quinta-feira, dezembro 28, 2006

Do Silêncio Se Faz A Fé?

O homem entrou na igreja mancando, sua perna estava sendo arrastada por seu corpo quente e eufórico. Algumas pessoas estavam ajoelhadas, rezando para as imagens com faces tão duras. Não repararam quando e como o tapete central estava sendo sujo, enquanto o homem passava lentamente, até conseguir chegar ao centro das imagens, onde havia uma grande cruz de um Jesus crucificado.
Ajoelhou-se com muita dor e dificuldade e olhou para os lados. Cerca de umas quinze pessoas rezando, três crianças conversando. Suspirou o silêncio. As coisas não precivam ser assim, ele sabia. Mas agora já havia começado. Iria até o final, como prometera à sua família, cheia de ambições.

- Deus! Eu sou um homem pecador, como tantos outros. Eu errei e logo voltarei para meus erros. Nasci naquele lugar, cheio de morte e violência. Drogas, prostituição, não havia fé! Deus, por onde Você esteve? Precisei tanto de Você, quando fui preso, maltratado, quando vi criança morrer! Oh, não, minha irmã de dez anos se foi, baleada por um policial! Por quê?, meu Deus, por quê?

O homem chorou e abaixou a cabeça. Sua perna doía, sabia que logo iria morrer. Um policial o pegou de vez. Hoje foi o dia do terror e da morte para muitas pessoas. Ônibus foram queimados, granadas foram soltas, pessoas foram baleadas. Agora, sim, a verdade iria aparecer aos olhos de todos. E isso é apenas o começo.
Todos os dias, pessoas morrem por violência. Todos os dias, alguma criança é iniciada no tráfico. Todos os dias, alguém perde a esperança.
Quem nasce em uma favela quase não tem escapatória. Cresce com a morte, com as drogas, com maldade ao lado. Para onde foram as pessoas boas? Para onde foram todos? Parecem animais, sem vida, sem piedade, apenas se importam com seu lucro pessoal. Não ligam de matar, de roubar, de culpar! Culpa? A culpa é de quem?

- Deus! Ah, Deus! Eu quis matar! Eu não me arrependo. Eu não tenho nada, nosso povo não tem nada, precisamos nos expor. Eu não queria ter crescido assim, com arma na mão. Não queria ter perdido a fé. Mas, Deus, onde Você está? Porque não me ajuda? Eu precisava tanto de alguém para me guiar. Eu sou errado, todos são errados! Onde está a certeza?

Fez-se um pausa, as lágrimas caíam sem parar. Todos os culpavam, sem antes olhar seus motivos. Nada justifica, é verdade. Mas também nada justifica a situação em que estão. Por que uns podem tudo e outros não podem nada? Por que tanta ganância? Por quê? Para onde foram os bons, os amigos, os verdadeiros? Por que a maldade prevalece tanto? Por quê?
A resposta está dentro do coração de cada um.

- Venho aqui pedir-lhe perdão. Não fui certo e, antes de morrer, também não serei. Hoje se esgotou meu acreditar. Hoje eu matei a muitos e a mim mesmo. Hoje eu matei um pouco de Você, Deus, como todos fazem um pouco todos os dias. Desisto, aqui, e agora. E sei que o inferno me aguarda. Amém.

Levantou-se, com a maior dificuldade do mundo e fez o sinal da cruz. Abriu uma grande bolsa que carregou até ali e tirou uma grande arma de lá de dentro. Olhou para a cruz e pediu perdão. Começou a atirar em todos que estavam rezando. As crianças gritaram, mas o sangue escorreu de seu pequenos corpinhos recém-vividos. Todos morreram, sem piedade. Após o massacre, virou a arma para si mesmo e deixou de existir, com todos os seus pecados e com todas as suas mortes inocentes.

A Igreja continuava no silêncio, agora com sofrimento e sem vida.

Mais tarde, no jornal, mostrou-se uma pequena notícia, bem espremidinha, no canto, sobre a morte de algumas pessoas dentro de uma certa igrejinha.

E a vida continua.

domingo, dezembro 10, 2006

Páginas em Branco.

Eu sou um livro sem palavras. Apenas com páginas em branco, prontas para serem escritas por você. Tome um lápis, escreva sentimentos. Apague-os! Mas, cuidado, a cada palavra apagada, uma parte de minha alma se perde. Ela voa para o esquecimento, como se você a houvesse matado a punhaladas e limpado seu sangue com suas páginas rasgadas.
Não, não suje minha brancura com promessas que serão perjuradas. Se, a cada lágrima caída em minhas folhas, você arranhar meu corpo com as unhas, eu me desgasto e acabo virando uma folha seca de outono. Uma folha que, ao menor toque, mesmo de serenidade, decompõe-se, sem querer, e ao céu se esvai. Portanto, não as derrame em minhas folhas. Use a sinceridade apenas quando ela é verdadeira.
Escritor, alimente-me com sua poesia, preciso dela para manter meus sonhos. Escreva suas figuras, sua coloração, crave em mim todos os seus sentidos, todo o seu mundo e desmundos. Porque eu preciso de suas palavras, sem elas, eu nada sou. Minha dependência surgiu quando minha capa foi aberta. Agora, não consigo mais deixar de respirar conotações.

" Palavra, doce menina,
Não me machuque,
Nem de noite nem de dia,
Porque machucar-me
É como feri-la de volta. "

Sei que um dia serei esquecido. Serei jogado no lixo, no esquecimento. E, então, perguntar-me-ei: "Para aonde foi o Era Uma vez?" E as palavras surgirão em mim, respondendo: "Ele se foi para longe, muito longe. E você não viveu feliz para sempre." Minhas folhas envelhecerão, até ficarem amareladas, serão solitárias e sem essência. Um dia, serei lançado ao mar, desprotegido, até cair em seu fundo e por lá apodrecer durante séculos.
Lixo? Serei pior que lixo. O meu valor terá sumido há muito. E aonde estará você, poeta que me criou? Cansou-se de mim, de suas histórias, que, com o esquecimento, viraram apenas estórias.

" Não voes para longe, ó poesia.
Arranca tuas asas
E fica comigo,
Em palavras,
Para sempre. "

Não o culpo, afinal. Culpo a mim. Por ter absorvido tanto sentir! Tudo se unia à minha alma. Cada sí-la-ba. Eram, enfim, meus pedaços pedindo por sustentação. Por sentimentos, por utopias. Principalmente pelo que emanava de você. Não conseguia sentir os risos, nem o drama, eu não conseguia comunicar-me!
Já fui esquecido. Por que usei do futuro, se tudo é passado? Tentativa frustrada de enganar-me. Quero meu conto-de-fadas de volta. Quero ter princesas, guerreiros, vilões. Quero ter uma simples menina, que escreve em seu diário, todos os dias, sobre seus pequenos problemas. Eu quero amor! Quero ódio! Quero vazio!

Eu sei porque me machuco. Sei porque minhas folhas pedem por leitura. Você, poeta, está morto. E morreu antes de terminar-me.

Deixou minhas folhas.

Em branco.

" Deixa-me seu vestígio,
Para que eu possa segui-la.
Caso contrário,
Morrerei, eternamente,
Sem absorvê-la. "


E fechou-se, adormecido.

Quem sabe, um dia, um principe encantado venha beijar suas folhas em branco, com palavras nuas...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Realidade Que Não Deveria Ser Real.

Hoje não irei falar de amor. Não irei mostrar, com palavras, o quanto sempre, por trás dos finais tristes, há uma grande luz de felicidade. Não irei prolongar-me com bons finais, que nem são tão bons assim, às vezes. Hoje eu irei falar do egoísmo. Dos maus sentimentos, dos que mais sobrevivem durante o passar da vida. Aquela pontada de pecados e horrores que emana todo dia da boca e da mente do ser humano.


Vejo uma menina correndo na rua. Ela é linda e tem toda uma esperança pela frente. Não descobriu a realidade: ainda. Logo, perderá a fé em Deus. Queimará seus antigos brinquedos, e jogará suas roupas infantis fora. Logo, essa menina não terá sustento e perderá os pais no tiroteio. Deviam ter-lhe dito: Voa, menina! Vai embora daqui, fica nos teus sonhos, porque a realidade é dura. É dura demais e a mais. E ela cedo descobriu. Com doze anos, já veio a prostituição. O dinheiro, que ganhava, não compensava sua dor íntima de repulsa. Sentia nojo de si, sentia medo de seu futuro. O que será de amanhã? O diabo, quem sabe, vir-se-ia à sua porta, para levá-la diretamente para o inferno. O inferno, provavelmente, não seria tão diferente de sua vida.
Envolveu-se com drogas. Tarde de mais, ela pensava, agora, não tem mais volta. Não tinha ninguém. Nem mesmo uma amiga. Afinal, quem iria importar-se com uma vida tão "medíocre" como a dela? Ninguém. Porque a verdade é uma só e única. E, nesse caso, não há relativismos. Apenas exceções, não relativas. Quem passava por ela, apenas nutria o preconceito: "Drogada, perdida! Puta." Nem uma, nenhuma pessoa parou e deu a mão para sua alma. A visão do ser humano é tão perfeita, que só vêem o que querem ver. Mas o pedido de socorro, que vinha dos olhos daquela menina, nunca foi visto.
Procurou Deus, novamente tentou construir sua fé de criança. Mas não adiantou. Nada, nada sentia que viesse daquelas imagens de santos. Nem uma palavra de conforto. Começou a entender que tudo era uma grande mentira! Deus? Que Deus é esse? Que deixa uns perderem a vida, e outros sorrirem sempre para ela? Não! Estava sendo egoísta. Não devia sentir inveja dos que estão felizes. Deixe-os em paz, felizes como estão. Não têm culpa de sua miséria! Ou têm? Ei, dá-me o entendimento! É claro que têm. Só se importam consigo mesmos. Não vêem a dor de quem realmente sofre. E, se a vêem, não se importam de fazer algo para acabar com ela.

O motivo de seu desgaste veio mesmo quando engravidou. Chorou demais, quando a barriga começou a aparecer. O que seria desta criança? Por favor, que sua vida não seja como a minha! Mas iria ser. E ela sabia. Sabia até demais. Disso, infelizmente, ela tinha conhecimento. Quase uma sábia. Sim, uma sábia do sofrimento. Ela, em nenhum momento, pensou em deixá-la viver. Viver? Viver o quê? Essa vida de desgraça? Essa vida de morte, de droga, de luxúria SUJA? Essa vida sem amor, sem vontade, sem paz. Essa vida sem alguém para contar! E se ela morrese ao dar à luz? O que seria da criança?
- Não seria, eis o uso correto.

