domingo, outubro 29, 2006

Mesmo.

Ultimamente, a realidade tem se tornado abstrata para mim. As pessoas passam , sem rumo, acreditando em algo mais. E eu, ah, e eu apenas me prendo a esse mundo irreal que pensava ser o mais real possível.
Aconteceria, é verdade, se todos prestassem atenção em todos. Mas quem disse que isso os consome? Que nada. O que querem, mesmo, é muita porpurina e glamour. E quem disse que se importam com o preto e branco das pessoas lá da favela? Quem disse, hem?
Ninguém disse. Porque ninguém mente. NINGUÉM mente. Alguém o faz? Ah, claro. Eu a quero muito bem. Essa inutilidade chamada mentira. Calma, ela vem chamando. E não tente fugir. Um dia, ela sempre lhe alcança. Porque, quem acredita, sempre o faz.
E o passo da lavadeira, gritando, sorrindo. Ela acena para a criança que é estuprada na vendinha. Amanhã. Amanhã vem como ontem. Não tarda, não. Corre, criança. A dor é sangue.
A mentira é branda. E vem com o segredo.
Psiu, você. Menina bonitinha. Cabelos delgados. Deixe eu lhe pintar? Com as cores da noite, com as cores do dia. Ah, que beleza.
Acordei desse sonho. Vida inalienável. Realidade irreal.
Sonhei com o verde do mar e com o azul da floresta. Vê se pode?
É abstratismo, são seus olhos negros. É a mão querendo charme. Ora, de chocolate. O doce dos doces. O doce do segredo.
Música ao fundo, mentira ao convés. Onde está meu pensamento? Dentro de mim? Ou escondido nas barras de chocolate?
Aacabou o papel. Escorreu a tinta. A verdade sumiu.

A inspiração cessou.

O Museu do Pecado.

Foi tal como um pesadelo. Eu, olhando o mundo, ao ermo, sem alma. Não me sentia, apesar de me ser. Queria andar, mas não conseguia. Queria falar, mas as palavras de minha boca não saiam. E eu só via uma multidão de pessoas olheiras, espreitando como urubus. Uns perguntavam: “Mas que diabos está acontecendo?” Outros, ainda, desmaiavam de tão horror que a cena proclamava. Ouvia choro de criança, ouvia gritos de mulheres exaltadas.
Sirenes tocavam. Policiais corriam. E eu ainda não sabia o que se passava. Meus olhos observavam tudo, desde a multidão até as obras de arte pintadas e esculpidas. Vi Picasso, Da Vinci e Portinari. Vi pessoas desesperadas, com medo e me olhando com ódio.
Nesse instante comecei a me recordar.
Era uma manhã tempestuosa. Minha esposa estava programando levar nossos dois filhos para um museu. Oh, como as crianças estavam alegres! Falavam até que planejavam ser pintores quando crescessem. Eu, como bom pai, escutava tudo com muita alegria.
E fomos nós para o museu. Chegamos, as crianças ficaram encantadas. Mas minha esposa, uma mulher bela e virtuosa, se via inquieta, impaciente. Pensei ter sido impressão minha, mas não o foi.
Ela disse que precisava usar o banheiro. Tudo bem. Eu fico com as crianças. Passam cinco, dez, trinta minutos. Nada dela voltar. Agora, quem estava impaciente era eu. Pego as crianças e vou até o corredor que leva aos banheiros. E é nessa hora, que meu desespero insano começa a fluir.
A raiva subiu a cabeça. Como?! Seu vestido vermelho e bem passado, agora, todo abarrotado misturado a um preto jovial e cheio de vida. Em meio a uma atraente mistura simétrica, viam-se os vinte dedos entrelaçados uns aos outros, com lábios em pleno toque. Não conseguia acreditar. Meus olhos, mefistofélicos, gritavam em dor, em arranque de alma. Então, o pecado surgiu em abraço.
As crianças nada entendiam, mas correram até a mãe, que ficou em estado simplório de basbaque. E pela última vez, vi aqueles olhos, em total tarjados e, quem diria, eram negros. Fui arrastando minha mão, bem lentamente, por dentro do paletó. E não mais pensei.
Fora Um.Dois.Três.Quatro.
E, agora, me vejo aqui. Num pecado insano, sem fim. O desespero em alcance. Minha alma suspira, pedindo o grande feito. Lembrava de tudo. Exatamente tudo. Agira por impulso, mas não havia arrependimento, nenhum pingo. Mas havia peso, tristeza, amargura. E os olhares assustados me causam medo e me tiram toda fé que um homem pode possuir. Eu sei o que deve ser feito.Ainda com a morte na mão, aproximo-a do meu crânio, tão desumanizado quanto Deus. E a lembrança da tarja preta, finalmente me abandona, no descansado e pecador museu do tudo e do nada.

