sexta-feira, novembro 23, 2007

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Um dia, a Lua veio até mim
E, no seu mais íntimo ser,
Mostrou-me os segredos
Sussurrados entre os ventos.

Contou-me sobre terras distantes,
Inteiramente belas,
Cuja alma canta um soneto de alegria.

"Seus pássaros e pássaros a cantar,
Com suas asas de ouro e cetim,
Que me encantavam à luz da eternidade!"

Sobre mais meralíssima inteligência,
Senti-me apenas uma estrelinha ofuscada,
Que necessita de sua lua para brilhar.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Era-se uma vez.

Estava em pé, apoiada em um dos lados daquela ponte há horas. Era uma ponte pequena e gasta, mas incrivelmente maravilhosa. As plantas haviam-se apossado de sua madeira, misturando-se meramente como matéria em matéria, ocupando um mesmo espaço. Abaixo de si havia um lago com milhares de gigantescas Vitórias-Régias. Verde, baixa, verde: lembrava-lhe um quadro de Monet.
Seus olhos brilhavam e parecia ansiosa. Não, definitivamente estava ansiosa, passava os dedos pelos cabelos, enrolando-os bem de leve. Estava em uma floresta conhecida, porém pouco visitada, e sentia-se como uma adolescente. Vento fresco, fios voando, segure o vestido. Ajeitou o chapéu de veraneio, caía-lhe bem com aquele leve vestido bege e sandálias brancas e baixas. Seu rosto representava vinte e um anos de vida, mas possuía trinta e três, às vezes as marcas não se mostravam na face. Carregava uma bolsa grande e bonita, e um guarda-sol estava apoiado na ponte, cheio de bordados e mimo. Na mão direita segurava com força um livro vinho: "Olhos de Lucy"; mostrava uma grande paixão e cuidado por ele.
Tocou no pingente de coração que estava pendurado entre seus seios, e o apertou lentamente. Abriu-o e encarou os ponteiros: cinco horas e dezessete minutos. Agarrou o livro junto a si e quedou-se por um instante em uma página. Fechou-o logo a seguir. Começou a andar ansiosa pela ponte, um nervosismo repreendido pelo bom senso. Tacou pedrinhas no lago, fechou os olhos, bateu o pé, arrancou o chapéu!

- Nada - passou a mão pelo cabelo dourado e longo. - Oh, onde! Para onde? É aqui, estou certa!

Olhou novamente a hora. Ficou vermelha de raiva. Gritou ferozmente e sussurrou devagar, gritou e sussurrou. "Stevan, oh, Stevan!" Tirou as sandálias, derrubou o guarda-sol e correu com o livro nas mãos até a clareira da floresta. Nada, ninguém, absolutamente vazio. Ajoelhou-se um pouco e algumas lágrimas pareceram escorrer de seus olhos: havia chuva, pequenas gotículas finas.

- Não, não se pode haver chuva! Não!

Levantou-se rapidamente e correu de volta para a ponte. Arrancou o vestido raivosamente, despiu-se por completo. Sentia um frio terrível pela chuva que agora tocava seu corpo nu. Mas não se importava. Arrebentou o cordão com o pingente e o jogou no lago. Estava desesperada, o coração sumiu na água.

- Adeus, Stevan! Engula seus presentes!

Abriu o livro e começou a rasgá-lo página por página, as letras ficando embaçadas pela chuva, até chegar... ali.

"Então Lucy estava bela, realmente bela, muito mais do que jamais a vira. Quando cheguei à ponte, olhava aquelas plantas aquáticas. O sol forte, mas faltando pouco para pôr-se, iluminava seus cabelos sedosos e dourados. Ela me olhou, com aquele olhar vidrante, aquele olhar de sempre, e eu fui magnetizado, correndo até ela... minha Lucy, seu Stevan."