Hoje ela não mais agüentou. E quem o faria? Muita gente, muita gente. Mas não é a mesma coisa. Tudo dói, e ela não era forte. Tudo dói, e ela apenas queria chorar e ter um lenço para enxugar suas lágrimas. Ela foi até uma das praias do Rio De Janeiro, queria ver o mar, uma última vez. Sim, uma última vez. Ela iria para a morte, de braços abertos e não feliz. Mas da vida não havia mais o que esperar. Acariciou sua barriga e não olhou para trás, jogou-se nas pedras.
O sangue escorreu. A vida acabou, passou pelos seus dedos, passou pela alma de seu filho. E, mais uma vez, foi-se embora para sempre.


Sim, é verdade. Ninguém nunca disse à pobre menina que sua esperança não devia morrer. Ninguém nunca a amou tão de verdade, como a vida a odiou. E, por isso, ela se foi. E se foi sem diferença, para toda e grande perfeita humanidade.

Assim é a vida e a morte de muitos. Mas quem realmente se importa?

Quem sabe as bactérias que irão deteriorar o corpo, após o final.
Eis seu real valor.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Flores de Vida.

Sentimentos não existem para ser mentidos. Existem para ser sentidos.


Quando entrei naquele quarto, não imaginei que a veria sorrindo. Era um sorriso daqueles verdadeiros, que dá uma pontada na alma de prazer. Paralizei-me ao vê-la assim, no esplendor de uma estrela. Parecia realmente um anjo.
Há um dia atrás, ela estava aos prantos, ligando-me a cada meia hora, pedindo por apoio e um ombro amigo. Hoje, ligou-me e pediu que eu fosse até sua casa. Esperava, não por mal, lágrimas de tristeza, de saudade e de agonia. Mas minha recepção foi muito mais calorosa. Esse sorriso me doía a alma de alegria e, também, de medo.


- Lúcia? - eu perguntei.

- Ah! Que bom que veio! Preciso contar-lhe : estou feliz, vê? Muito feliz, tomei uma decisão!

- Que decisão? - tentei conter o susto.

- Ah, querida, não posso contá-la. É segredo, sabe? Mas somente até amanhã! Sim, amanhã você me verá e ficará muito feliz por mim.


Calei-me. Definitivamente, ela estava estranha. Como não percebi no momento? Nao sei. Mas devia tê-lo feito. Procurei disfarçar minha ansiedade em prol de minha expressão. Queria sacudi-la e perguntar se estava enlouquecendo. Pois era o que parecia. Vi que estava cantarolando para cá e para lá, da sala para o quarto, todo o tempo. Parecia estar em transe, ou algo do gênero, mas aquele sorriso nunca desaparecia de sua face.
Ofereceu-me água, dizendo que purificava a alma. Ora, mas para que eu iria querer purificar minha alma? Eu pensava e pensava, contudo não havia resposta para essa tão rápida mudança
de sentimento. Resolvi, enfim, levantar-me para ir embora.


- Lúcia, acho que já me vou...

- Oh! Jasmins! Tão brancas! Como gosto de jasmins!

- Jasmins? - essa era nova.

- Sim, jasmins! Venha ver-me amanhã, sim? Traga-me jasmins?

- Mas por quê?! - não agüentava mais essa situação.

- Porque eu as amo! E entre sem bater. Estarei esperando-a no meu quarto.


Fui para casa meio atordoada. Por que essa obsessão por tais flores? Não conseguia entender e tentei fazê-lo durante horas, em contato com o escuro teto do meu quarto. Aquele sorriso não saiu de minha mente. Como ela podia sorrir tanto?! Seu casamento seria daqui a duas semanas e seu noivo estava morto! Morto, sem volta, em baixo da terra. Ela não havia dito nenhuma palavra, durante o enterro. Apenas dirigiu-se ao caixão e sussurou algumas palavras no ouvido de seu amado.
Ela não podia ter-se recuperado assim tão fácil. Poderia ter tomado anti-depressivo, quem sabe os efeitos que podem causar? Nesse caso, não a culpo de estar louca. Mas e se é o tipo de pessoa insensível que esquece que um dia amou alguém ferozmente? Não, Lúcia é um poço de bondade e sentimentos...

Cansei-me de deduções e fui dormir.

No dia seguinte, acordei bem cedo e fui até a floricultura. Jasmins. Havia de comprar essas flores. Escolhi as mais belas que pude e rumei em direção à casa de Lúcia. No caminho, fui lembrando de tudo que ela e o noivo haviam vivenciado. Eram tão apaixonados. Ela dizia que ele seria seu último homem. Pobre menina.
Quando cheguei em frente a sua casa, respirei fundo. Não sabia se agüentaria mais sorrisos como aqueles. Senti o cheiro das flores invadindo meu corpo e acalmei-me um pouco. Tudo parecia tão irreal. As flores, os sorrisos, a água. Lúcia.
Resolvi entrar. Passei pelo corredor, que passava quase todos os dias, até chegar ao quarto e encontrar um bilhete grudado na porta:

"Trouxe as Jasmins? Se não, volte depois com elas! Só entre com minhas pequenas flores! "

- Estranho. - sussurei.

Bati na porta uma, duas, três vezes. Então, resolvi abri-la. O quarto cheirava a... Jasmins! Havia água na mesinha de cabeceira, e um retrato dos dois juntos, uma foto recente. Lúcia estava deitada, na cama, parecia que estava a dormir. Aproximei-me e percebi um envelope em cima de sua barriga. Peguei-o de leve, para não acordá-la.


"Eleonora, se está aqui, lendo isso, é porque não me faltou com a palavra. Obrigada pelas flores, é tudo que eu desejaria hoje.
Mas o amor, meu amor, me chama. E, para com ele, nunca negaria nada.
Lembra dos sussurros? Não eram simples lamentos. Eram minha promessa, e, hoje, hei de cumpri-la.
Quero estar ao lado dele, até embaixo da terra. Lembre-se disso, por favor.
E todos meus sorrisos baseavam-se no fato que logo o encontrarei.

Adeus.
E sorria para mim."


Eu chorei. Larguei a carta e chorei. Como nunca havia feito antes. Ajoelhei-me e abracei-a. As lágrimas escorriam incessantemente. Eu abraçava um anjo, uma menina que amou e ama. E continuará a amar. Sempre. Dentro de mim, dentro de cada um.
Peguei as jasmins e tirei a mais bonita do ramo. Coloquei-a junto de suas pequeninas mãos, tão jovens, tão frágeis. Tão cheias de sentimento.
Voltei-me para a porta de sua casa com todas as outras jasmins. E, para cada pessoa que passava por mim, eu entregava uma delas e dizia: "Sorria por seu amor! Sorria por sua vida!"

A última jasmin, eu guardei-a para mim, e até hoje a tenho. Ela me lembra aqueles últimos sorrisos de Lúcia e, principalmente, o grande sacrifício de amor que emanou de sua alma para o mundo, até o momento em que se despediu dele com flores, alegria e coragem.

sábado, dezembro 02, 2006

Dessa Forma.

Se eu pudesse ainda me perder nesses olhos cor-marfim,
Se eu pudesse dizer-lhe o quanto de você ainda resta em mim.
Caso eu visse suas cores sem coloração batendo com força na minha alma,
Caso eu entendesse antes o quanto sua respiração e seu olhar cedem-me calma.

Talvez eu não tivesse te deixado partir,
Talvez eu nunca tivesse pensado em desexistir.
E teria agarrado suas asas, para você nunca voar,
Seria egoísmo, mas, contigo, para sempre eu iria sonhar.

Sonhar?
- Viver.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Porta que se fecha, Luz que se apaga.

Foi naquela manhã de vênus, ele estava parado na porta, quase uma estátua de alma viva. Eu nunca havia reparado no seu olhar sóbrio, atento a todos os detalhes que o mundo vomita em imagens e sons. Definitivamente, o peso da lua criava feridas, e eu nunca imaginei que só sua presença me faria tanto mal.
Nem ao menos se moveu para olhar-me. Continuou parado, sem expressão. Eu não me contive, queria gritar, chorar... morrer! Tudo justificava as minhas vontades, mas nada era suficiente para mantê-las vivas. Imaginei, por um momento, estar errada sobre tudo. Você ainda era meu, como o oceano e a linha do horizonte, como o sol e a lua. Mas era o doce engano, e, quando pisquei, a realidade respondeu com um sorriso.
Tinha uma garrafa de vodka na mão, olheiras profundas e parecia não respirar. Eu respirava descontroladamente e arranhava as mãos com as próprias unhas. Algumas lágrimas escorriam do meu rosto, mas os óculos as escondiam.
Senti sua face virando em minha direção. E seus lábios começavam, em frênesi, a formar os primeiros fonemas.

- Pare - eu disse. - De sua boca, agora, não quero ouvir palavras.

Ele não teve coragem de encarar-me. Abaixou a cabeça, como um cachorro com medo do dono. A mim, ele era um estranho. E, com toda paixão, para ele eu era o mesmo. Passou as mãos pelo cabelo. Sempre que fazia isto, era sinal de medo. Eu o conhecia melhor do que ninguém, era quase sangue em sangue, sem sangue.
Senti a janela trazer as lembranças. Pensei em correr e abraçá-lo e nunca mais ir para longe. Mas meus pés não se moviam e eu não lhes tirava a razão.
Há tanto tempo que o vazio dominava as paredes. Não era algo novo, essa sensação de desprezo que vivenciávamos naquele momento. O que eu sentia não era mais amor; era sentir apenas por sentir. E, pela forma que ele não respondia com a alma, sentia, também, a angústia.

- Acabou - as palavras saíram arrastadas, fui pega de súbito. - Esgotou-se o que achávamos que iria durar.

Eu abri a boca para tentar impedi-lo, mas ele já saia pela porta que estava encarando há horas. Corri até a janela e o vi, com seu andar apressado, pegando um taxi e provavelmente indo para longe, muito longe. Tentei gritar: "Não!". Mas nada de minha boca saiu, eu fiquei paralizada durante muito tempo, senti os primeiros raios solares encostando em minha pele, debruçada na janela.
Não conseguia pensar em mais nada. A mente estava vazia. Mas, afinal, não era isso que eu queria? Ver-me livre de um falso sentimento? Sentimento, que, junto ao ermo, parecia voltar a existir em verdade.