Fora Um. Dois. Três. Quatro...E cinco.

O Toque do Vento.

Ela não podia mais voltar. Não agora. Não depois de tudo vivenciado e perdido. Queria tanto ver após o muro. Aquele muro que, de tão vermelho, se via azul. A todo instante, sussurrava-se pelo vento: Por que o fiz? Por quê?!
Let it bleed. Nunca pensara em tornar uma música, literalmente, o sentido de suas ações tristes e finalizantes. E ela, agora, só conseguia ver aquele vermelho vivo, fluindo, pedindo por ajuda, com vontade de viver. E ele a acariciava, tão quente, tão temeroso e tão vermelho como tal, enquanto descia pelo seu peito frívolo e quase sem vida.
Lutava contra as lembranças. As lembranças que a açoitavam, mostrando-lhe o motivo de agora estar ao vermelho. Cada vez mais, se sentia só. Não entendia o porquê. Não existem porquês. Nem mesmo tais lembranças eram suficientes para esse pesadelo entrar em funcionamento.
Seus olhos. Esses olhos. Aqueles olhos que ardiam por ódio e rancor, agora, ardiam por medo. Um medo estranho e cruel. O medo do antecipado inevitável. Ah, como tanta coisa poderia ser feita! Mas não mais.
Sentia o mundo, o mundo que sempre observara capciosa e vagamente, caindo à sua volta, como uma pena que cai por leis. O vento batia forte em seu rosto, como se quisesse empurrá-la para longe, fazendo balançar seus cabelos longos, como facas finas e aguçadas. O cheiro de vida era tão bom, mas não o suficiente.
Não mais via nitidez nas coisas. A Lua dava voltas e voltas e seu coração batia acelerado. Apenas notava a dor. A dor de ter rancor, e saciar-se dele da forma mais errada possível. Nada, pensava, nada poderia justificar. Nem mesmo sonhos inalcançáveis ou egoísmos próprios. Nem mesmo qualquer loucura ou perda de sentido.
Ela sabia que estava chegando. O cheiro de vermelho estava tão, mas tão forte, que parecia que a tinha escapado completamente, sem deixar ao menos vestígios de dentro de si. Mas o medo nunca a deixaria em prol de físico. Não. O medo é tão mais sentido. Até seu último instante, ele a apavoraria.
O desespero chegara à porta. Seus dois faróis, que agora tinham água escorrendo como chuva, estavam se apagando. O medo crescia dentro de si, conforme a dor se espalhava e o vermelho a deixava. Seus sonhos, suas metas. Tudo indo embora. E agora chegava seu adeus para o medo com mais medo, que parecia que era impossível deixar de temer. E os faróis estavam a se apagar, lenta... Lentamente...

Mas ela não podia mais voltar. Não agora. Não depois do vento ter levado seu último suspiro para junto do eterno.

O Nítido Brilho do Anoitecer.

