorriso.

cena 2:
- você viu?
- o quê?
- os fogos explodindo no céu!
- não, não vi.
- ah.
- já é tarde, você está alucinando.

mas as estrelas, e o ar rarefeito, e o sereno... nunca é tarde para se agarrar às luzes que atacam meu coração. depois você levantou devagar, foi tragar um cigarro no banquinho ao lado do portão.
eu precisava tanto, tanto. ao mesmo tempo em que precisava do lado oposto. queria gritar me dá a mão; ou vai embora.
talvez eu realmente estivesse alucinando, porque comecei a rezar baixinho que deus me salvasse daqueles momentos, que o dia viesse logo e que tudo acabasse. que tudo voltasse ao normal, que eu fosse novamente luísa e não luzia sem luz.
esses são os momentos de pesadelos que se aliviam logo após acordarmos e descobrirmos que nada era de verdade. mas aquilo era real: você sentado distante na pedra, os pulsos finos e tatuados, a cicatriz dolorosa nos olhos.
cravei as mãos na terra e te esqueci. era melhor agora chorar escondida, dentro dos armários, a me encarnevivar.
levantei como uma senhora e cheguei perto: - beijei o ar carbônico que saía de você, tão mortífero quanto o olhar que trocamos.

entrei em casa e tranquei a porta. fui dormir, como se acreditasse que acordaria no dia seguinte com a saborosa lembrança distante do sonho.

sábado, setembro 19, 2009

_

tudo não passa de um olhar para dentro
e de perceber que há uma cadeira vazia,
pedindo pr'eu descansar.
meus pés estão tão cansados,
de correr pra não sei aonde.
parar é preciso.

minhas roupas já tão amarrotadas,
meus sonhos saias de algodão.
a música que toca me deixa tonta
mesmo sentada sinto o cansaço do mundo.

escondida, me guardo
nas páginas que não podem ser lidas.

quinta-feira, setembro 03, 2009

descoberta.

pura e simples,
a gota de orvalho me faz flor.
desce dos cabelos e planta sementes
no pensamento chuvoso.

coloridos são os olhos,
formadores de lacrimosas pontes,
deliciosos suspiros de madrugada passada.

de água o corpo é todo doce,
misturado ao sal das piscadas silenciosas,
pausa fora mundo dentro.

se eu voar
as gotas me choram,
mas não secam:
- escorrem, lentas,
tornam-se cobertores-retalhos de mim.

me dá um gole.

esse céu, as estrelas, seus olhos
são a bebida na escrivaninha
ao lado do papel.

o líquido multicolor
borra a folha em branco
e forma um pássaro colorido.

não preciso de palavras
para ler a poesia que do vidro escorre
e crava o vício nos lábios secos.

gatilho.

de repente você sacou a arma,
e, com um tiro,
arrancou toda minha vontade.
me deixou perdida,
fora do espaço entre nós.

fui para longe,
onde a pólvora não tinha força,
morta e com a bala pesada nas mãos.

joguei no lixo a minha tarde,
o pôr-do-sol,
todos os pulsos que me nutriam.

o sangue-sentimento é doce,
mas agora só sinto um gosto
salgado queimando minha face.

a dor voa no ar
como estalo sinfônico.
eu caio no chão
como silêncio de pausa.

quarta-feira, agosto 12, 2009

huuum-ah.

seu cheiro impregna o meu cheiro.
e o ar que eu respiro já é todo você.

o perfume é doce.
textura impermeável de choro.
gosto de maçã com açúcar.

posso lacrá-lo em um papel?
para que eu possa tê-lo só,
inspirá-lo de quando em quando,
sentir que esse cheiro vive até na poesia.

sábado, agosto 08, 2009

roda-pé.