- Amor... amor.

Era essa voz suspirando na minha cabeça. Tentei calá-la, tentativas frustradas. Continuou durante horas, até que reparei os sentidos com pancadas na parede. Gritava com a minha mente, em briga contínua, mas, enfim, ganhei a guerra.
Vi o que não queria ver: eu estava sozinha. E dessa vez era para sempre, nada mais completaria o que eu costumava chamar de vontade de viver. Ele foi embora, pela mesma porta que entrava tantas vezes sorrindo e dizendo que me amava. Um amor que também por sua boca se fez extinto. Um amor que, somente em mim, será eterno.


Sentada hoje, na mesma janela por onde o vi partir, posso ver as luzes da cidade, ao longe, crescendo e diminuindo.

Crescendo e diminuindo...
E, enfim, apagando-se por completo.

Somente um pequeno vaga-lume continua a iluminar a triste cidade, que ainda sonha em ter suas grande luzes, crescentes e dimutas, de volta em seus braços.

terça-feira, novembro 21, 2006

As Quatro.

E, quando você menos espera, aquele gosto de não-sentir lhe vem ao pensamento.


Simplesmente, a cor da folha é verde. É verde porque é verde. E ponto. Não há o que discutir com relação a isso. O outono sempre vem para transformar sua cor: não importa, a alma é verde. Esta estação, de fato, acaba com a esperança de muitas folhas.
Conseguiu, alguma vez, ver a dor da folha ao cair da árvore? E o sentimento de vazio, que esta sente ao cair no chão e entender que nunca mais poderá encostar naqueles galhos altos de sua eterna mãe?

Dói na alma ver o outono chegar.

Vem-se a primavera. Não importa a ordem, eu apenas sei que um dia ela vem. E mata a inocência das flores. De crianças puras e até mesmo com cheiro de rosa, passam a gigantescas pétalas sortidas, que muitos dizem ser maravilhosas.
Imagine, então, que, um dia, uma linda criança do maravilhosíssimo reino metazoa, que não sabe nem ao menos o que vem a ser fotossíntese, vê uma linda margarida, que acabara de desabrochar para o mundo.
O que essa magnífica criança faz?

- Adeus, minha flor!

Enfim, mais uma história florida, que não se acabou em final feliz.


Pulemos o verão. Dele não gosto.

sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol sol

E lá se vai uma latinha de Coca-Cola pela praia de Copacabana.



De repente, é um frio que bate na minha janela, e eu tento ver a neblina que sai dos céus e vem me visitar. Às vezes, eu consigo pegá-la e guardá-la um pouco no coração. Outras, ela simplesmente passa por mim com um pulo sem sair do solo.
E a cor do inverno é azul. Azul mais puro. Azul de tristeza, azul de alegria. Apenas azul, como o verde da folha.
Mas o inverno congela as almas, mata as pessoas de frio na rua. E o pesar que levamos de palavras, são menores, infelizmente, do que as dores físicas dos muitos que sofrem.


Mais um ano se passa.
Mais folhas verdes caem.
Mais flores crescem e perdem a inocência.
O sol ilumina forte.
Também o frio ilumina as almas e apaga os sentimentos.



E eu posso encostar nas lágrimas descontentes de Deus, ao perceber que a natureza é o fim da natureza. Ao perceber que a beleza destrói a beleza, para que outra beleza possa renascer em verdade.

terça-feira, novembro 14, 2006

Sanque Que Leva a Sangue.

- Noite linda, não?

Abaixou-se, acendeu um cigarro.

- Não, a noite não está linda - vai-se fumaça.

Expressão de espanto.

- Como não!

- Não, simples. Está suja. Cada estrela, um tiro no peito.

- Cala-te, homem! Quanto pessimismo!

- Tenho olhos para ver, não para enganar-me.


Silêncio. Os olhares não batiam. A verdade estava no céu e na terra e em qualquer lugar. Doce polissíndeto. Mas a noite era bonita. E, também, era abominável. Duas vidas distintas numa praça comum, um sofrimento e uma alegria. Ou uma alegria e um sofrimento? Velejavam
pelos campos cinzas do infinito.


- Arre! Como pode, de onde tira tanta amargura?

- Do mundo, caro amigo. Olhe ao seu redor, pobre ignorante. Não vê que é exceção?

- Exceção de quê?

- De sofrimento.


Locução dura. Vencida de tempos, aceitada há muito. Os risos estão poluídos com merda. Os abraços verdadeiros já se foram. O escárnio, de hoje, será vida de amanhã.


- Você sofre?

- Eu, como o mundo.

- Eu não sofro.

- Não há por que fazê-lo. Nunca precisou.

- E você já?

- Inúmeras vezes. Meu sofrimento é maior: está na alma.


Mais uma vez, o barulho de vozes cessou. Uma alma machucada por percepção além do que merecia. Um bocejo sem importância. Pobre é de quem nada percebe. Pobre de é quem tudo o faz. Jamais diria, pois, sorte destes e azar daqueles.


- Alma? Não acredito lá nisso!

- Ora, por isso não sofre de tal moléstia!

- Tenho dores de carne, de velhice, de rugas. Mas não sou sentimental.

- Justo.

- Justo o quê?

- Vindo de você.

- Como assim?

- Tem sorte, apenas.


Um soco na escuridão. Pisou no cigarro com expressão vazia. Queria fechar os olhos, mas, se o fizesse, veria tudo que se tem forçado a não ver.
O outro pensava em dinheiro.


- Sorte? Não ganhei na loteria, ainda.

- Sorte de ser qualquer pessoa que não me seja.

- Oh, pretensão!

- Quem dera que o fosse.

- Se isto não é pretensão, o que é?

- Desejo de matar-me a consciência.

- Não o entendo!

- Factualmente.

- Deixa disso! Vamos aproveitar a noite!

- Vai você.

- Vou-me, um beijo à sua consciência que não consigo entender.


Sem resposta, colocou seu chapéu e foi-se para as gargalhadas, puros prazeres da carne. Pernas, saias, dinheiro. Tudo que um homem poderia desejar.

Ele, sentado no meio-fio, permaneceu por lá até amanhecer. Observando a noite, sem conseguir levantar e tentar alegrar-se um pouco. Quando o sol nasceu, não conseguiu ver seu brilho, o cheiro de sangue ainda era insurpotável.
Pensava em seus filhos e em sua mulher. Como fora egoísta em reagir. Deveria ter entregue o dinheiro, ao invés de tê-lo segurado fixo em suas mãos.




Beirava à morte, e o homem, que o esfaqueou, beirava renascer na luxúria.

domingo, novembro 05, 2006

Amor de Piscada.

Foi até a esquina, era tarde da noite, voou os pensamentos até a janela da outra ponta da rua. As cortinas estavam fechadas. Com uma tristeza volvendo o rosto, sentou-se no meio-fio, esperando alguma luz acender-se na casa e, também, em seu coração.
Passou-se muito tempo: a agonia batia à porta. Nada acontecia. Já estava esperando há muito, as esperanças de aquilo acontecer já eram escassas. Mas não desistiria tão fácil. Esperara a semana inteira por aquele dia, por aquela noite tão difícil de obter-se mais de uma vez na semana. Em todo caso, nunca nenhum movimento era igual.
Um bêbado vinha virando o cruzamento, não temeu nem mesmo isso. Não sairia dali, enquanto seu principal objetivo não fosse cumprido. O homem vinha cambaleando e falando com algum amigo imaginário.

- Ae... cê sabe me dizer onde arranjo mais birita.. blow..?

Sentado no meio fio, com os olhos fixos na janela, não respondeu. Pensava apenas no momento em que perderia os sentidos e sua mente fugir-se-ia até o céu, junto com os deuses. Seus olhos perceberam o bêbado continuar seu caminho, levando aquele hálito de vida sem rumo. Ai, que nada mais importava. Poderiam explodir cidades e corações desgarrados, que ele não desgrudaria seus olhos dali.
Todo sábado à noite era a mesma coisa. Fugia de casa para ir até a esquina, e, depois de completada sua vontade, voltava para sua cama, sorrateiramente, e ia dormir, sonhando com o próximo dia que aquilo se repetiria novamente. Sonhava e via estrelas tão luminosas, que o cegavam da realidade de não possuí-las.
Estava perdido em pensamentos, quando seu coração acelerou mais rápido do que uma poerira repentina. A luz do andar de baixo fora acesa. Estava perto, conseguiu ouvir os passos lentos subirem degrau por degrau, cada toque ao chão era um apertar em seu peito.
A luz do quarto, a qual observara toda a noite, foi acesa. Deu um pulo e arregalou os olhos. Era agora, seu coração estava disparando a mil vaga-lumes. Uma música começou a tocar e enxarcar-lhe os lábios.

Respirou fundo e sonhou: talvez hoje me perceba, porque para sempre não hei de ficar escondido.

A janela foi aberta e todos os mundos coloridos também o foram. Beleza de deusa, tão rara quanto seus fios de cabelos louros e compridos. Ela respirou o ar da rua deserta, não reparou no pobre coração perdido olhando-a da escuridão. Apoiou um pouco os braços no umbral e tentou ler a carta que haviam deixado em sua porta, uma carta apócrifa e quase sem nexo.

"Ao amor, que vem a mim todas essas noites, ó deusa!
De você meu mundo é feito.
Vivo de ti,
De seu ar repentino.
Acorda-te!

Alguém está a te amar."

Deveria ser algum tipo de brincadeira, pensou. Suspirou um pouco, não podendo conter seus desejos íntimos de amor. Seria bela uma vida em conjunto incondiconal, pura de mais olhares.
Ele não aguentava mais olhá-la sem tê-la nos braços. Queria gritar: "Oh, amor, aqui eu estou!" Mas, bem sabia, isso não seria possível agora. Era apenas um mero garoto em contraste a uma deusa de beleza e sentimentos exuberantes. Guardou-se para si a agonia de não possuir seu amor.
Ela se cansou de olhar e nada ver. Resolveu ir dormir, o dia seguinte já estava a esperá-la. Olhou para a rua mais uma vez, e pareceu ter visto um vulto. Não deu importância e, com um piscar de olhos, fechou as janelas.
Caiu ao chão o pobre coração sozinho, chorou lágrimas de saudades. Pareceu-lhe que a eternidade não o pouparia de mais uma vista rápida da dona de suas dores. Conformou-se e levantou-se para voltar à sua casa, já sem vontade alguma de andar.