Kassandra fora uma menina brusca e distraída. Acordava, toda manhã, e ficava minutos olhando-se no espelho, reparando em coisas que queria que fossem diferentes. Passava o batom vermelho, vermelho em seus lábios carnudos e corria para a escola, pensando no vestido que usaria mais tarde para ir a uma festinha qualquer.
Sentia o tempo batendo em seu rosto, à toa. Mas não percebia. Apenas queria festas, festas, proibições, proibições. Não se importava em falar com sua avó, que se balançava na cadeira de balanço, toda tardinha, depois da novela.Ou, até mesmo, em dar um beijo gostoso em sua mãe, antes de correr para a cidade e comprar bijuterias para se embelezar. Ela apenas queria ser bela. Ter um futuro brilhante. E ser querida por todos. Era grossa, quando era preciso para seu sucesso. Brigava com sua família, pois tudo que dizia era sempre o que considerava certo. E, oh, que fazia tanto jus disso. Reclama de tudo. Do mundo, das pessoas, dos lugares. Só ela era. Só ela.
Tal que Kassandra era uma mulher feita. A idade já começava a se passar em seus olhos. E flor jogara no último adeus à sua avó. Aquela avó que apenas desejara um segundo de sua atenção, e que teria dado tudo por um pingo de sentido. Mas a mulher não o tinha. Não o sentia. Agora, só pensava em seu trabalho. Precisava ser promovida, ser considerada a melhor.
A magicidade das coisas, definitivamente, haviam sumido por completo. Sem rastro, sem ter deixado recado. Mas quem se importava com isso, afinal? O que realmente importava era o dinheiro, o luxo e tudo que um bom emprego havia de lhe proporcionar. Tinha liberdade para tudo, agora que colocara sua mãe num asilo e não tinha mais de se preocupar com uma senhora, que começava a se esclerosar.
Prendia-se apenas a sua vida econômica. Não tinha tempo para isso, não tinha tempo para aquilo. Era ela e ela. Ela e ela. Sem amores platônicos ou reais. Apenas admirações pelos galantes astros de cinema, o qual ela dava uma passada uma vez ao ano, se restasse espaço em sua ocupadíssima agenda lotada.
Mas, em seu mais íntimo, ela começava a sentir um vazio. Seria Amor? – Perguntava-se. Não, não podia ser. Tinha seus joguetes que lhe davam prazer. Amizade? Não, tinha aquelas tão ricas amigas que a elogiavam e prestigiavam em tudo. Por Deus! O que poderia ser, então?
Com essa tão grande angústia, procurou ocupar seu tempo mais e mais, a fim de que não mais tivesse momentos de reflexões loucos e insanos. Plásticas começava a fazer. Roupas e roupas começava a comprar. E, quando ficava sozinha, sentia um grande aperto em seu peito.
Decidiu-se, então. E casou-se. Teve filhos, lindos filhos. Mas aquele vazio continuava, para sua terna infelicidade. A atormentava toda noite, sem folga. Sua mãe a deixara numa noite tempestuosa. Lágrimas caíram, jogadas ao ermo. Mas a vida continua, lembrava-se toda manhã. Voltava ao trabalho, ao seu tenso trabalho. E seus filhos crescendo iam.
Já estavam com seu vinte e oito anos, quando Kassandra teve seu primeiro ataque cardíaco. Como fora doloroso, ver seus gêmeos, tão sérios e crescidos vendo-a numa cama de hospital, acabada.
Mas recuperou-se. Voltou à vida. E não mudou. Continuou a mesma. A mesma.
Seus filhos casaram-se e seu marido a abandonou por uma mulher mais jovem. Ah, a ausência disso tudo! Sentia na pele o que era sofrimento. Como se arrependia, agora. Como queria voltar pelo rio e ter seguido rumos tão, tão diferentes.
Mas não há mais volta, pensava, sentada na cama do asilo, o qual fora jogada há pouco tempo. O sonho chegava ao fim.
Sentia dor por ter feito tantas coisas, sentia dor por ter deixado de viver tão cedo.
Mas, Kassandra, agora com seus oitenta e cinco anos entende muito bem. Entende que o tempo não sonha materialismo. Entende que o tempo não sonha futilidades. Entende que o tempo não sonha passados e futuros.
Mas entende, principalmente, que o tempo apenas sonha o presente.
E o que o brilho da noite trazia para si, agora, é maior do que tudo que já sentiu e vivenciou. É mais sentido do que tudo que tivera. É tão real e tão imaginário quanto uma alegria.
Ele trazia, consigo, a verdadeira essência de mais uma vida passada em vão.

Aquilo.

