quinta-feira, dezembro 07, 2006

Flores de Vida.

Sentimentos não existem para ser mentidos. Existem para ser sentidos.


Quando entrei naquele quarto, não imaginei que a veria sorrindo. Era um sorriso daqueles verdadeiros, que dá uma pontada na alma de prazer. Paralizei-me ao vê-la assim, no esplendor de uma estrela. Parecia realmente um anjo.
Há um dia atrás, ela estava aos prantos, ligando-me a cada meia hora, pedindo por apoio e um ombro amigo. Hoje, ligou-me e pediu que eu fosse até sua casa. Esperava, não por mal, lágrimas de tristeza, de saudade e de agonia. Mas minha recepção foi muito mais calorosa. Esse sorriso me doía a alma de alegria e, também, de medo.


- Lúcia? - eu perguntei.

- Ah! Que bom que veio! Preciso contar-lhe : estou feliz, vê? Muito feliz, tomei uma decisão!

- Que decisão? - tentei conter o susto.

- Ah, querida, não posso contá-la. É segredo, sabe? Mas somente até amanhã! Sim, amanhã você me verá e ficará muito feliz por mim.


Calei-me. Definitivamente, ela estava estranha. Como não percebi no momento? Nao sei. Mas devia tê-lo feito. Procurei disfarçar minha ansiedade em prol de minha expressão. Queria sacudi-la e perguntar se estava enlouquecendo. Pois era o que parecia. Vi que estava cantarolando para cá e para lá, da sala para o quarto, todo o tempo. Parecia estar em transe, ou algo do gênero, mas aquele sorriso nunca desaparecia de sua face.
Ofereceu-me água, dizendo que purificava a alma. Ora, mas para que eu iria querer purificar minha alma? Eu pensava e pensava, contudo não havia resposta para essa tão rápida mudança
de sentimento. Resolvi, enfim, levantar-me para ir embora.


- Lúcia, acho que já me vou...

- Oh! Jasmins! Tão brancas! Como gosto de jasmins!

- Jasmins? - essa era nova.

- Sim, jasmins! Venha ver-me amanhã, sim? Traga-me jasmins?

- Mas por quê?! - não agüentava mais essa situação.

- Porque eu as amo! E entre sem bater. Estarei esperando-a no meu quarto.


Fui para casa meio atordoada. Por que essa obsessão por tais flores? Não conseguia entender e tentei fazê-lo durante horas, em contato com o escuro teto do meu quarto. Aquele sorriso não saiu de minha mente. Como ela podia sorrir tanto?! Seu casamento seria daqui a duas semanas e seu noivo estava morto! Morto, sem volta, em baixo da terra. Ela não havia dito nenhuma palavra, durante o enterro. Apenas dirigiu-se ao caixão e sussurou algumas palavras no ouvido de seu amado.
Ela não podia ter-se recuperado assim tão fácil. Poderia ter tomado anti-depressivo, quem sabe os efeitos que podem causar? Nesse caso, não a culpo de estar louca. Mas e se é o tipo de pessoa insensível que esquece que um dia amou alguém ferozmente? Não, Lúcia é um poço de bondade e sentimentos...

Cansei-me de deduções e fui dormir.

No dia seguinte, acordei bem cedo e fui até a floricultura. Jasmins. Havia de comprar essas flores. Escolhi as mais belas que pude e rumei em direção à casa de Lúcia. No caminho, fui lembrando de tudo que ela e o noivo haviam vivenciado. Eram tão apaixonados. Ela dizia que ele seria seu último homem. Pobre menina.
Quando cheguei em frente a sua casa, respirei fundo. Não sabia se agüentaria mais sorrisos como aqueles. Senti o cheiro das flores invadindo meu corpo e acalmei-me um pouco. Tudo parecia tão irreal. As flores, os sorrisos, a água. Lúcia.
Resolvi entrar. Passei pelo corredor, que passava quase todos os dias, até chegar ao quarto e encontrar um bilhete grudado na porta:

"Trouxe as Jasmins? Se não, volte depois com elas! Só entre com minhas pequenas flores! "

- Estranho. - sussurei.

Bati na porta uma, duas, três vezes. Então, resolvi abri-la. O quarto cheirava a... Jasmins! Havia água na mesinha de cabeceira, e um retrato dos dois juntos, uma foto recente. Lúcia estava deitada, na cama, parecia que estava a dormir. Aproximei-me e percebi um envelope em cima de sua barriga. Peguei-o de leve, para não acordá-la.


"Eleonora, se está aqui, lendo isso, é porque não me faltou com a palavra. Obrigada pelas flores, é tudo que eu desejaria hoje.
Mas o amor, meu amor, me chama. E, para com ele, nunca negaria nada.
Lembra dos sussurros? Não eram simples lamentos. Eram minha promessa, e, hoje, hei de cumpri-la.
Quero estar ao lado dele, até embaixo da terra. Lembre-se disso, por favor.
E todos meus sorrisos baseavam-se no fato que logo o encontrarei.

Adeus.
E sorria para mim."


Eu chorei. Larguei a carta e chorei. Como nunca havia feito antes. Ajoelhei-me e abracei-a. As lágrimas escorriam incessantemente. Eu abraçava um anjo, uma menina que amou e ama. E continuará a amar. Sempre. Dentro de mim, dentro de cada um.
Peguei as jasmins e tirei a mais bonita do ramo. Coloquei-a junto de suas pequeninas mãos, tão jovens, tão frágeis. Tão cheias de sentimento.
Voltei-me para a porta de sua casa com todas as outras jasmins. E, para cada pessoa que passava por mim, eu entregava uma delas e dizia: "Sorria por seu amor! Sorria por sua vida!"

A última jasmin, eu guardei-a para mim, e até hoje a tenho. Ela me lembra aqueles últimos sorrisos de Lúcia e, principalmente, o grande sacrifício de amor que emanou de sua alma para o mundo, até o momento em que se despediu dele com flores, alegria e coragem.

2 comentários:

Anônimo disse...

passa uma mensagem bonita
mas não é bonito :/

Anônimo disse...

ô parnasianista...
Engraçado como is m remete a nós.... que nunca jamsi isso ocorra.... pq eu viraria uma alma penada, condenada a toda eternidade vagando, se morresse antes de casar contigo meu amor...