Ao dobrar a esquina, mandou beijos de saudade àquela janela de poucos instantes. Pousou-se em casa e se foi sonhar com aqueles olhos tão puros e dignos, os quais sempre tiravam-lhe o sono.

Em apenas um piscar de olhos, pensou, eu a amei.


E voltou-se à realidade.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Ponto de Fuga.

Vem, agora, aquele gosto tão salgado à garganta, como se o choro não conseguisse escapar e resolvesse voltar para a alma. Muitas vezes, é apenas isso que acontece: um esquecimento. Em outras, a falta de amor e de gratidão crescem ao ponto de matar o esquecimento de tão incompleto.
Sonhei com você, mil perdões. Ainda que o sonho seja meu, e que o pensamento não tenha dono, a culpa é toda minha. Poderia ter velejado por outras praias, tombado em outros mares. Mas, ao sentir suas ondas brancas tocarem meus desprotegidos pés, todos os pecados somem, tal que nunca existiram.
Você se foi. Não quis impedi-lo. Sem motivos, em um segundo. Adeus, lembro de vê-lo acenando e indo embora naquela esquina sem fogo. Nesse dia, fui-me ao último andar de meu prédio. Pensei em pular, mas a coragem me faltou, uma lembrança foi o suficiente para deter-me.
Acalentei todas as flores em seu pequeno túmulo imaginário. Todos os dias, à noite, sem demora, jogava-lhe uma rosa. Ao dormir, escutava suas tentativas de ressuscitar, gemia alto, querendo tirar a terra da garganta. Porém, força de alma é maior do que força de migalhas. Você não conseguiu.
Os dias passaram lentos, as noites passaram em branco. O calendário era sempre igual. Uma tarde, quando passeava pelo meu jardim, senti ter ouvido sua voz, lá longe, dentro de minha mente. Sentei-me na grama, e olhei o sol. Ele me lembrava suas idéias. Você queria, como Hícaro, alcançá-lo. Morreria queimado, eu bem sabia. Isso era o que mais amava em seus olhos: a falta de medo.
Quando o tempo passou renovado, e eu finalmente achei que o tinha esquecido, sonhei com você. Vinha a mim, com todas suas palavras em falso, nas quais sempre acreditei, com toda a certeza da falácia. Desesperei-me, com razão. Lembrar de seu rosto era a morte, lembrar de suas palavras, o silêncio.
Mas hoje é diferente. Eu sinto as lágrimas descendo, uma por uma, sem importar-me com os sentidos. Agora, você vai acabar. Você vai sumir. Vai deixar-me. Sem explicação, sem volta. Eu vou matá-lo. Com seus olhos me acompanhando para sempre, não há mais para onde sonhar.

Pegou um punhal, que tinha guardado há vidas, e, com apenas um movimento, apunhalou seu próprio coração.

domingo, outubro 29, 2006

Mesmo.

Ultimamente, a realidade tem se tornado abstrata para mim. As pessoas passam , sem rumo, acreditando em algo mais. E eu, ah, e eu apenas me prendo a esse mundo irreal que pensava ser o mais real possível.
Aconteceria, é verdade, se todos prestassem atenção em todos. Mas quem disse que isso os consome? Que nada. O que querem, mesmo, é muita porpurina e glamour. E quem disse que se importam com o preto e branco das pessoas lá da favela? Quem disse, hem?
Ninguém disse. Porque ninguém mente. NINGUÉM mente. Alguém o faz? Ah, claro. Eu a quero muito bem. Essa inutilidade chamada mentira. Calma, ela vem chamando. E não tente fugir. Um dia, ela sempre lhe alcança. Porque, quem acredita, sempre o faz.
E o passo da lavadeira, gritando, sorrindo. Ela acena para a criança que é estuprada na vendinha. Amanhã. Amanhã vem como ontem. Não tarda, não. Corre, criança. A dor é sangue.
A mentira é branda. E vem com o segredo.
Psiu, você. Menina bonitinha. Cabelos delgados. Deixe eu lhe pintar? Com as cores da noite, com as cores do dia. Ah, que beleza.
Acordei desse sonho. Vida inalienável. Realidade irreal.
Sonhei com o verde do mar e com o azul da floresta. Vê se pode?
É abstratismo, são seus olhos negros. É a mão querendo charme. Ora, de chocolate. O doce dos doces. O doce do segredo.
Música ao fundo, mentira ao convés. Onde está meu pensamento? Dentro de mim? Ou escondido nas barras de chocolate?
Aacabou o papel. Escorreu a tinta. A verdade sumiu.

A inspiração cessou.

O Museu do Pecado.

Foi tal como um pesadelo. Eu, olhando o mundo, ao ermo, sem alma. Não me sentia, apesar de me ser. Queria andar, mas não conseguia. Queria falar, mas as palavras de minha boca não saiam. E eu só via uma multidão de pessoas olheiras, espreitando como urubus. Uns perguntavam: “Mas que diabos está acontecendo?” Outros, ainda, desmaiavam de tão horror que a cena proclamava. Ouvia choro de criança, ouvia gritos de mulheres exaltadas.
Sirenes tocavam. Policiais corriam. E eu ainda não sabia o que se passava. Meus olhos observavam tudo, desde a multidão até as obras de arte pintadas e esculpidas. Vi Picasso, Da Vinci e Portinari. Vi pessoas desesperadas, com medo e me olhando com ódio.
Nesse instante comecei a me recordar.
Era uma manhã tempestuosa. Minha esposa estava programando levar nossos dois filhos para um museu. Oh, como as crianças estavam alegres! Falavam até que planejavam ser pintores quando crescessem. Eu, como bom pai, escutava tudo com muita alegria.
E fomos nós para o museu. Chegamos, as crianças ficaram encantadas. Mas minha esposa, uma mulher bela e virtuosa, se via inquieta, impaciente. Pensei ter sido impressão minha, mas não o foi.
Ela disse que precisava usar o banheiro. Tudo bem. Eu fico com as crianças. Passam cinco, dez, trinta minutos. Nada dela voltar. Agora, quem estava impaciente era eu. Pego as crianças e vou até o corredor que leva aos banheiros. E é nessa hora, que meu desespero insano começa a fluir.
A raiva subiu a cabeça. Como?! Seu vestido vermelho e bem passado, agora, todo abarrotado misturado a um preto jovial e cheio de vida. Em meio a uma atraente mistura simétrica, viam-se os vinte dedos entrelaçados uns aos outros, com lábios em pleno toque. Não conseguia acreditar. Meus olhos, mefistofélicos, gritavam em dor, em arranque de alma. Então, o pecado surgiu em abraço.
As crianças nada entendiam, mas correram até a mãe, que ficou em estado simplório de basbaque. E pela última vez, vi aqueles olhos, em total tarjados e, quem diria, eram negros. Fui arrastando minha mão, bem lentamente, por dentro do paletó. E não mais pensei.
Fora Um.Dois.Três.Quatro.
E, agora, me vejo aqui. Num pecado insano, sem fim. O desespero em alcance. Minha alma suspira, pedindo o grande feito. Lembrava de tudo. Exatamente tudo. Agira por impulso, mas não havia arrependimento, nenhum pingo. Mas havia peso, tristeza, amargura. E os olhares assustados me causam medo e me tiram toda fé que um homem pode possuir. Eu sei o que deve ser feito.Ainda com a morte na mão, aproximo-a do meu crânio, tão desumanizado quanto Deus. E a lembrança da tarja preta, finalmente me abandona, no descansado e pecador museu do tudo e do nada.

Fora Um. Dois. Três. Quatro...E cinco.

O Toque do Vento.

Ela não podia mais voltar. Não agora. Não depois de tudo vivenciado e perdido. Queria tanto ver após o muro. Aquele muro que, de tão vermelho, se via azul. A todo instante, sussurrava-se pelo vento: Por que o fiz? Por quê?!
Let it bleed. Nunca pensara em tornar uma música, literalmente, o sentido de suas ações tristes e finalizantes. E ela, agora, só conseguia ver aquele vermelho vivo, fluindo, pedindo por ajuda, com vontade de viver. E ele a acariciava, tão quente, tão temeroso e tão vermelho como tal, enquanto descia pelo seu peito frívolo e quase sem vida.
Lutava contra as lembranças. As lembranças que a açoitavam, mostrando-lhe o motivo de agora estar ao vermelho. Cada vez mais, se sentia só. Não entendia o porquê. Não existem porquês. Nem mesmo tais lembranças eram suficientes para esse pesadelo entrar em funcionamento.
Seus olhos. Esses olhos. Aqueles olhos que ardiam por ódio e rancor, agora, ardiam por medo. Um medo estranho e cruel. O medo do antecipado inevitável. Ah, como tanta coisa poderia ser feita! Mas não mais.
Sentia o mundo, o mundo que sempre observara capciosa e vagamente, caindo à sua volta, como uma pena que cai por leis. O vento batia forte em seu rosto, como se quisesse empurrá-la para longe, fazendo balançar seus cabelos longos, como facas finas e aguçadas. O cheiro de vida era tão bom, mas não o suficiente.
Não mais via nitidez nas coisas. A Lua dava voltas e voltas e seu coração batia acelerado. Apenas notava a dor. A dor de ter rancor, e saciar-se dele da forma mais errada possível. Nada, pensava, nada poderia justificar. Nem mesmo sonhos inalcançáveis ou egoísmos próprios. Nem mesmo qualquer loucura ou perda de sentido.
Ela sabia que estava chegando. O cheiro de vermelho estava tão, mas tão forte, que parecia que a tinha escapado completamente, sem deixar ao menos vestígios de dentro de si. Mas o medo nunca a deixaria em prol de físico. Não. O medo é tão mais sentido. Até seu último instante, ele a apavoraria.
O desespero chegara à porta. Seus dois faróis, que agora tinham água escorrendo como chuva, estavam se apagando. O medo crescia dentro de si, conforme a dor se espalhava e o vermelho a deixava. Seus sonhos, suas metas. Tudo indo embora. E agora chegava seu adeus para o medo com mais medo, que parecia que era impossível deixar de temer. E os faróis estavam a se apagar, lenta... Lentamente...

Mas ela não podia mais voltar. Não agora. Não depois do vento ter levado seu último suspiro para junto do eterno.

O Nítido Brilho do Anoitecer.