O que ocorre em mim, neste momento? A dor, a dor de não saber. Os sentidos se confundindo com verdadeiras imagens. Os pensamentos que almejam explodir em sinfonia. Explodam! Ora, se querem! Parem de me atormentar. Com isso, caio e me vou até as estrelas. Claro, claro. As estrelas sem brilho, porque. Porque. Por quê? Eu sei que vôo, eu sei. Mas não me sinto. Onde estou? Onde estou? Onde estou? Quero me tocar, me sentir, me aliviar.

Encontra-me, sentimentos. Por favor. Cria-me. Solta-me. Cala-te, por fim. Não quero mais te ouvir. Vá embora. Deixa-me. Suma! Eu quero acordar, ó Deus, eu quero acordar. Preciso. No que acreditas



?


Na morte! Pois sei. Acreditas nisso e em nada mais! Eu a quero, já disse. Ela me vem todos os céus. Acredita, lá, em antes? Eu não, ah, eu não. Só no que não surge. E, também, no que não fica.

Eu sonho acordada. Eu falo calada. Deixa-me.

Já disse, suma.

O que é? Vasta-me. Tu querias, tu querias... tu querias sonhar? Morte. Sangue. O gritar. Ah, derivação imprópria! O que te importa? Vamos, o que te importa?
Os morcegos! As asas que batem, os olhos que não vêem. Eles criaram para ti, correram de tua caverna. Para onde? Oh, não. Não para onde.

Acaba, acaba agora.

Carta ao Coma.

Escrevo-lhe esta carta, hoje, para que entenda o sentido de tamanha desordem. Já que, em meio a fogo e escarcel, não consegui me encontrar. Que, por meio de letras e rabiscos, me veja, talvez, sem o tão belo caos.
Eu realmente não queria que minha eternidade, minha linda e falsa eternidade acabasse agora. Mas, como você mesmo me dissera, com palavras que me lembro tão bem, "Tudo tem um fim, Eleonora". Tudo tem um fim. E esse é todo o fim de minha sanidade. Que a leve consigo é meu maior desejo.
Queria lhe sentir, agora. Por uma última vez. Por um último toque. Ver como tudo é tão simples e realizável. Ainda me lembro de seu sorriso renovado que me fazia maravilhosamente bem. Seus olhos me guiavam como estrelas. Eu lhe amava até minha última célula. E lhe amo, apesar de você, nesse momento, ainda não ter voltado a existir.
Você sempre esteve ao meu lado, nas maiores lástimas que já tive. Eu deveria lhe guiar, agora. Mas não sou tão forte quanto você. Não tenho luz, não tenho fé! Quero fugir, mas não posso. Quero salvar-lhe, mas estou presa. O que fazer, meu amor? O que fazer?
Suspiro perto de seu corpo, na esperança de você levantar e me acolher. Afago-lhe com minhas pesadas e tristes mãos. Seus olhos, duas janelas de ferro contra tudo e contra todos. Sei que um dia se abrirão. Mas sou fraca, desprotegida e minh'alma pede fuga.
Oh, meu tão eterno amor. Já não mais consigo agüêntar. Não consigo mais lhe ver tão perto, porem tão longe. Com seu corpo a meu alcance e sua alma tão distante de mim.
Espero, um dia, lhe encontrar entre sonhos e voar consigo em lágrimas de amor. Não esquecendo que meu pensamento só em você vive.

Eleonora

Assim.

O nada conspira hoje, minha amiga.
Quer nos levar para longe, para lá, você sabe.
Eu sei, também não quero ir. Apoie em mim, minha flor.
Se você decair, eu decaio. Veja isso, veja isso.
Seja forte. Seja, por favor. Você é a Lua e as estrelas.
Você é o infinito azul de pétalas.

Não o sinta, minha pequena.
Escape comigo. Voe para longe.
Eu te amo. Eu te amo.
Escute-me, é a vida cheia de perfume.
Cheia de sinfonias vermelhas.
Não, não pense em tudo.

Eu que soube dos lírios, eu que soube da vida.
Eu que sei que sua amizade me dá força.
Eu que preciso de você.
Eu te amo e parece que somente isso não basta.
O que basta, o que basta?
Você me basta.

domingo, outubro 22, 2006

S2

Eu te amo.