- você pode ficar só mais um pouquinho?
sorriu, e as migalhas caíram de suas mãos. como se mais um dia inteiro tivesse passado em vão, naquele tempo sem relógio, onde a noite e o dia ou o dia e a noite e as tardes são todas iguais. era como uma cadeira de balanço quebrada: você quer balançar, mas não consegue; quer dormir, mas ela range.
o sorriso foi pequenino, tímido, medroso, mas ainda assim conseguiu gritar para o mundo alguma coisa disforme, profunda, pingando de sentimentos. ficou muda, paradinha, os olhos piscando. fica, por favor.
não sabia direito o que estava fazendo: tirou as sandalinhas, o lenço que cobria seu pescoço e estendeu a mão nos pensamentos. nenhum movimento. a janela ainda ventava sem cortina, o mundo em holofotes lá fora.
o vento frio entrou e congelou o quarto devagar. mas ela não se moveu.
- disse algo?
- disse.
- o quê?
- posso te contar uma mentira?
- por quê?
- posso?
- pode.
- eu te amo.
- isso é uma mentira?
- não. mas tudo o que está por trás disso é.
- incompreensível. preciso ir, te vejo amanhã.
fica.
foi e fechou a porta. a janela aberta. frio frio frio. o quarto deliciosamente inundando dos cantos até o teto, do teto até a janela, da janela até o mundo. e o mundo lá fora indiferente, se deixando inundar, mar lacrimar de pessoas-peixes.
ia morrer afogada. procurou as migalhas no chão. morreria com dignidade. catou-as, meteu tudo no bolso.
mas o bolso estava furado.
ele voltou no dia seguinte. o cheiro salgado alastrando a casa. a cadeira de balanço úmida e com vontade de balançar. o silêncio estava mudo.
o rádio ligado no quarto. chopin pianotava por ali.
- meu bem?
- tive um sonho.
- sonhou o quê?
- sonhei que a casa era um oceano e que eu podia nadar, apesar de morrer afogada logo depois.
- deus me livre!
- posso ao menos nadar e voar nos meus sonhos...
- deixa de besteira, isso é coisa de artista. vou te levar para dar umas voltas.
- não quero. quero ficar aqui.
- eu não gosto de ficar aqui dentro, preso.
- eu sou presa aqui dentro ou lá fora, qual a diferença?
- não quer passear?
- não.
- vou embora.
fica.
vai.
fica.
fica.
vai.
me empurra para um mundo em que o voar sejam passos no chão; me empurra até que eu não precise mais ser empurrada.
ele foi embora.
ela ficou deitada. a cadeira de balanço estava longe, longe.
voltou a sonhar.

domingo, agosto 02, 2009

Placa Enferrujada.

Precisa-se de algo
ainda não descoberto.
Pode ser de maracujá
ou quente como chocolate.
Pode ser rosa, amarelo,
negro, vermelho,
de amor, de odio, explosão!
Mas tem de preencher
ausência aberta,
falta fermentada.
Tem de curar vícios
e medo de escuro.

Precisa-se.
(por enquanto ainda na intransitividade clandestina)

sábado, agosto 01, 2009

posse de abstrato.

eu tenho uma loucura dentro de mim
que canta, dança, roda.
explode em fogo adverso,
queima as cortinas de veludo
que cobrem as palmas de minhas mãos.

sabê-la é como ler labirintos,
mapas em branco aos pedaços.
abrir o baú que a guarda
é volta ao pensar universo.

não que consiga liberdade,
fera única de dois gumes.
o que tem é meu ar,
minha vida, a paixão de acordar e ser.

como fui enganada!,
e a água que me envolve reflete o real,
ouço um riso histérico de prazer:
eu sou tida por ela.

- paciente, nunca sujeito de mim.

segunda-feira, julho 27, 2009

a madeira da beira.

a porta entreaberta,
o mundo entre farpas.
uma de suas lágrimas me olha,
mas só fumaça me cheira.

a frestra é sombra,
dança desordenada.
o cigarro me atinge,
(você fuma a dor como quem ri)

meu deus, tudo se fecha!
a luz vai embora
-acendo o isqueiro-
letreiro na porta: abismo.

sexta-feira, julho 10, 2009

desespero silabal.

você é tudo que tenho agora. você e um pouco do desespero. porque isso vem, me sacode, me machuca, me silencia, joga felicidade em forma de pílula para dentro de mim e depois vai embora. vai, voando, como uma mariposa que eu desenhei e depois fugiu do papel para o mundo, deixando-me em branco.
mas você, você não vai fugir, porque você não é desenho. você tem vida, tem asas, mas não vai a lugar algum. vai ficar aqui comigo. não vai?
ah, eu afirmo, mas não tenho certeza de nada. eu posso um dia acordar, correr até a gaveta, abrir o caderno... e você não está mais lá! nenhuma palavra.
é sobre isso que estou falando realmente?

vou te contar um segredo. eu acordei hoje à noite e o sol ainda estava no céu e as nuvens ainda desenhavam o seu rosto nelas e eu ainda consegui sorrir por um tempinho até escutar o despertador tocar e eu acordar de manhã. estava nublado. não havia nuvens nem seu rosto nem meu sorriso.
mês passado eu subi no telhado quando estava chuvendo e fiquei vendo os raios caírem por todos os lugares. desejei que um raio caísse em cima de mim, desejei sentir sentir o raio. mentira! eu queria ser o raio, queria ser raio e não...

ah meu deus, estou apaixonada por você. e escrevi tudo exatamente para que não me deixasse nunca nunca. assim: era uma vez um doce menino chamado lucas que tropeçava nas pessoas e caía no ar. um dia esse menino tropeçou em uma menina, mas ela não deixou lucas cair. não! ela o segurou pelas pernas, e os dois flutuaram por aí.
fim.