Kassandra fora uma menina brusca e distraída. Acordava, toda manhã, e ficava minutos olhando-se no espelho, reparando em coisas que queria que fossem diferentes. Passava o batom vermelho, vermelho em seus lábios carnudos e corria para a escola, pensando no vestido que usaria mais tarde para ir a uma festinha qualquer.
Sentia o tempo batendo em seu rosto, à toa. Mas não percebia. Apenas queria festas, festas, proibições, proibições. Não se importava em falar com sua avó, que se balançava na cadeira de balanço, toda tardinha, depois da novela.Ou, até mesmo, em dar um beijo gostoso em sua mãe, antes de correr para a cidade e comprar bijuterias para se embelezar. Ela apenas queria ser bela. Ter um futuro brilhante. E ser querida por todos. Era grossa, quando era preciso para seu sucesso. Brigava com sua família, pois tudo que dizia era sempre o que considerava certo. E, oh, que fazia tanto jus disso. Reclama de tudo. Do mundo, das pessoas, dos lugares. Só ela era. Só ela.
Tal que Kassandra era uma mulher feita. A idade já começava a se passar em seus olhos. E flor jogara no último adeus à sua avó. Aquela avó que apenas desejara um segundo de sua atenção, e que teria dado tudo por um pingo de sentido. Mas a mulher não o tinha. Não o sentia. Agora, só pensava em seu trabalho. Precisava ser promovida, ser considerada a melhor.
A magicidade das coisas, definitivamente, haviam sumido por completo. Sem rastro, sem ter deixado recado. Mas quem se importava com isso, afinal? O que realmente importava era o dinheiro, o luxo e tudo que um bom emprego havia de lhe proporcionar. Tinha liberdade para tudo, agora que colocara sua mãe num asilo e não tinha mais de se preocupar com uma senhora, que começava a se esclerosar.
Prendia-se apenas a sua vida econômica. Não tinha tempo para isso, não tinha tempo para aquilo. Era ela e ela. Ela e ela. Sem amores platônicos ou reais. Apenas admirações pelos galantes astros de cinema, o qual ela dava uma passada uma vez ao ano, se restasse espaço em sua ocupadíssima agenda lotada.
Mas, em seu mais íntimo, ela começava a sentir um vazio. Seria Amor? – Perguntava-se. Não, não podia ser. Tinha seus joguetes que lhe davam prazer. Amizade? Não, tinha aquelas tão ricas amigas que a elogiavam e prestigiavam em tudo. Por Deus! O que poderia ser, então?
Com essa tão grande angústia, procurou ocupar seu tempo mais e mais, a fim de que não mais tivesse momentos de reflexões loucos e insanos. Plásticas começava a fazer. Roupas e roupas começava a comprar. E, quando ficava sozinha, sentia um grande aperto em seu peito.
Decidiu-se, então. E casou-se. Teve filhos, lindos filhos. Mas aquele vazio continuava, para sua terna infelicidade. A atormentava toda noite, sem folga. Sua mãe a deixara numa noite tempestuosa. Lágrimas caíram, jogadas ao ermo. Mas a vida continua, lembrava-se toda manhã. Voltava ao trabalho, ao seu tenso trabalho. E seus filhos crescendo iam.
Já estavam com seu vinte e oito anos, quando Kassandra teve seu primeiro ataque cardíaco. Como fora doloroso, ver seus gêmeos, tão sérios e crescidos vendo-a numa cama de hospital, acabada.
Mas recuperou-se. Voltou à vida. E não mudou. Continuou a mesma. A mesma.
Seus filhos casaram-se e seu marido a abandonou por uma mulher mais jovem. Ah, a ausência disso tudo! Sentia na pele o que era sofrimento. Como se arrependia, agora. Como queria voltar pelo rio e ter seguido rumos tão, tão diferentes.
Mas não há mais volta, pensava, sentada na cama do asilo, o qual fora jogada há pouco tempo. O sonho chegava ao fim.
Sentia dor por ter feito tantas coisas, sentia dor por ter deixado de viver tão cedo.
Mas, Kassandra, agora com seus oitenta e cinco anos entende muito bem. Entende que o tempo não sonha materialismo. Entende que o tempo não sonha futilidades. Entende que o tempo não sonha passados e futuros.
Mas entende, principalmente, que o tempo apenas sonha o presente.
E o que o brilho da noite trazia para si, agora, é maior do que tudo que já sentiu e vivenciou. É mais sentido do que tudo que tivera. É tão real e tão imaginário quanto uma alegria.
Ele trazia, consigo, a verdadeira essência de mais uma vida passada em vão.

Aquilo.

O que ocorre em mim, neste momento? A dor, a dor de não saber. Os sentidos se confundindo com verdadeiras imagens. Os pensamentos que almejam explodir em sinfonia. Explodam! Ora, se querem! Parem de me atormentar. Com isso, caio e me vou até as estrelas. Claro, claro. As estrelas sem brilho, porque. Porque. Por quê? Eu sei que vôo, eu sei. Mas não me sinto. Onde estou? Onde estou? Onde estou? Quero me tocar, me sentir, me aliviar.

Encontra-me, sentimentos. Por favor. Cria-me. Solta-me. Cala-te, por fim. Não quero mais te ouvir. Vá embora. Deixa-me. Suma! Eu quero acordar, ó Deus, eu quero acordar. Preciso. No que acreditas



?


Na morte! Pois sei. Acreditas nisso e em nada mais! Eu a quero, já disse. Ela me vem todos os céus. Acredita, lá, em antes? Eu não, ah, eu não. Só no que não surge. E, também, no que não fica.

Eu sonho acordada. Eu falo calada. Deixa-me.

Já disse, suma.

O que é? Vasta-me. Tu querias, tu querias... tu querias sonhar? Morte. Sangue. O gritar. Ah, derivação imprópria! O que te importa? Vamos, o que te importa?
Os morcegos! As asas que batem, os olhos que não vêem. Eles criaram para ti, correram de tua caverna. Para onde? Oh, não. Não para onde.

Acaba, acaba agora.

Carta ao Coma.

Escrevo-lhe esta carta, hoje, para que entenda o sentido de tamanha desordem. Já que, em meio a fogo e escarcel, não consegui me encontrar. Que, por meio de letras e rabiscos, me veja, talvez, sem o tão belo caos.
Eu realmente não queria que minha eternidade, minha linda e falsa eternidade acabasse agora. Mas, como você mesmo me dissera, com palavras que me lembro tão bem, "Tudo tem um fim, Eleonora". Tudo tem um fim. E esse é todo o fim de minha sanidade. Que a leve consigo é meu maior desejo.
Queria lhe sentir, agora. Por uma última vez. Por um último toque. Ver como tudo é tão simples e realizável. Ainda me lembro de seu sorriso renovado que me fazia maravilhosamente bem. Seus olhos me guiavam como estrelas. Eu lhe amava até minha última célula. E lhe amo, apesar de você, nesse momento, ainda não ter voltado a existir.
Você sempre esteve ao meu lado, nas maiores lástimas que já tive. Eu deveria lhe guiar, agora. Mas não sou tão forte quanto você. Não tenho luz, não tenho fé! Quero fugir, mas não posso. Quero salvar-lhe, mas estou presa. O que fazer, meu amor? O que fazer?
Suspiro perto de seu corpo, na esperança de você levantar e me acolher. Afago-lhe com minhas pesadas e tristes mãos. Seus olhos, duas janelas de ferro contra tudo e contra todos. Sei que um dia se abrirão. Mas sou fraca, desprotegida e minh'alma pede fuga.
Oh, meu tão eterno amor. Já não mais consigo agüêntar. Não consigo mais lhe ver tão perto, porem tão longe. Com seu corpo a meu alcance e sua alma tão distante de mim.
Espero, um dia, lhe encontrar entre sonhos e voar consigo em lágrimas de amor. Não esquecendo que meu pensamento só em você vive.

Eleonora

Assim.

O nada conspira hoje, minha amiga.
Quer nos levar para longe, para lá, você sabe.
Eu sei, também não quero ir. Apoie em mim, minha flor.
Se você decair, eu decaio. Veja isso, veja isso.
Seja forte. Seja, por favor. Você é a Lua e as estrelas.
Você é o infinito azul de pétalas.

Não o sinta, minha pequena.
Escape comigo. Voe para longe.
Eu te amo. Eu te amo.
Escute-me, é a vida cheia de perfume.
Cheia de sinfonias vermelhas.
Não, não pense em tudo.

Eu que soube dos lírios, eu que soube da vida.
Eu que sei que sua amizade me dá força.
Eu que preciso de você.
Eu te amo e parece que somente isso não basta.
O que basta, o que basta?
Você me basta.

domingo, outubro 22, 2006

S2

Eu te amo.

E nada mais importa, somente aquilo que prevalece.
Você é meu tudo.

Minha caneta marca-texto.

"Lalalalalala means I love you."

-

If you fall, I'll catch.
If you love, I'll love.
So, it goes, my dear.
Don't be scared, You'll be safe,
This I swear, If you only love me back.

-

Raphael,

Sem você, eu sou apenas

um

NADA.

-

Forever yours.

Mentira.

Eu a sinto escapulir de seus lábios
E passear pelos seus olhos, que não conseguem me encarar.
Ela é fina, quase imperceptível,
Mas eu a vejo sorrindo para mim.

Quando não conseguia acreditar,
Fazia-lhe carinho.
Agora que posso tatear,
Não confio mais em nada que já tocou em você.

É tão fácil ser humano,
E esquecer de tudo que sua moral um dia prometeu.
Dizia dos outros os pecados cometidos,
Mas também quem os comete são suas palavras.

Desisto de crer em alguém,
Alguém que em certo momento acreditei.
Não há verdade no mundo,
E muito menos na boca do homem.

domingo, outubro 15, 2006

Elas? Ela.

Elas se reconheciam por um olhar que fosse, doce encontrar de alma. Entendiam-se apenas por um esgar de lábios, tão simples e tão significativo. Não fazia tanto tempo assim que se conheciam. Dez anos, quem sabe doze. Não era tanto, comparado a uma vida inteira, cheia de vivências e gaiolas.
Era até engraçado como a vida dava voltas e voltas e sempre carregava uma lágrima de uma à outra, pedindo para ser acalentada por braços amigos. A amizade, nesse caso, era mais que amizade. Era amor. De carne, de alma, de amiga. A cumplicidade, sem palavra alguma, era a maior sobrevivente de toda a racionalização possível.

Dia quinze de outubro de dois mil e seis. Estavam distantes, porém juntas. Em conexão longe, dessa vez. A saudade já apertava e a vontade de abraçar era grande.

- Poxa, quize anos... Quem diria?

- Não me lembre disso, por favor...