E nada mais importa, somente aquilo que prevalece.
Você é meu tudo.

Minha caneta marca-texto.

"Lalalalalala means I love you."

-

If you fall, I'll catch.
If you love, I'll love.
So, it goes, my dear.
Don't be scared, You'll be safe,
This I swear, If you only love me back.

-

Raphael,

Sem você, eu sou apenas

um

NADA.

-

Forever yours.

Mentira.

Eu a sinto escapulir de seus lábios
E passear pelos seus olhos, que não conseguem me encarar.
Ela é fina, quase imperceptível,
Mas eu a vejo sorrindo para mim.

Quando não conseguia acreditar,
Fazia-lhe carinho.
Agora que posso tatear,
Não confio mais em nada que já tocou em você.

É tão fácil ser humano,
E esquecer de tudo que sua moral um dia prometeu.
Dizia dos outros os pecados cometidos,
Mas também quem os comete são suas palavras.

Desisto de crer em alguém,
Alguém que em certo momento acreditei.
Não há verdade no mundo,
E muito menos na boca do homem.

domingo, outubro 15, 2006

Elas? Ela.

Elas se reconheciam por um olhar que fosse, doce encontrar de alma. Entendiam-se apenas por um esgar de lábios, tão simples e tão significativo. Não fazia tanto tempo assim que se conheciam. Dez anos, quem sabe doze. Não era tanto, comparado a uma vida inteira, cheia de vivências e gaiolas.
Era até engraçado como a vida dava voltas e voltas e sempre carregava uma lágrima de uma à outra, pedindo para ser acalentada por braços amigos. A amizade, nesse caso, era mais que amizade. Era amor. De carne, de alma, de amiga. A cumplicidade, sem palavra alguma, era a maior sobrevivente de toda a racionalização possível.

Dia quinze de outubro de dois mil e seis. Estavam distantes, porém juntas. Em conexão longe, dessa vez. A saudade já apertava e a vontade de abraçar era grande.

- Poxa, quize anos... Quem diria?

- Não me lembre disso, por favor...

- Para mim, será sempre a menininha. A dos cachicnhos dourados, correndo comigo e me dando a mão para levantar do tombo. Estou com saudades de você...

- Também...

- Mas eu estou de verdade. Da menina que conheci.

O silêncio acarretou. Da menina que conheci. De fato, as mudanças estavam em face, como uma máscara arrancada, deixando apenas a carne viva. Lembranças pulavam na mente das duas. O tempo estava parado, mas passava como um flash diante de seus olhos. Há alguns anos atrás, elas costumavam apostar corrida e pular muro de casas vazias. Agora, elas costumam chorar pela graça perdida.
Afinal, para onde foram os dinossauros? Eles sempre apereciam no quintal da dona Glória, e elas eram obrigadas a fugir. E os anjos que inventavam senhas para acesso ao céu? Para onde foram as horas a fio acordadas sem o assunto acabar? Para onde foram os risos gostosos de criança?

- E onde está essa menina?

- Eu não sei... Ela está em algum lugar, brincando comigo e fugindo de monstros, que se escondem em cabanas.

- Isso daria uma bela história...

Não houve mais pronúncia, de ambos os lados. Os pensamentos eram tantos, que a dificuldade em reconhecê-los era imensa. Achavam que sabiam da vida, mas, nesse momento, comprovam-se a si próprias que não sabiam de nada. Sentiam falta delas mesmas, naquele tempo onde até mesmo catapora era festa. Mas agora não se pode mais voltar, elas sabiam, a vida se vive apenas uma vez.

- Então, para onde nós fomos?

Não se sabe ao certo de onde a pergunta surgiu. Parece que foi a junção de todos seus pensamentos, de ela para ela, até se fundirem em uma questão. A resposta não seria dada por palavras, nem por mímicas ou sinais.

A resposta veio da alma.


Elas ficaram perdidas,
Naqueles dias de verão,
Cheios de doces, de tinta, de água...
De ilusão.

sábado, outubro 14, 2006

A_Normalidade.