não é como se fosse uma mentira, porque não é como se eu realmente acreditasse nisso. mentira é o fato d'eu afirmar que só tenho isso agora. não, eu não tenho só isso. aliás, não tenho nada disso. não consigo nem ao menos escrever agora.
o que me resta é apenas o desespero.

domingo, julho 05, 2009

maquiagem.

sentada neste sofá,
pernas cruzadas,
salto quebrado,
visualiza o homem-gravata
abanar seu chá de maçã.

qual o problema?
ele pergunta sem açúcar.
ela corre para o banheiro
e vomita a fala na privada.

aquele gosto de bebida fermentada,
a falta de vontade de reagir.
senta-se de novo e vê o homem nu.

qual o problema?
ela pergunta adocicada.
ele corre para a janela
e sai voando para a casa ao lado.

- as marcas de batom caíram todas no chão.

domingo, junho 21, 2009

antileitura.

com toda vontade e sede
abri o livro que me continha.

deixei que o mundo me lesse.
página por página de tinta borrada,
palavras em negror profundo.

senti os dedos úmidos tocarem meu corpo,
me passearem,
interpretações à flor da pele fugidia.

mas nem toda a linguagem possível
conseguia me ditar em concretismo impessoal.
o que eu possuia era muito mais

ser indefinível e realidade que não se escreve.

sábado, maio 16, 2009

=

o sinal vermelho, mas carro nenhum. parei os pés no meio-fio, os pensamentos escorrendo pelo corpo até cair no ralo. a rua estava vazia e queria dar as mãos ao deserto que me acompanha. senti o frio vivo do vento que não tocava em nada, apenas esparramava meus cabelos para junto de sua essência feita de sopro.
ainda vermelho-sangue, pulsante, doloroso. há quanto tempo eu estava ali, à espera, tremendo e sendo desfigurada? não me lembro. o sinal verde não pisca, tudo sem nada, e eu adentrando no clima frio-árido.
as pernas não se moviam. estagnaram-se. precisava esperar a cor mudar, não, não posso correr pela faixa com essa proibição. era isso: eu estava proibida.
a chuva caiu lavando o presente. bambeei e fui esparramada na calçada, os joelhos ralados, os olhos chuvosos. você apareceu na porta do meu deserto, sussurrando: um dia de maio eu te amei amei amei um outro dia qualquer eu te nem mais lembrava apaguei a idéia do que sentia e te guardei dentro daquele globo de neve tão adorável de se sacudir e tudo se fez enfeite de natal pueril.
pisquei incontrolavelmente. pisquei como se me tivesse tornado um brinquedo natalino de fato. podem os sentimentos sumir, cravar as garras e depois arrastá-las até deixar o corpo em carne-viva? sim, eles podem. eles podem até teimar em existir sem nem ao menos terem nascido. vêm sorrateiros e enganam. ah, eu fui enganada pelos seus sentimentos, tal como você também o foi.
eu estava tão sozinha do mundo e de mim mesma que, quando você apareceu e me chamou para dançar, eu aceitei. fui guiada pelo salão, esbarrando em outros (e como me foi incrível esbarrar-lhes!). a música parecia incessante, e, naqueles passos tortos e apressados, eu vi o meu deserto ser destruído pouco a pouco.
mas uma vez, me lembro bem, estava conversando com meu reflexo e me foi dito: o seu deserto é infinito. quebrei o espelho com raiva, as mãos sangrando feridas. ainda tenho as cicatrizes da minha mentira. dei um golpe no meu rosto e desapareci com o que ainda restava de supostamente real dentro de mim.
eu continuo caída na calçada. a culpa é minha!, um grito no silêncio. me deixei dançar e girrar e girar e girar até ficar tonta e cair como estou agora. o tango cresce como uma rosa, emana odores, floresce e depois murcha. eu murchei, e, mesmo que tivesse dançado uma valsa (flor de plástico, doce arte), murcharia: - meu deserto é forte.
meu... amor? ... escorrendo com a chuva, brincando de morrer com a noite. o sinal fechado, a dor aberta. o mundo é trânsito, eu sou a pedestre impedida e os carros livres inexistentes.

domingo, maio 10, 2009

parto contínuo.

estou grávida de mim mesma. a descoberta foi feita de repente: de inesperado, eu estava para nascer. como isso foi acontecer eu não sei. contei tudo certo, cada pequeno detalhe, cada escapada louca para dentro de um quarto aos fogos de artíficio.
você já viu os fogos de copacabana? eu só gosto de vê-los através do mar. eles se refletem e ficam tão mais bonitos do que realmente são. tão mais ser e tão menos estar.
em um dia desses, passeando pela praia à noite, olhando os brilhos coloridos nas águas, senti algo me chutar. profundamente. chutava querendo sair, querendo gritar, liberte-me! fiquei com medo. o que poderia ser?
não é nada, repeti para mim mesma. devo ser algum efeito colateral de tanto orvalho que tenho bebido.
já lhe disse o quanto gosto de beber o suor das coisas? às vezes a lua pinga pinga muito, e eu fico deitada de boca aberta recebendo sua essência para dentro de mim. as coisas suam, suam de calor, suam de frio, suam apenas por serem. e é um suor delicioso e sagrado.
mas não era efeito. era dor, dor de parto, uma dor que somente cresceria, porque o que estava dentro de mim exigia liberdade.