- Para mim, será sempre a menininha. A dos cachicnhos dourados, correndo comigo e me dando a mão para levantar do tombo. Estou com saudades de você...

- Também...

- Mas eu estou de verdade. Da menina que conheci.

O silêncio acarretou. Da menina que conheci. De fato, as mudanças estavam em face, como uma máscara arrancada, deixando apenas a carne viva. Lembranças pulavam na mente das duas. O tempo estava parado, mas passava como um flash diante de seus olhos. Há alguns anos atrás, elas costumavam apostar corrida e pular muro de casas vazias. Agora, elas costumam chorar pela graça perdida.
Afinal, para onde foram os dinossauros? Eles sempre apereciam no quintal da dona Glória, e elas eram obrigadas a fugir. E os anjos que inventavam senhas para acesso ao céu? Para onde foram as horas a fio acordadas sem o assunto acabar? Para onde foram os risos gostosos de criança?

- E onde está essa menina?

- Eu não sei... Ela está em algum lugar, brincando comigo e fugindo de monstros, que se escondem em cabanas.

- Isso daria uma bela história...

Não houve mais pronúncia, de ambos os lados. Os pensamentos eram tantos, que a dificuldade em reconhecê-los era imensa. Achavam que sabiam da vida, mas, nesse momento, comprovam-se a si próprias que não sabiam de nada. Sentiam falta delas mesmas, naquele tempo onde até mesmo catapora era festa. Mas agora não se pode mais voltar, elas sabiam, a vida se vive apenas uma vez.

- Então, para onde nós fomos?

Não se sabe ao certo de onde a pergunta surgiu. Parece que foi a junção de todos seus pensamentos, de ela para ela, até se fundirem em uma questão. A resposta não seria dada por palavras, nem por mímicas ou sinais.

A resposta veio da alma.


Elas ficaram perdidas,
Naqueles dias de verão,
Cheios de doces, de tinta, de água...
De ilusão.

sábado, outubro 14, 2006

A_Normalidade.

Eu levanto,
Escovo os dentes.
Despenteio os cabelos.
Vou para a escola, estudo e passo fome.
Seco os olhos.
Danço de verdade.

Depois, esqueço do mundo e vou dormir.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Alô, alô.

Trim-trim-trim.

Ah, não, agora não...

Trim-trim-trim-trim-trim-trim.

Caralho.

Trim-trim-trim-trim-trim.

Porra, quem será o viado que tá me ligando a essa hora?

Levantou o rosto do travesseiro, irritado. Olhou para o relógio. Eram realmente oito horas da manhã. Isso eram horas de alguém ligar em pleno sábado? Só podiam querer acabar com seu 'ótimo' humor.

- Alô? - disse, secamente.

- Alô! É a Luciana, amor. Te acordei?

- Ah, put... ah, claro que não, linda.

Putaquepariu, ela não podia esperar até as onze?

- Ah, que bom! Mas, então, tô ligando pra dizer que te amo!

- Porra, quer dizer, poxa, Lu, você ligou às oito horas da manhã, eu disse OITO horas, somente para dizer... 'isso'?

- Como assim somente para dizer 'isso'? Você não liga para o que sinto por você?

Pronto, phodeu.

- Ligo, claro que ligo. Mas você não tinha uma hora melhorzinha pra dizer isso, não? Porra, Lu, eu tava dormindo. E você sabe que eu trabalhei até tarde ontem. Não tenho sua vida, não.

- Leandro, você disse que não tava dormindo! Vai mentir pra mim, agora, é? E, é claro, você trabalhou até tarde ontem, e eu estudei, sabia? Aposto que se fosse um dos seus amigos idiotas, você atenderia o telefone todo feliz e ainda daria a bunda na esquina bocejando.

- Caralho, Lu! Não é nada disso, mas que porra! Por que você tem que sempre meter meus amigos no meio?

- Ah, por quê? Quer que eu meta uma amiga no meio? A Carol vive te ligando cedinho e você nunca reclama.

Menos de cinco minutos no telefone e já nessa ladainha.

- Olha, não tô com saco para aturar suas crises, não. Me liga depois, tá? Tô com muito sono para ficar escutando você gralhear.

Silêncio.

- Não me procure mais, seu idiota!

Pi-pi-pi-pi-pi.


Ops, acho que fiz merda... ah, dane-se, tô com sono, depois vejo isso...

Ele voltou para a cama e dormiu por mais três ou quatro horas.
Ela foi para a casa de uma amiga chorar pelo ex-namorado que não a amava.


O problema das mulheres é que elas são sentimentais demais. Já o dos homens, bem, o problema é que eles DORMEM demais.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Os Cigarros, Nunca O Homem.

Todos os dias, quando passo por aquela rua, ele sempre está lá. Não importa se está chovendo ou se está fazendo o calor de queimar, que costuma sobrevoar o Rio de Janeiro. Ele sempre está lá, sentado, quase pedindo por algum tipo de socorro.
Sempre passava por alí, sem notá-lo. E como notaria? Ele vive como uma sombra, esperando uma mão com algumas notas verdes. Vende cigarros, de todas as marcas. Usa chinelos sujos, e parece se esconder, com medo de que alguém o note e o puxe para a rua.

Mas uma hora eu havia de reparar.

Estava voltando da escola, como faço todo meio-dia, e o vi. O olhar mais vazio que eu já presenciei em toda minha vida. Não parecia sentir o vento nem os raios solares, formados há algumas horas. Não parecia se importar com os pedestres apressados, esbarrando bruscamente em seus pés indefesos. Na verdade, não parecia importar-se com nada.
Aquele olhar de vivência perdida, de meia vida quase sem sentido, fez-me parar, estática, e sem forças, somente para sentir aquelas lágrimas, que pediam para sair há anos, mas, dele, nunca saiam. Parecia ser forte, mas se via toda sua fraqueza, apenas naqueles olhos.
Aqueles segundos, os quais passei sem respirar, voltaram ao seu tempo normal. Mexi a cabeça e tentei desprender meus segredos do olhar daquele senhor. Por que ninguém reparava? Era tão difícil dizer: "Bom dia! Como acordou hoje?". Ele sentia falta de tudo. De um sorriso amigo, de algo para fazer. Eu nunca havia conversado diretamente com sua pessoa, mas parecia que eu a conhecia há anos e que éramos como pai e filha.
Tentei pensar em maneiras de animar sua alma. Fiquei com uma idéia fixa na cabeça durante semanas: Dar-lhe um livro! A idéia era perfeita, a não ser, é claro, se ele não soubesse ler. Como eu faria? Fingia esquecê-lo na pequena bancada de cigarros? Não, não daria certo. Dá-lo-ia diretamente? Não seria uma boa idéia, se ele realmente não soubesse ler.
Ao final, resolvi-me não por livro, mas por música. Todos sabem escutar e aproveitam a música até nos dias piores. Comprei um radinho, daqueles de pilha, e tomei coragem para entregá-lo ao triste senhor.

- Com... com licença - disse, tentando não mostrar o nervosismo. - É que... eu comprei isso para o senhor...

Entreguei-lhe o radinho e ele o aceitou. Ficamos os dois parados, por alguns minutos. Eu e ele éramos o mundo, por tempo parado. Não agüentando mais toda a situação, ajeitei a mochila nas costas e resolvi ir-me.

- Bom, então já vou indo... faça bom proveito...

Já estava virando de costas, quando ele pegou na minha mão. Assustei-me, não esperava aquele tipo de reação de alguém que nunca havia mostrado sinal de emoção. Olhei diretamente em seus olhos e, quem diria, naquele instante, não vi vazio nem tristeza. Vi uma pequena lágrima escorrer por seu rosto e tocar os lábios ressecados. Olhava para mim com uma firmeza infinitamente sóbria.

- Você, de todas as mil pessoas que passam diariamente por aqui, foi a única que reparou em mim, sem motivos de fumo. - Abriu um sorriso, o mais lindo e sincero sorriso.

- Eu...

- Obrigado. - E desviou o olhar de mim.

Senti que o que havia de ser feito, já tinha sido feito. Soltei um enorme suspiro de alívio, ao escutar palavras vindo daquele senhor, que até hoje não sei o nome. Um homem que havia sido esquecido pela sociedade, e que vivia somente com as gotículas de poeira.
Balancei a cabeça em sinal de respeito, e fui-me embora.

Quando já estava longe do senhor, olhei para trás. Ele estava batendo os pés alegremente, ao ritmo da música, que ressoava em seus ouvidos.
E seus olhos sobrevoavam o céu azul, daquela linda tarde de verão.

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Hoje, Hoje, Não Foi.

Hoje eu acordei. Acordei, simplesmente, como quem não quer nada. Como quem quer dormir mais algumas horas, porém nem sono mais possui. Varri a cama, com travesseiro, cobertor, brincos e meias sujas. Tudo se foi ao chão, a baderna estava feita, e ninguém iria reclamar, a não ser, quem sabe, as bactérias.
Voltei-me para a cama e cortei toda a colcha. Retalhei-a, picotei-a. Não queria colcha como colcha. Queria-a como um jeans de algum adolescente metido a rebelde, pois a tesoura gritava por trabalho, precisava saciá-la. Venci meu medo, e joguei as picotações com ferocidade para o chão. Pronto, agora a colcha era um jeans.
Um barulho começou a solfejar pelas estradas à fora. Ah, os carros repetitivos caminhando para o pão de cada dia. Liguei a vitrola, volume máximo. Era um antigo Elvis tentando conter o barulho que vinha das ruas. A música me tomou como surto. O barulho do universo havia sumido por completo. Éramos só eu e os anos cinqüenta.
Hoje foi um dia igual a todos os outros dias. Sentei-me na janela do meu apartamento, um terceiro andar não muito terceiro, e fiquei a olhar os pedestres com seus relógios, com suas pressas, e com suas maletas, todas negras. Nenhuma criança brincava na rua. Penso que, talvez, essas maletas tão sérias assustem os risos e pique das crianças, que hoje só têm olhos para os enlatados.
Pensei que algo ainda pudesse acontecer, quando a noite chegou. Mas não recebi nenhuma ligação amiga, não vi nenhum sorriso, e nem me forcei a sorrir. As flores de um jardim longíquo já estavam adormecidas, não me mandavam mais pétalas. E assim tem sido hoje.
Ainda com pouca vontade de continuar acordada, fui-me ao piano. Podia sentir a poeira da casa, nunca limpa, batendo em meu rosto, quando a harmonia fluia pelas paredes, chicoteando o vento.
Não sentia o que tocava, e não tocava o que sentia.

