terça-feira, novembro 06, 2007

Verdade injusta.

Perdia-se incontavelmente no mundo dos sonhos, naqueles que devolviam-lhe a alegria e a doce juventude para dentro de seu corpo. Não havia mais muita coisa para ela. Acordava tarde e chorava sempre que o fazia; as imagens que pareciam tão reais, o afeto que morava apenas dentro de sua oniricidade, sumiam de seus olhos, e as lágrimas de dor e desespero vinham incontáveis.
Estava sozinha. As pessoas de branco entravam, saíam, limpavam, bom dia, boa noite, adeus. Nenhuma pergunta sobre como fora o seu dia que, apesar de exatamente igual ao anterior e ao anterior do anterior, era existente assim como qualquer outro.
Quando acordava, além de chorar e abraçar-se junto ao seu corpo, indefesa, andava lentamente até o banheiro e todos as manhãs tinha a vontade pulsante de quebrar aquele maldito espelho. Era um espelho grande, embaçado e com uma parte quebrada, todavia mostrava-lhe a face flácida e cheia de rugas. E aquilo causava-lhe repulsa, apesar de ser uma dor mínima comparável aos pensamentos que a controlavam.

Mamãe, mamãe! Era Júlia gritando ferozmente, chegava da escola faminta e cansada. A casa limpa, e aqueles tênis, malditos tênis, entravam correndo e sujando todo o chão de lama. Lúcio vinha logo a seguir, sempre calado, frio, distante. E assim pode-se dizer que continuou sendo para sempre.
Essas crianças nunca tiveram um pai. A mãe se chama Maria, porém tem alma de Madalena. Prostituía-se, e como isso doía dentro de si! Mas precisava de sustento, não se importava em vender o corpo em troca de comida para seus filhos, de dinheiro para dar-lhes o melhor.
Fez tudo por eles, até mesmo o impossível.

Et Voilá: o abandono em troca do amor.

Ninguém mais a visitava. Diziam que estava velha, louca, já estava na hora de partir. Já fizeram demais por ela, pagando o asilo. Por que deveriam perder seu precioso tempo falando com uma pessoa que não tinha o que falar? Além do mais, as crianças não gostavam de ir vê-la.
Ela acordava, chorava, comia e voltava a dormir. Os dias todos iguais, a tristeza na alma. As enfermeiras eram secas, rudes, fingiam não ligar para o desapontamento daquela senhora, que às vezes tinha o olhar longe, fixo no teto.
Estava esquecida. Era realmente uma pessoa quase inexistente.

Sentada na cama, as pernas inchadas, penduradas entre o chão e seu corpo, olhava para suas próprias mãos e arrastava o dedão por entre elas. Rezava à noite, não conseguia entender por quê, já que estava perdida, e a dor era incontrolável. Mas rezava arduamente, como se fosse fazer efeito. Porém hoje rezava por perdão.
Ela queria morrer há muito, sua existência não tinha mais sentido. Estava tudo acabado, ela era apenas uma parasita no mundo... apenas uma velha idiota jogada num asilo.

Tomou remédios demais. E assim se foi.

Tudo que restou foi o aviso de que sua mãe morreu. Ambos os filhos sentiram um alívio imenso, mas as lágimas, simplesmente, rolaram-lhes pelo rosto no dia do enterro.

- Oh, mamãe!

E flores caíram. E terra caiu, e tudo caiu, o corpo, o medo, a dor.
E todos continuaram com suas vidas, até que tudo desapareceu: o túmulo, as letras do epitáfio. Maria.

Perderam-se no esquecimento.

9 comentários:

THT disse...

Bem dramático.

Mais realista até do que talvez você suponha...

o/

Marina Schmidt disse...

Pree,
MelDels, tá escrevendo muito bem!

Vou voltar a escrever e publicar no blog. ;]

Beijocas!

Anônimo disse...

a vida é assim mesmo às vezes.

Anônimo disse...

Triste e dramático, mas verdadeiro.

Anônimo disse...

Adoro o jeito que você mostra e vê as coisas... adoro o jeito com que você vive e escreve.

Anônimo disse...

Eu sou nostálgica e sempre falo isso, mas porque é extremamente importante. Lembra de como você escrevia há um tempo? Ainda que com uma temática parecida, seu texto evoluiu. Muito. Aliás, tenho lido livros que você TEM que ler. :]

Anônimo disse...

nossa, agora sim eu li!
incrível, pree, sério. um dos meus preferidos seus.
adorei as sequências tipo: "E flores caíram. E terra caiu, e tudo caiu, o corpo, o medo, a dor."
é exatamente assim que eu adoro repsentar as coisas. lindo.
o final de certa forma me lembra o final de um conto da clarice chamado "Uma Galinha". E vivem e passa o tempo. É. Acho que todo final é esquecimento.
beijos, menina talento ;D

Thaisa disse...

sua escrita é muito madura!

Anônimo disse...

cheia de comentáaaarios! weeeeeeeeeeee