não passaram nove meses. que absurdo se passassem! foi muito rápido: estava grávida e o que estava dentro de mim explodiu.
pensei em abortar, não mentirei. estava carregando a minha barriga imensa que não parava de crescer a cada... (posso chamar isso de segundo?)... que corria. fui a uma clínica clandestina e pedi: por gentileza, um aborto, rápido e indolor, não quero isso que carrego. a resposta foi-me dura e repentina: não podemos, senhora, já passou o tempo para isso, abortar agora seria a morte do seu filho e também a sua.
então eu morreria junto com o que estava se apossando cada vez mais de mim. e não era isso que eu mais temia? a morte. então aceitei o destino - seria mãe de algo que nunca concebi.

nos segundos que se passaram (e que na verdade eram só um momento), senti enjôos, náuseas, sangrei e senti vontade de agarrar-me a alguma centelha de de vida que não fosse ausência. porque eu precisava de alguém comigo, alguém que me amparasse, que segurasse meus cabelos, que me ajudasse a levantar quando eu escorregava. será que escorreguei de propósito?, me perguntava. será que escorreguei para matar o que eu carregava, porque não queria tê-lo?
não sei. mas tudo que eu conseguia fazer era colocar todo o suor que havia bebido para fora do meu corpo, como se me estivesse limpando do mundo.
mas eu não queria ser limpa! meu deus, claro que não! queria continuar suja, suja, suja. com o suor de tudo misturado ao meu suor, com o suor de tudo invadindo minhas veias.

quando não havia mais como adiar a vinda do que estava dentro de mim, respirei fundo. eu sei apenas que, conforme aquilo se ia desprendendo, percebi que era meu e que eu era a luz, pois eu estava dando e recebendo. eu era a luz que dá à luz.
não preciso dizer o quanto morri quando nasci. o quanto não tinha mais o mundo dentro de mim, o quanto estava limpa e órfã e perdida. estava órfã de mim mesma.
a minha alma suja sumia no mar, sendo carregada pelo suor das águas até o fundo.
e eu agora começo a me sujar e encontrar-me através das pegadas que havia deixado para sempre na areia. seguirei novos caminhos, mas sei da trilha por onde passei.

foi assim que engravidei, morri e nasci.

terça-feira, maio 05, 2009

o que tenho.

as pessoas me encostam, me empurram, silenciam o meu grito por um momento. e eu consigo visualizá-las, tocá-las de volta, passar os dedos pelos seus cabelos ondulados de conchas raras.
mas é só por um agora, que passa e que parece nunca existir, como um piscar de olhos que já não se percebe, pois é automático e estalante.
e no estalo eu consigo sorrir. sorrio realmente como quem quer chocolate no inverno, como quem quer banho frio após um sentimento escaldante e violento.
mas passa, passa bruscamente e eu me deparo em frente a um espelho sem reflexo, pois já não me consigo reconhecer. encosto no grande buraco entre mim e o infinito e me sou inalcançável. meus dedos tocam o ar. meus dedos sentem, mas eu não os vejo. não vejo nada.
logo então você, que é a mais completa expansão de mim, me abraça. forte. escuto o seu coração invadindo tudo o que é vasto dentro dos meus sentires. e a vontade de colocar-me para fora cresce, cresce, cresce, quero gritar profundamente a angustiante necessidade de encontrar-me na multidão.
não, já disse que não me reconheço, por isso estou perdida entre os milhares de rostos.
suprimo o grito. suprimo o que seriam idéias de lágrimas. você vira o rosto e eu afundo. não me percebo. tenho medo. tenho tudo dentro de mim, mas nada consegue me definir.
quero agarrar-me a algo, nem que seja uma personificação, por mais doentio e cruel que isso seja.
ah, como tenho medo e nada do que se possa dizer conseguiria acalmar o que vejo como minha realidade. não, é mentira, não vejo. a realidade me é fragmentária, angustiante, criada e recriada. a realidade me devora.