Desisti.

Sentei-me na cadeira com papéis e lápis. Comecei a escrever cada palavra que aqui se encontra. Por tal, percebo o quanto é tudo tão sem nexo quanto tudo. O dia passou como um dia qualquer, sem forma, sem sentido, sem miados de gato.
E apenas não sei como vim parar aqui.

Hoje o dia amanheceu como nada, e terminou como nada.
Eu sei. Nem todos precisam ser algo. Ás vezes, o nada se torna nada, por ter se esquecido de colorir as figuras negras.

Passou, como o brilho nos olhos das crianças um dia se foi.
Passou, como a colcha recortada.
Passou, como as malas negras deixaram de pedir socorro e amor.

Passou como não se deve passar.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Meus Quinze Anos.

Para mais informações, leia o post abaixo deste.
Obrigada. :)


-

A menina acordou rapidamente, como quem leva um susto ao sonhar que está caindo. Levantou-se e matou a preguiça, esticando os braços longos e delgados.
Que horas deveriam ser? Seis horas de uma nova manhã? Sete? Não importa, hoje é hoje e ponto.
Não estava feliz e isso se erradicava de uma forma simples e clara de seus olhos. Estava nervosa, talvez com medo. Não era todo dia que se acordava com um ano de vida a mais, e essa idéia não agradava-a muito.
Foi até a penteadeira do seu quarto e deu uma longa olhada naquele espelho sujo e quase sem reflexo, que a acompanhava, todos os dias, desde que era uma pequena garotinha cheia de idéias e sonhos. Não mudara muito dos oito anos para cá. Apenas não brincava mais de boneca e nem se imaginava numa floresta cheia de dinossauros. Não contava mais as horas para ir à escola ou para ir para a rua no final de semana.

Então, pensou, mudei exatamente em que parte de mim?

O espelho pareceu responder-lhe, mas não o fez. Ela olhou novamente para sua imagem fixa, e suspirou bem fundo, com um aperto de vida passada. Queria entender como ela poderia ser ela mesma sem os tiques nervosos, sem os resmungos, sem os medos. Ela sabia que as mudanças eram necessárias. Mudamos a todo o tempo, mas mudamos e continuamos dentro de nós.
Ela desisitiu do espelho do quarto e foi para o espelho do banheiro. Esse não dizia muito mais, a não ser que sempre embaçava quando tomava banho muito quente, naqueles dias frios. Ainda não sentia-se bem. Ontem havia sido o seu último dia de catorze. Hoje era quinze. E os espelhos haviam mudado, também, para uma imagem quinze.

Não quero passar daqui.

Mas para quem estava mentindo? Ela sabia que não poderia querer, preparada ou não, o tempo passa sem pedir. Ele leva a vida, como o vento, e nem sentimo-lo passar. Não havia querer e muito menos poder, era agora e não antes ou depois. E mentir para si mesma não mudaria absolutamente nada.
Tentou parar de brigar com seu próprio reflexo, e refletiu, em si, o que deveria estar pensando. Com quinze ou sem quinze, ela continuava a ser ela. Com suas bochechas, seus papéis, seus olhos e suas palavras. Nada estava mudando. Apenas uma data a mais estava a se renovar, como em todos os anos de sua vida.

Aqui estou. Ainda sou eu. E sempre continuarei a ser.

Saiu do espelho e preparou-se para atender as ligações de feliz aniversário. Mais um dia estava passando. Mais um ano estava começando em seu ciclo. Tudo estava se renovando. Mas, o mais importante, era que ela continuava a ser ela, com catorze anos, com quinze anos. Com ela e com ela.

Sentiu-se feliz, ao perceber que o seu reflexo continuará sempre o mesmo, apesar do tempo levar a poeira das lembranças consigo.

Eu, Eu Mesma, Sem Irene.

Hoje o dia está frio. Tomei um bom e quente café e deveria estar estudando para leitura musical. Mas não estou com a mínima vontade, mesmo sabendo que preciso da tal vontade para fazer uma boa prova, o que é quase impossível, pois estou péssima nessa matéria.
Eis que me sento na frente da máquina e começo a perceber a ausência das coisas que ainda não vivenciei. Não vivenciei-as por falta de coragem ou, quem sabe, por falta de mim. Eu, que muitas vezes esqueço o verdadeiro significado de ser, acabo me tornando eu mesma sem percepção.
Tenho vergonha de olhar para o espelho e ver a falta de objetividade que acaricia meu rosto. Ela me espreita, como um gato espreita os pombos. Eu não consigo me apoiar nos meus sonhos, pois os acho fracos e sem importância. O que não deixa de ser verdade, afinal, falta uma vontade, como disse anteriormente.
Mas isso só ocorre com os sonhos meus, somente meus. Porque, nos que compartilho, tenho força suficiente para acreditá-los e dar a alma por tais.
Sabe, estava pensando em desistir de escrever. Não sei o porquê exatamente, mas passei a ver alguém sem fé naquilo que faz. Não consigo realmente trazer-me uma boa realidade de mim mesma. É difícil explicar, mas a Priscila não é alguém confiável com relação às suas realizações pessoais.
Quem sabe, e eu não sei, seja uma crise de quinze anos adiantada quinze dias. Dizem muitos que, quando a pessoa chega aos seus quinze, entra em crise. Talvez seja isso. Talvez eu esteja com medo de dar mais um passo à frente.

Tudo que eu queria era pular amarelinha, agora, e esquecer que eu existo.

segunda-feira, setembro 25, 2006

O Teto É Bonito.

Eu sei que minha imagem não reflete. Não reflete nem mesmo em um espelho brilhante. Porque não possuo mais imagem, sou feita de invisibilidade. Tudo sumiu: os olhos se foram. Se sobraram-me pêlos, que sejam cortados ou pintados. Porque o branco é o que ficou de toda a vida que já se foi.
Já andei por mares, já nadei em terra. Tudo que vivenciei está comigo, apenas como lembranças que, mesmo erradas, me impossibilitam de viver. Não penso que escolhi assim, ou que deixei fazer. É tudo culpa dele. Do tempo, meu amigo de horas que nunca acabam. Meu inimigo de véspera de vida.
Quando fui tacada aqui, digo tacada, porque, bem, o que sou eu para dizer algo?, senti tudo escapar por meus dedos, como água de praia sem areia. Passei a entender. Ora, eu estava realmente me tornando uma inválida. Uma senhora, diriam os educados. Uma velha idiota, diriam os sinceros. E o que tem de acontecer, sempre acontece.
Quebrei todos os espelhos, um por um, até que pudesse desaparecer com qualquer lembrança de imagem minha. Perdi minha verdadeira carne, perdi minha tão inutilizada alma, até então. Diziam que a coroa estava ficando louca. Pobre velha. Pobre senhora. Pobre inválida. Pobre vovó. Coitadinha isso, coitadinha aquilo. Ninguém percebia que não queria pena nem lamúrias, eu apenas queria dar um passeio de bondinho e ver as crianças brincarem, apenas por cinco minutos. Talvez, com isso, minhas boas memórias viessem até mim, e eu pudesse fingir estar vivendo novamente o calor do mundo. Ou, ainda, sentir, SENTIR, o vento tocar meus cabelos ralos.
Mas nem isso me deixaram, a ordem era única. "Ela não deve ser permitida sair do local."
Tudo bem, eu me viro com as cartas do baralho, com a televisão tão vasta de domingo e com os padres vindo orar por minha alma 'perdida', todos os dias. E, o pior, é que nem católica eu sou.
Mas uma hora esta velha tem que morrer. E o primeiro enfarte veio. Sobrevivi, que pena. Estaria a senhora com o demônio no corpo? Estaria a senhora sem fé? Que nada, eu diria, estaria eu sem vida.
Continuei como rato, como animal que não opina, mas rato sem raiva. Porque nem isso posso ter, afinal, velhas são sempre velhas. Não conseguia mais tomar banho sozinha, não queria mais comer, nada, diria eu, nada eu queria mais fazer.
Era morte na certa.

Foi quando uma menininha veio visitar o asilo. Era lourinha, de pele morena clara, olhos castanhos escuros, um encanto! Toda semana, vinha me trazer uma margarida, e lia um trechinho de um livro para mim. Diria que Deus mandou um anjo para salvar-me.

E Deus nunca erra.

A alegria voltou ao meu coração, chamava a doçura de "netinha". Tinha recuperado a vontade de viver, passei a achar que alguém se importava comigo, alguém finalmente havia notado essa burra velha num canto qualquer.

Hoje, eu sei, estou a beirar a morte. Consigo ver seu barco lento, vindo até meu porto, onde me afogará com sua fraqueza. Mas tudo tem um sentido diferente, parece que voltei a ser a criança que havia se perdido em mim para sempre. Uma criança que não tem medo de nada e sabe da efemeridade do mundo.

Hoje, até mesmo o teto me é bonito.

sábado, setembro 23, 2006

Para meu amado Eu.

Querido eu,

Tenho pensado muito constantemente em abandoná-lo. Não, não! A culpa não é sua, não pense isso, por favor. Ela é inteiramente minha. Eu não consigo mais conviver com meus vícios, com minhas criações, nem com meus pensamentos fracos.
Às vezes, penso em construir um enorme barco, onde só nós dois sejamos a embarcação, e sair navegando pelos mares nunca dantes navegados. Mas sei que, na primeira onda turbulenta, correrei para me esconder, deixando o barco sozinho, até ser destruído pelo mar.
Sou fraca, oh, eu sei. Por isso quero soltá-lo de minha alma. Para que você possa correr pelos campos cheios de magia e rolar com as flores, pelo gramado verde. Não pense que quero me ver livre de você. Ninguém gosta de perder uma parte de si, mesmo que seja para libertá-la de uma imensa prisão sem luz.
Tudo que eu queria era não pensar. Mas é impossível! Parece que algo toma conta de meus pensamentos, fazendo-me ver apenas o que há de ruim entre nós dois! Ah, perdi tudo que havia de bom em mim há muito tempo, somente você me restou. Uma mínima esperança no meio das desilusões.
É exatamente isso. Não quero que você continue fazendo parte de minha percepção. Sua cor já começa a se desfocar e, daqui a algum tempo, você acabaria por se perder inteiramente dentro de mim, como tudo que foi misturado a esta tão pura homogenia.
Precisa entender que me contento com migalhas, e prefero guardá-las para alimentar-me mais tarde, do que comê-las todas agora e morrer de fome depois. É um sacrifício que faço por nós dois, até que tudo finde e eu, finalmente, desapareça por completo do mundo formado por cada mínimo sentimento.
Eu o amo, por isso quero vê-lo livre de mim. Meu colorido em preto-e-branco, minha rosa em espinhos. Fuja do meu toque, do nosso encostar de dedos invisível. Quero que se vá como essa rápida chuva de verão. Quero que se vá e que leve tudo tudo consigo.