Eu levanto,
Escovo os dentes.
Despenteio os cabelos.
Vou para a escola, estudo e passo fome.
Seco os olhos.
Danço de verdade.

Depois, esqueço do mundo e vou dormir.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Alô, alô.

Trim-trim-trim.

Ah, não, agora não...

Trim-trim-trim-trim-trim-trim.

Caralho.

Trim-trim-trim-trim-trim.

Porra, quem será o viado que tá me ligando a essa hora?

Levantou o rosto do travesseiro, irritado. Olhou para o relógio. Eram realmente oito horas da manhã. Isso eram horas de alguém ligar em pleno sábado? Só podiam querer acabar com seu 'ótimo' humor.

- Alô? - disse, secamente.

- Alô! É a Luciana, amor. Te acordei?

- Ah, put... ah, claro que não, linda.

Putaquepariu, ela não podia esperar até as onze?

- Ah, que bom! Mas, então, tô ligando pra dizer que te amo!

- Porra, quer dizer, poxa, Lu, você ligou às oito horas da manhã, eu disse OITO horas, somente para dizer... 'isso'?

- Como assim somente para dizer 'isso'? Você não liga para o que sinto por você?

Pronto, phodeu.

- Ligo, claro que ligo. Mas você não tinha uma hora melhorzinha pra dizer isso, não? Porra, Lu, eu tava dormindo. E você sabe que eu trabalhei até tarde ontem. Não tenho sua vida, não.

- Leandro, você disse que não tava dormindo! Vai mentir pra mim, agora, é? E, é claro, você trabalhou até tarde ontem, e eu estudei, sabia? Aposto que se fosse um dos seus amigos idiotas, você atenderia o telefone todo feliz e ainda daria a bunda na esquina bocejando.

- Caralho, Lu! Não é nada disso, mas que porra! Por que você tem que sempre meter meus amigos no meio?

- Ah, por quê? Quer que eu meta uma amiga no meio? A Carol vive te ligando cedinho e você nunca reclama.

Menos de cinco minutos no telefone e já nessa ladainha.

- Olha, não tô com saco para aturar suas crises, não. Me liga depois, tá? Tô com muito sono para ficar escutando você gralhear.

Silêncio.

- Não me procure mais, seu idiota!

Pi-pi-pi-pi-pi.


Ops, acho que fiz merda... ah, dane-se, tô com sono, depois vejo isso...

Ele voltou para a cama e dormiu por mais três ou quatro horas.
Ela foi para a casa de uma amiga chorar pelo ex-namorado que não a amava.


O problema das mulheres é que elas são sentimentais demais. Já o dos homens, bem, o problema é que eles DORMEM demais.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Os Cigarros, Nunca O Homem.

Todos os dias, quando passo por aquela rua, ele sempre está lá. Não importa se está chovendo ou se está fazendo o calor de queimar, que costuma sobrevoar o Rio de Janeiro. Ele sempre está lá, sentado, quase pedindo por algum tipo de socorro.
Sempre passava por alí, sem notá-lo. E como notaria? Ele vive como uma sombra, esperando uma mão com algumas notas verdes. Vende cigarros, de todas as marcas. Usa chinelos sujos, e parece se esconder, com medo de que alguém o note e o puxe para a rua.

Mas uma hora eu havia de reparar.