quero ser salva. quero uma personificação.
quero que mintam para mim. eu não me importo, quero que mintam, mintam verdadeiramente, como se acreditassem que a mentira é verdade. e talvez seja! ah, lá me estou eu mentindo para mim mesma novamente.
eu abro os olhos e sinto vontade de jorrar-me através deles. quero que me guardem em uma jarra quando eu escorrer através da minha pele. quero que coloquem uma rosa nessa jarra e que ela cresça. quero ter medo por cada pétala dessa rosa e esquecer que tenho medo por algo que é meu.
você pode fazer isso para mim?
você, que é tão dependente do que o eu sou, você pode existir por alguns momentos?
porque eu preciso.
preciso que me abrace e que me voe para longe, para onde o infinito se torne finito, para que eu possa me encontrar, porque estou perdida. estou tão perdida que nem sei o que você está se tornando...

só vejo uma solução: esquecer. voltar ao sorriso imediato e tentar fingir que sou e que me sinto.
mas o que sinto para fora não é fingimento, é tão relativamente real, que eu poderia até mesmo escrever sobre isso.
mas por enquanto abstenho-me a escrever sobre o que não posso escrever, pois assim é uma forma de construir um mínimo pedaço de vidro do meu espelho.

terça-feira, abril 28, 2009

na minha [casa], eu [m]i[nto].

você me deixou de joelhos
no altar da igreja do mundo.
um anel de pensamentos no meu dedo,
um anel de sonhos enferrujado no chão.

partiu rasgando meu véu,
arrastando-o pelas escadas sem fim.
caíram lantejoulas feitas de pele
pelos degraus cada vez mais átomos
que você ousou descer com pressa sorrindo.

meu deus! - um grito.
fui cortada ao meio pela música
do órgão que não cessava.
as notas invadiram minha voz!
e, ao levantar-me, cantei,
enquanto jogava o buquê de folhas secas para o alto,
bem alto, infinito,
______________ não volta mais!

corri.
corri de-ses-pe-ra-da-men-te.
pelo tapete vermelho rasgado.
meu vestido se ia dissolvendo,
sumindo, deixando de ser.
até me criar nua.
nua em completo,
sem lágrimas, sem vastidão,
sem anel, sem mim.

rolei pelo caminho,
grudando ao meu corpo as pétalas que não caíram.
meus olhos respiraram o céu de fora,
e chorei um choro de falta,
ao tocar na água limpa
e não mais ver seu rosto de noivo-mulher.

quinta-feira, abril 23, 2009

em um segundo.

Sinto falta daquela brisa. Aquela que trazia junto consigo as gotas do mar e um pouco de cada pessoa. Gostava de ser tocada por cada pequena parte de cada grande sentimento. Eu me sentia viva, dentro do mundo, dentro do mínimo que se maximizava quando me nutria. Mas girou o uni_verso em_versos in_versos...
Um grito dentro de mim silenciou: volta. O vento tornou-se vácuo, o mar tornou-se sal. Fiz o meu casaco de balão e soprei soprei soprei. Precisava inventar o ar. Mas não sabia para onde ir. Porque não havia mais onde ou quando. Apenas... as minhas pernas fora do chão e o meu corpo flutuando pelo céu azul.
Reparti os meus cabelos ao meio e fiz um lápis de fio molhado. Desenhei, em uma nuvem, uma janela para o passado, e minhas lágrimas, ao vê-lo, inundaram o mundo. Criaram novos oceanos salgados, com peixes brilhantes carregando sinais de trânsito e de todas as dores do mundo. Peixes verdes, amarelos e vermelhos, que se esbarravam por todos os lados.
Não consigo compreender ainda como tudo tornou-se o agora. Mas é. E o que vejo me invade e se torna parte de mim tão perfeitamente. Não posso nem ao menos fechar os olhos, porque os peixes não têm pálpebras e a visão deles é também a minha visão. Meus olhos são caleidoscópios invertidos e milhares.
Quando pousar os pés de sapatilha arco-íris na terra firme ou na areia movediça, preciso conter minhas gotas infinitas. Porque já irá ser hora do sorriso girar as flores-cataventos ao redor da vida.
E eu serei a sereia da brisa que voltou a habitar minha face.

quarta-feira, abril 22, 2009

expressão da falta que é sempre preenchida?

há pessoas que têm dinheiro,
há pessoas que têm amor.
eu não tenho nada disso:
tenho medo.

o dinheiro de nada me vale,
prefiro as notas em que escrevo.
e o amor...
esse não se tem.
se sente.

por não ter nada
que normalmente todos dizem ter,
tiro os óculos do mundo
e deixo que me vejam puramente embaçado.

o meu medo é feito de cartolina,
com canetinha e colagem de cordel
e está guardado profundamente
dentro das minhas palavras,
que, você sabe, são sempre silenciosas.

medo ao avesso.

tudo o que sempre quis foram pétalas.
coloridas, secas, vivas.
cada cor dentro de um baú:
guardá-las é parte do meu sonho.

mas a vida soprou-as para longe,
para além do meu jardim.
e minhas flores antigas
tornaram-se nada mais que botões sem tempo.