Tudo está aqui, nesta carta.
Leia e entenda.
Não olhe para trás, nunca cogite fazê-lo.
Quando se for, não me dê beijos de despedida.
Que tudo se faça naturalmente.

E, para nós, tudo acaba aqui.

Espero que, quando eu acordar desse êxtase, você já tenha virado a esquina para sempre.

Um adeus, meu querido Eu.
Apenas um.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Hoje Eu Não Sei.

Hoje nada sai.
Nem flor nem pedra nem vinho.
Nenhuma palavra irá sair.
Junho. Amor, Verdade. Sonho?
A letra S.
Olha, nada tem sentido.
Porque eu tenho um enorme buraco,
Que impede-me de explodir o caos que há dentro de mim.
Pronto. Enlouquecer-me-ei nessa prisão de sons.

Amigo, você não sabe o que se passa em mim.
É tanta cousa.
É um dó. É um si.
Não dá para contar.
Você acredita em amanhã?
Eu não acredito, não.
Esse amanhã já não vem nem de ontem.
E por que eu não entendo essa voz?
Ela fica me atordando à noute,
Como para me obrigar a não sonhar.
Ah, se eu soubesse!
Se você soubesse!
Se alguém, demônios, se alguém soubesse!

Vida, você ainda estaí? - Sim, cá estou.
E, tu, sentimento? - Longe.
Cadê você, medo? - Deixei-te há tempos.
Por que, razão? Por qual razão? - Porque me fui embora com todo o sentimento.

Descanso. Eu quero morrer com o cansaço.

E o pior é que nada entendo.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Adeus.

Eu vi todos os pratos serem quebrados. Um por um. Parecia ter preferência pelas cores claras, pois os pratos mais escuros e sujos foram deixados para o final. Os gritos ecoavam de sua boca com uma facilidade demoníaca. As lágrimas já eram uma parte de sua alma, junto com o ódio que saltava de suas veias. Eu não entedia o porquê daquilo, e como poderia fazê-lo?
Eu, com apenas sete anos, presenciava tamanho sentimento. Tamanho ódio crescente. Por que estaria fazendo aquilo? O que houve?
Foi quando ela entrou em casa, soltando uma exclamação de surpresa. Viu-me, em um canto, chorando, apavorada. Abraçou-me forte.

- O que houve, querida!?

Escutou barulho de vidro se quebrando, e correu para a cozinha. Escutei mais gritos, agora, vindo de dois tons de voz totalmente opostos. Não paravam de gritar, tudo somente piorava, parecia uma tempestade cheia de trovões que não cessavam.
Peguei minha bonequinha de porcelana, como se fosse proteger-me do acontecido, e fui, passo sobre passo, até as vozes.

- O que pensa que está fazendo?

- NÃO ME VENHA COM ORDENS, SUA PUTA!

Ela caiu ao chão. Apertei a bonequinha contra meu peito, enquanto assistia ele surrá-la. Não se cansava de bater, usava um pedaço de madeira. Arranhava seu rosto, até o sangue sair de suas bochechas finas e rosadas. Ela desmaiou. E, então, ele pareceu estar saciado o suficiente para suspirar e deixá-la em paz.
Virou-se para mim, por um momento, e pareceu arrependido. Mas esse arrependimento pareceu sumir totalmente quando pisquei os olhos. Ele passou por mim, afagou meus cabelos durante uns cinco segundos, e beijou minhas bochechas.

Depois, pegou uma mochila velha e foi direcionando-se para porta, de onde sairia para sempre.
Deu-me tchau.

E foi a última vez que vi meu pai.

Fiquei sentada, ainda com a boneca nos braços, não acreditando no que se passava. Consegui juntar forças e olhei para ela, caída no chão, com o vermelho espalhado.
Não agüentou.

E foi a última vez que vi minha mãe.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Quero mais.

Poema velho que encontrei perdido pela baderna da minha gaveta. :)

-

Quero mais do que simples beijos jogados ao vento.
Quero mais do que simples toques.
Quero você de corpo e alma.
Como um sonho em meio a desejos.
Joguemos fora toda a percepção,
E vivamos em ficcionismo,
Pois só seu olhar já não me basta.

Quero mais.

Quero seu mundo de imagens e criações.
Quero sua dor e sua alegria.
Viveria ao seu lado sempre,
Com vôos e vôos de pessoas sem importância,
Contanto que, de mim, você nunca escapasse.

Quero sua solidão e seu dissernimento.
Quero seu amor e toda sua vida.
Quero cortar suas asas em sangue,
E, em troca, meu eterno anjo,
Daria-lhe meu mais profundo egoísmo.

quarta-feira, setembro 13, 2006

True Love.

Fazia cinco dias que não nos víamos, a saudade já batia forte, mesmo em tão pouco tempo. Ligou-me eram onze horas e quinze minutos da manhã. Meu coração bateu forte ao ouvir sua voz, disse que estava saindo de casa naquele momento, e que logo me encontraria. Pronto, não consegui mais me concentrar na aula de química, não conseguia parar de pensar no momento em que estaríamos juntos novamente.
Meio-dia em ponto. O sinal da escola bateu. Fiquei imaginando se já chegava por cá. "Não, não deu tempo, ônibus sempre engarrafam-se com outros ônibus". Fui para casa, como de costume, com uma amiga. O caminho somente em delírios. Pensava em o quanto sentia sua falta, em o quanto era feliz junto com ele. "Calma, já está por chegar".
Treze horas e um minuto e lá estava eu, sentada no portão. Cada vez que um ônibus passava pela minha esquina, minha respiração acelerava, mordia os lábios para que fosse um tênis, uma calça jeans surrada e uma blusa de manga que descesse do veículo. Já estava agoniada e morta de impaciência. "Já era para ele ter chegado".
Catorze horas, quando uma fisionomia tão amada apareceu na esquina. Meus olhos brilharam, e enchi-me de felicidade. Fui correndo pela calçada ao seu encontro. Abraçamo-nos por alguns segundos, que me pareceram eternos e cheios de magia. "Ah, que saudade que estava de você!".

Já as saudades matadas [temporariamente], beijos trocados, milhares de abraços e carinhos, resolvemos que iríamos ao cinema. Melhor lugar não há para se namorar e ficar de mãozinhas dadas como duas crianças que só vêem inocência ...
Vimos uma comédia que fez seu brilhante papel de trazer o riso, por isso, nos fez chorar de tão dramática. Triste estória, mas com uma maravilhosa lição de moral.

Então, a pior parte do dia chegou: a despedida.
Abraçados no ponto de ônibus, já era tarde, e eu deveria voltar para casa. Deixamos o primeiro passar. O segundo também. "Por que não todos...?". Trocamos juras apaixonadas, incomparáveis de tão belas e sinceras, juntos um ao outro, como duas almas em um só corpo. Puxei-lhe o rosto, e, como em um conto de fadas, sussurei:

- Will you still love me tomorrow?

Ele sorriu, e respondeu logo em seguida:

- Forever and ever, baby.

Abracei-o mais uma vez e corri para pegar o ônibus.
Quando este virava a esquina, já sentia falta de seu toque, que me fazia sorrir todas as manhãs.

"Forever and ever, I will love you."

terça-feira, setembro 12, 2006

Cousa de Criança.

O calor é o ardente que me faz lembrar do tempo em que brincava de queimado. Eu corria, me machucava, caia, levantava. Nem me importava se estava calor.

- Está na hora, menina, amanhã você brinca mais.

Não, não e não. Batia o pé, fazia pirraça. Queria brincar mais. E não agüentava esperar até o outro dia. Tinha que ser naquele momento, com aquela brincadeira que nunca se repetia. Precisava brincar ali, senão era como morrer, perdia a vida.

- Se você não vier agora ficará de castigo!

Mas como os adultos gostam de atrapalhar a vida uma criança! Eu queria ficar brincando, por que não podiam deixar eu imaginar que voava pelo mundo, ou que vivia numa floresta? Ora, a infância passa tão rápido, basta um piscar de olhos e... pronto! A criança já não é mais criança.

- Mas, mãe, só mais cinco minutinhos...

E quem disse que a coroa me cedia cinco minutinhos de alegria? Que nada, ou eu ia para casa naquela hora, ou apanhava de cinto e ficava de castigo. Apanhei muitas vezes, devido a malcriações impetuosas. Mas o que mais temia era ser proibida de sair de casa. Imagine-me no sofá, presa, maltratada, somente com a televisão maldita. Ah, como eu chorava.

- Eu quero brincar!

- E te impeço?

Crescia uma raiva ao peito de tal forma, que sonhava em fugir de casa.
Planejava tudo: o dia, a hora, biscoitos que levaria na mochilinha. Chegava até a escrever cartas dizendo que havia fugido para viver livre, longe de ordens e de impedimentos.
Eu era boba, mas sabia viver.
Sabia, pretérito, muito bem.

Obviamente, não sou mais assim. Sei esperar o próximo dia. Às vezes, até almejo por tal. Não sou tão impulsiva como já costumei ser e consigo segurar meus anseios e meu desgosto momentâneo.
Por outro lado, não consigo mais ter a tão espontânea alegria de criança, nem a vontade de viver agora e nunca se importar com o futuro.
Tento aproveitar os momentos ao máximo, mas sempre surge algum tipo de preocupação que leva meu pensamento para longe do segundo vivido.

Mas quem sabe um dia volto a ser criança ...

E por que não agora?


- Pique-pega! Tá com você!

segunda-feira, setembro 11, 2006

Agradecendo. :)

Bruhzinha,

Obrigada mil vezes por ter feito meu layout e por ter aturado minha impaciência no messenger, você é realmente feita de "little and cute" !
O lay está lindo, adorei. Absurdamente estiloso e caprichado.
E, definitivamente, não está parecendo com o seu, bobona. ;)
Também agradeço-lhe por me incentivar a escrever e a usar um blog para postar o resultado de tal.
Toda sua ajuda está sendo muito importante para mim, sua phopha.

Obrigada mais uma vez,

Bruh, a ruivinha mais welma que eu conheço.