Estava voltando da escola, como faço todo meio-dia, e o vi. O olhar mais vazio que eu já presenciei em toda minha vida. Não parecia sentir o vento nem os raios solares, formados há algumas horas. Não parecia se importar com os pedestres apressados, esbarrando bruscamente em seus pés indefesos. Na verdade, não parecia importar-se com nada.
Aquele olhar de vivência perdida, de meia vida quase sem sentido, fez-me parar, estática, e sem forças, somente para sentir aquelas lágrimas, que pediam para sair há anos, mas, dele, nunca saiam. Parecia ser forte, mas se via toda sua fraqueza, apenas naqueles olhos.
Aqueles segundos, os quais passei sem respirar, voltaram ao seu tempo normal. Mexi a cabeça e tentei desprender meus segredos do olhar daquele senhor. Por que ninguém reparava? Era tão difícil dizer: "Bom dia! Como acordou hoje?". Ele sentia falta de tudo. De um sorriso amigo, de algo para fazer. Eu nunca havia conversado diretamente com sua pessoa, mas parecia que eu a conhecia há anos e que éramos como pai e filha.
Tentei pensar em maneiras de animar sua alma. Fiquei com uma idéia fixa na cabeça durante semanas: Dar-lhe um livro! A idéia era perfeita, a não ser, é claro, se ele não soubesse ler. Como eu faria? Fingia esquecê-lo na pequena bancada de cigarros? Não, não daria certo. Dá-lo-ia diretamente? Não seria uma boa idéia, se ele realmente não soubesse ler.
Ao final, resolvi-me não por livro, mas por música. Todos sabem escutar e aproveitam a música até nos dias piores. Comprei um radinho, daqueles de pilha, e tomei coragem para entregá-lo ao triste senhor.

- Com... com licença - disse, tentando não mostrar o nervosismo. - É que... eu comprei isso para o senhor...

Entreguei-lhe o radinho e ele o aceitou. Ficamos os dois parados, por alguns minutos. Eu e ele éramos o mundo, por tempo parado. Não agüentando mais toda a situação, ajeitei a mochila nas costas e resolvi ir-me.

- Bom, então já vou indo... faça bom proveito...

Já estava virando de costas, quando ele pegou na minha mão. Assustei-me, não esperava aquele tipo de reação de alguém que nunca havia mostrado sinal de emoção. Olhei diretamente em seus olhos e, quem diria, naquele instante, não vi vazio nem tristeza. Vi uma pequena lágrima escorrer por seu rosto e tocar os lábios ressecados. Olhava para mim com uma firmeza infinitamente sóbria.

- Você, de todas as mil pessoas que passam diariamente por aqui, foi a única que reparou em mim, sem motivos de fumo. - Abriu um sorriso, o mais lindo e sincero sorriso.

- Eu...

- Obrigado. - E desviou o olhar de mim.

Senti que o que havia de ser feito, já tinha sido feito. Soltei um enorme suspiro de alívio, ao escutar palavras vindo daquele senhor, que até hoje não sei o nome. Um homem que havia sido esquecido pela sociedade, e que vivia somente com as gotículas de poeira.
Balancei a cabeça em sinal de respeito, e fui-me embora.

Quando já estava longe do senhor, olhei para trás. Ele estava batendo os pés alegremente, ao ritmo da música, que ressoava em seus ouvidos.
E seus olhos sobrevoavam o céu azul, daquela linda tarde de verão.

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Hoje, Hoje, Não Foi.

Hoje eu acordei. Acordei, simplesmente, como quem não quer nada. Como quem quer dormir mais algumas horas, porém nem sono mais possui. Varri a cama, com travesseiro, cobertor, brincos e meias sujas. Tudo se foi ao chão, a baderna estava feita, e ninguém iria reclamar, a não ser, quem sabe, as bactérias.
Voltei-me para a cama e cortei toda a colcha. Retalhei-a, picotei-a. Não queria colcha como colcha. Queria-a como um jeans de algum adolescente metido a rebelde, pois a tesoura gritava por trabalho, precisava saciá-la. Venci meu medo, e joguei as picotações com ferocidade para o chão. Pronto, agora a colcha era um jeans.
Um barulho começou a solfejar pelas estradas à fora. Ah, os carros repetitivos caminhando para o pão de cada dia. Liguei a vitrola, volume máximo. Era um antigo Elvis tentando conter o barulho que vinha das ruas. A música me tomou como surto. O barulho do universo havia sumido por completo. Éramos só eu e os anos cinqüenta.
Hoje foi um dia igual a todos os outros dias. Sentei-me na janela do meu apartamento, um terceiro andar não muito terceiro, e fiquei a olhar os pedestres com seus relógios, com suas pressas, e com suas maletas, todas negras. Nenhuma criança brincava na rua. Penso que, talvez, essas maletas tão sérias assustem os risos e pique das crianças, que hoje só têm olhos para os enlatados.
Pensei que algo ainda pudesse acontecer, quando a noite chegou. Mas não recebi nenhuma ligação amiga, não vi nenhum sorriso, e nem me forcei a sorrir. As flores de um jardim longíquo já estavam adormecidas, não me mandavam mais pétalas. E assim tem sido hoje.
Ainda com pouca vontade de continuar acordada, fui-me ao piano. Podia sentir a poeira da casa, nunca limpa, batendo em meu rosto, quando a harmonia fluia pelas paredes, chicoteando o vento.
Não sentia o que tocava, e não tocava o que sentia.