colei todo orvalho pelo meu corpo
e me fiz flor por um momento.
meus cabelos tornaram-se as pétalas,
e minha alma gritou: eterniza!

terça-feira, abril 21, 2009

Abstrato.

caiu o seu retrato da parede
e sua face espalhou-se sobre o chão da sala.
suas expressões correram para os cantos
e guardaram-se nos buracos dos sentidos.

corri atrás do seu sorriso,
capturei-o na tocata de sua fuga.
beijei, amei e senti:
joguei-o no bolso da arte.

comecei a pintar um quadro difuso,
onde coloquei o seu sorriso
no centro do pensamento.

delineadas as linhas,
coloridas as formas,
seu sorriso chorou
por falta de todo
e solidão expressiva.

domingo, abril 05, 2009

a terra é plana.

quero chorar.
agora.
o completo mar que está dentro de mim.
colocá-lo para fora em um grito que afogue o mundo!

pois minha mente já está inundada,
e os sentimentos flutuam pelas minhas veias,
como uma navegação desequilibrada e caótica,
perdida no oceano eterno de vida submersa.

respiro.
e a água penetra meu coração,
enche meu corpo tão completo
de sal e areia e marfim.

a escuridão me toma,
me beija, me escolhe,
me silencia.
é surda, muda e cega.
me quer amar e perder.

mas quem se perde sou eu
na linha do horizonte,
sem antes nem depois,
caindo na idéia do velho mundo...

de que o mar acaba em um abismo sem fim.

segunda-feira, março 23, 2009

eXtereótipos.

o que são minhas mãos,
senão pedaços de vidro
transformados em areia?

e meus olhos dois grandes oceanos,
ora castanhos, ora sem cor...
salgados e violentos como o mar.

sou mão e olhos...
arte e alma.
criação e sentimento.

minha duplicidade é forma,
vida e existência.
é a prisão para o que expresso,
sinto e... sou.

beijo o mundo com as lágrimas
que correm dos meus olhos
e se esparramam em minhas mãos.

toco os átomos invisíveis,
suas nuances e segredos:
sinto o mundo com minhas digitais.

tudo é membro e órgão
até a noite raiar,
quando os olhos se fecham
e as mãos enluvam-se em cetim.

quarta-feira, março 11, 2009

ciclo momentâneo e vicioso.

Estava caminhando e o mundo me doía. As pessoas desfalecem, sofrem, sangram, enquanto dou mais um passo à minha casa. Cada pequena formiga é pisoteada por minhas células gigantes, por meus sentimentos miúdos. As bactérias sãos inspiradas para dentro de mim e, talvez, quem sabe, passem pelo meu coração devagar. Tumtum, tumtum... tum... tum... tum.
Eu nunca soube. Ou nunca quis saber. Não que isso me faça importância agora, rastros do passado distante. Entro em casa e jogo-me no sofá. Tenho medo, um medo egoísta de encarar qualquer coisa à minha volta. Por isso, bem sei, sou encarada. Tornei-me passiva, não sou mais agente dos meus atos. O controle remoto fixa seus botões em minha alma remota. Ele quer se mexer, gritar, implorar! Mas não pode. Ele não faz parte da crueldade da natureza. Não, nada disso se lhe é verdade. Enquanto eu, ah, eu desejo ser contida imediatamente, desejo não ter opções. Desejo não ter desejo.
Mas sinto-lhe pena e tudo volta à minha mente: a menina suja, por favor, dinheiropãoáguavida! Eu passei, mas uma parte de mim ficou parada ali para sempre, naquela dor tão completa... até ser consumida profundamente pelas pessoas que não se dividiram como eu (pessoas retas, certas, pessoas uma só). E aquilo me sugou. Como tudo que já me vinha sugando há anos, corroendo a essência que habita dentro de mim. Mas aquilo, aqueles olhos implorativos, aquelas minúsculas mãos cortadas, aquela alma que pede, obsequiosamente, que lhe dêem algum sentido!

Meu deus, estou chorando! E como choro pelo meu egoísmo, que foi transformado em medo. Não tenho coragem de pegar o controle remoto e ligar a televisão e deparar-me, ah, com o caos de sentimentos, de perda de fé, da realidade que tanto me abala! Como posso, como? Muito menos tenho acapacidade (força!) para comer, tomar banho ou dormir. Não sei como estou respirando. Não me consigo mover. Não, tudo que me lembro é do beco escuro e da menina e do cheiro e do sabor salgado. Sou incapaz de recordar mais. Talvez aquela senhora...
Não, por favor, não! Não me lembre de mais. Ah, mas eu sei. Eu estava cega e, por isso, conseguia ser feliz. Eu era como Tobias, meu cachorro que está brincando com a bolinha de borracha neste exato momento. O mundo é esse brinquedo, que pode ser mordido, rolado, chutado, ser feito pleno dentro de uma plenitude relativa. Não importa, o mundo é todo seu, e de mais ninguém. Ele rola atrás da bola... ladra, pula, lambe. Ah, Tobias!
Mas sou humana, e sou gritantemente culpada por sê-lo. Fingi ser inocente, quando tudo se passava em flash em volta da minha bola de borracha, soltando faíscas claras e queimantes em cima de mim.
O que eu sou, senão o símbolo maior da culpa? Do conformismo e da falta de coragem?