Chorou desesperadamente. Oh, que não havia de ser assim. Mas era! Era, e a raiva lhe subia. Jogou o que restou do livro no lago e abriu sua bolsa, apenas para pegar uma camiseta e um short jeans meio surrado. Puxou um livro de dentro da bolsa, e jogou-a logo após na água.

Seu nome agora é Sheila. Iria para a África.

Folheava as páginas enquanto andava de uma nova maneira, com novos tiques e novas letras...

terça-feira, novembro 06, 2007

Verdade injusta.

Perdia-se incontavelmente no mundo dos sonhos, naqueles que devolviam-lhe a alegria e a doce juventude para dentro de seu corpo. Não havia mais muita coisa para ela. Acordava tarde e chorava sempre que o fazia; as imagens que pareciam tão reais, o afeto que morava apenas dentro de sua oniricidade, sumiam de seus olhos, e as lágrimas de dor e desespero vinham incontáveis.
Estava sozinha. As pessoas de branco entravam, saíam, limpavam, bom dia, boa noite, adeus. Nenhuma pergunta sobre como fora o seu dia que, apesar de exatamente igual ao anterior e ao anterior do anterior, era existente assim como qualquer outro.
Quando acordava, além de chorar e abraçar-se junto ao seu corpo, indefesa, andava lentamente até o banheiro e todos as manhãs tinha a vontade pulsante de quebrar aquele maldito espelho. Era um espelho grande, embaçado e com uma parte quebrada, todavia mostrava-lhe a face flácida e cheia de rugas. E aquilo causava-lhe repulsa, apesar de ser uma dor mínima comparável aos pensamentos que a controlavam.

Mamãe, mamãe! Era Júlia gritando ferozmente, chegava da escola faminta e cansada. A casa limpa, e aqueles tênis, malditos tênis, entravam correndo e sujando todo o chão de lama. Lúcio vinha logo a seguir, sempre calado, frio, distante. E assim pode-se dizer que continuou sendo para sempre.
Essas crianças nunca tiveram um pai. A mãe se chama Maria, porém tem alma de Madalena. Prostituía-se, e como isso doía dentro de si! Mas precisava de sustento, não se importava em vender o corpo em troca de comida para seus filhos, de dinheiro para dar-lhes o melhor.
Fez tudo por eles, até mesmo o impossível.

Et Voilá: o abandono em troca do amor.

Ninguém mais a visitava. Diziam que estava velha, louca, já estava na hora de partir. Já fizeram demais por ela, pagando o asilo. Por que deveriam perder seu precioso tempo falando com uma pessoa que não tinha o que falar? Além do mais, as crianças não gostavam de ir vê-la.
Ela acordava, chorava, comia e voltava a dormir. Os dias todos iguais, a tristeza na alma. As enfermeiras eram secas, rudes, fingiam não ligar para o desapontamento daquela senhora, que às vezes tinha o olhar longe, fixo no teto.
Estava esquecida. Era realmente uma pessoa quase inexistente.

Sentada na cama, as pernas inchadas, penduradas entre o chão e seu corpo, olhava para suas próprias mãos e arrastava o dedão por entre elas. Rezava à noite, não conseguia entender por quê, já que estava perdida, e a dor era incontrolável. Mas rezava arduamente, como se fosse fazer efeito. Porém hoje rezava por perdão.
Ela queria morrer há muito, sua existência não tinha mais sentido. Estava tudo acabado, ela era apenas uma parasita no mundo... apenas uma velha idiota jogada num asilo.

Tomou remédios demais. E assim se foi.

Tudo que restou foi o aviso de que sua mãe morreu. Ambos os filhos sentiram um alívio imenso, mas as lágimas, simplesmente, rolaram-lhes pelo rosto no dia do enterro.

- Oh, mamãe!

E flores caíram. E terra caiu, e tudo caiu, o corpo, o medo, a dor.
E todos continuaram com suas vidas, até que tudo desapareceu: o túmulo, as letras do epitáfio. Maria.

Perderam-se no esquecimento.