Tudo é falta, na situação em que me encontro. Agora, aqui, sentada e paciente, vejo com a visão real como minhas paredes estão descascando, como os pisos de madeira estão corroídos pelos cupins. A vontade de gritar é estridente e sobe à garganta.

Mas eu não grito. Sou muda. Vejo e escuto, mas não solto o que senti. Não expresso. Tenho a catarse, mas a epifania é só minha.
Egoísmo.

A visão de tudo aos poucos volta a clarear. Acalmo. Acalanto. Ligo o som e escuto a música leve que me faz ter vontade de dançar.
Canto.
Sou folha, pena e nuvem.

Tudo passa...
Esqueci.

Há algo para lembrar?

Fui dormir e acordei ansiosa com o final de semana que vinha pela frente.

menina, beco, dor, fome...?
vocábulos não inerentes ao livro da minha vida.

segunda-feira, março 09, 2009

íris.

às vezes abro os olhos,
mas não vejo o mundo.
não sei o que vejo,
mas sei o que sinto.
- E é forte.

as pessoas dizem
que meus olhos não existem.
é só brancura.
Eu rio.

o rio flui.
dentro de mim as águas voam
e me chamam.
Não, não quero me afogar!

quero apenas ser,
não o mundo!,
mas o que sempre fui.
Apenas.

assim foram percebendo
que meus olhos estavam ali.
e que a íris tão colorida
só poderia estar voltada
para dentro de mim...

quinta-feira, março 05, 2009

retina.

sinto minha falta,
quando abro as janelas
e rasgo as cortinas.

o céu azul me encara,
me zomba, me mata,
me chama.

vem, menina,
vem voar em mim.
solte seus cabelos estrelados
em minha pele escura.

tenho medo!
- eu grito.

medo de quê?

de desexistir.
de ser apenas luz vista
daqui a milhões de anos
pelas pessoas de mãos dadas
na grama verde-escura da terra.

tudo se transforma,
reluzente pequena.
sua luz se tornará eterna
enquanto houver pessoas
para vê-la e senti-la.

e depois que todos se forem?

restará a poesia
que está sendo escrita
por uma parte de você,
que é luz e eternidade,
escuridão e fim.

ah!

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

uma piada sobre mim.

Agora eu compreendo muito bem o meu medo, o meu pavor perante a tudo que demonstre ter falta de sentimento ou vida. A verdade é tão exata, tão completa e infinita. A minha verdade, a verdade sobre o que penso, sinto e... permuto. Tudo parece agora de uma claridade crescente, como se eu tivesse colocado um par de óculos e enxergasse tudo tão mais completo.
Você nunca foi a razão de minha mudança, Vitória. Nem um pouco. Agora, após um ano do seu abandono, sei com a certeza mais certeira. Ah, como adoro redundâncias. Não sinto sua falta, não a amo e nem ao menos consigo lembrar como foi a sensação de tê-la amado. Você consegue sentir a veracidade dessas palavras? Nunca fui tão sincero. Mas nada disso é sobre você.
É sobre a minha descoberta. O sentido do meu desespero. Como agora sei os porquês de muitas das minhas perguntas, porém sem saber suas respostas. E como eu costumava chorar, enquanto tremia interminavelmente... nos seus braços. Você não entendia. E eu não conseguia explicar. De maneira alguma. Como poderia? Eu não conseguia gritar o quanto eu precisava de você, o quanto sua simplicidade me comovia, o quanto eu a invejava. Eu queria sentir o mundo como você sentia! Como todas as pessoas sentiam! Eu tinha ódio de todos, de cada pequena alma que sorria com o raiar do sol e andava calmamente de bicicleta pelas ruas quentes.
Achavam que eu tinha problemas psicológicos. E eu achava graça dessas pessoas. Invejava a sua falta de conhecimento e queria, por um momento, transportar-me para dentro de algum pensamento simples... O que comeríamos no almoço?
Mas eu não conseguia, prendia-me dentro do meu niilismo sem fim. Que paradoxo, não é mesmo? Niilismo sem fim. Que seja. Eu prendia-me a isso.
Mas quando conheci você, o amor surgiu-me mais uma vez, após tantos anos enclausurado na minha adolescência risonha e, ah, tão simples! Por alguns momentos, eu achava que conseguia esquecer de tudo. Ah, Vitória, eu conseguia sorrir verdadeiramente. Por alguns minutos eu conseguia apagar da minha alma cada detalhe de cada pensamento soturno que invadia minha mente e controlava-me sem piedade.
Por isso, agarrei-me tão profundamente a você, como se sua chama de felicidade e falta de realidade me aquecesse. Você consegue entender? É claro que não.
Mas cada vez mais comecei a descobrir o meu medo. Inicialmente achava que não me importava com nada, que minha vida não merecia existir. Isso tudo não era desespero, era aceitação. O desespero veio realmente quando apaixonei-me pelos lugares, pelas pessoas, por minha imagem no espelho, pelos livros, pelos filmes, pela sonoridade deliciosa de Chopin! Quanta coisa, quanto sentimento. E a cada vez que tudo acabava, que eu fechava um livro, que eu desligava o rádio, que dava adeus a alguém, uma dor insurpotável apossavasse de mim. E à noite tudo voltava à minha mente, aquela filosofia incontrolável, aquela metafísica que, se eu pudesse, estrangularia até vê-la sangrar e sumir do mundo.
Mas eu não podia agüentar isso tudo. Essa felicidade era muito mais dolorosa do que a minha indiferença. Vai acabar, eu pensava. Vai tudo mudar. Em um piscar de olhos.
A mudança começou quando você me deixou. Você não foi a causa. Não, não você, Vitória. Mas o que sua imagem representava para mim. Veja bem, você me proporcionou o amor que me proporcionou felicidade que me proporcionou vontade que me proporcionou o esquecimento que me proporcionou a capacidade de sentir o mundo que me proporcionou o desespero porque tudo...
Tudo é tão mutável.
O meu medo é simples. Percebo-o agora. Pode ser até mesmo um medo comum. É com toda certeza melhor sentir esse medo do que sentir o nada propriamente dito, o ermo, a falta de sentido todos os dias, a cada segundo.
É muito melhor enlouquecer de despero do que de razão.

Você não me compreende, não é, minha querida Vitória?
Certamente você sente medo do desconhecido, medo do que vem após.
Mas não se deixa dominar.

Não, não se deixe. Por que deixaria?

Não quer acabar inventando uma mentira como essa que estou inventando. Inventar uma pessoa, inventar sentimentos e sentidos, para que consiga fugir da absoluta falta de algo. Por que inventar que sente a vontade?

Sou realmente um desesperado e invejoso.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

//

Eu nunca imaginaria, nem por um segundo, a imagem que tenho de mim mesma agora. Nem por toda a certeza no mundo, nem por uma vidente que sempre acertasse.
Como cheguei até aqui?
Parece que, de tanta absorção, eu tornei-me um grande espaço em branco. Algo inacreditável, uma muralha de sentimentos.

Há uma voz na minha cabeça repetindo repetindo repetindo repetindo: isso é errado. isso não é normal, como poderia ser? que inocência, que sonhos, que sentimento! isso não existe. e tudo que sai da sua boca não é aceitável, não é plausível. você não pode ser assim, não, meu amor, não, minha querida.
E essa voz parece ser a de uma senhora. Uma sombra com um véu nos cabelos grisalhos. Se eu conseguisse dizer o que me está apavorando, o que me deixa sentir como a pessoa mais enclausurada em um canto que jamais existiu...
Mas não haveria entendimentos. Só a certeza de que há algo errado. Algo errado comigo. E com o que eu sinto. O que eu sinto mais profundamente. E o quanto eu sei que é inacreditável que eu possa sentir.
E eu tenho medo de deixar tudo cair, de retrair-me, de deixar-me desacreditar e achar que estou errada. Que tudo realmente não pode ser assim. Há de ser de outra forma, por favor. De repente, pode reaparecer a sensação de completo vazio. Mas um vazio pode ser completo?
Não quero lembrar do vazio. nem um pouco.

Sou sozinha. Sou sozinha mais do que qualquer pessoa cogite adivinhar. Sozinha dentro de mim, dos meus pensamentos jamais revelados e da dor que sinto por ser. Por isso agarrei-me tão fortemente à grande luz avassaladora e quente e que me fazia sentir sede.
Não existe o saciar-se.

Mas eu não quero explicar a minha solidão.

O que eu quero explicar é que finalmente consegui. E sei que não consigo mais que isso. Nem um pouco mais, nem com ninguém!
E isso é difícil de entender. É difícil para uma pessoa que não eu...

Por isso.
Ar.
Por isso quando escuto que há algo muito errado com tal sentimento, eu tenho medo. Pois é tudo que eu sinto.
Então tudo foi um erro.

E eu nunca deveria ter sentido.
Porque não há outra forma, para mim, de sentir.