Desisti.

Sentei-me na cadeira com papéis e lápis. Comecei a escrever cada palavra que aqui se encontra. Por tal, percebo o quanto é tudo tão sem nexo quanto tudo. O dia passou como um dia qualquer, sem forma, sem sentido, sem miados de gato.
E apenas não sei como vim parar aqui.

Hoje o dia amanheceu como nada, e terminou como nada.
Eu sei. Nem todos precisam ser algo. Ás vezes, o nada se torna nada, por ter se esquecido de colorir as figuras negras.

Passou, como o brilho nos olhos das crianças um dia se foi.
Passou, como a colcha recortada.
Passou, como as malas negras deixaram de pedir socorro e amor.

Passou como não se deve passar.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Meus Quinze Anos.

Para mais informações, leia o post abaixo deste.
Obrigada. :)


-

A menina acordou rapidamente, como quem leva um susto ao sonhar que está caindo. Levantou-se e matou a preguiça, esticando os braços longos e delgados.
Que horas deveriam ser? Seis horas de uma nova manhã? Sete? Não importa, hoje é hoje e ponto.
Não estava feliz e isso se erradicava de uma forma simples e clara de seus olhos. Estava nervosa, talvez com medo. Não era todo dia que se acordava com um ano de vida a mais, e essa idéia não agradava-a muito.
Foi até a penteadeira do seu quarto e deu uma longa olhada naquele espelho sujo e quase sem reflexo, que a acompanhava, todos os dias, desde que era uma pequena garotinha cheia de idéias e sonhos. Não mudara muito dos oito anos para cá. Apenas não brincava mais de boneca e nem se imaginava numa floresta cheia de dinossauros. Não contava mais as horas para ir à escola ou para ir para a rua no final de semana.

Então, pensou, mudei exatamente em que parte de mim?

O espelho pareceu responder-lhe, mas não o fez. Ela olhou novamente para sua imagem fixa, e suspirou bem fundo, com um aperto de vida passada. Queria entender como ela poderia ser ela mesma sem os tiques nervosos, sem os resmungos, sem os medos. Ela sabia que as mudanças eram necessárias. Mudamos a todo o tempo, mas mudamos e continuamos dentro de nós.
Ela desisitiu do espelho do quarto e foi para o espelho do banheiro. Esse não dizia muito mais, a não ser que sempre embaçava quando tomava banho muito quente, naqueles dias frios. Ainda não sentia-se bem. Ontem havia sido o seu último dia de catorze. Hoje era quinze. E os espelhos haviam mudado, também, para uma imagem quinze.

Não quero passar daqui.

Mas para quem estava mentindo? Ela sabia que não poderia querer, preparada ou não, o tempo passa sem pedir. Ele leva a vida, como o vento, e nem sentimo-lo passar. Não havia querer e muito menos poder, era agora e não antes ou depois. E mentir para si mesma não mudaria absolutamente nada.
Tentou parar de brigar com seu próprio reflexo, e refletiu, em si, o que deveria estar pensando. Com quinze ou sem quinze, ela continuava a ser ela. Com suas bochechas, seus papéis, seus olhos e suas palavras. Nada estava mudando. Apenas uma data a mais estava a se renovar, como em todos os anos de sua vida.

Aqui estou. Ainda sou eu. E sempre continuarei a ser.

Saiu do espelho e preparou-se para atender as ligações de feliz aniversário. Mais um dia estava passando. Mais um ano estava começando em seu ciclo. Tudo estava se renovando. Mas, o mais importante, era que ela continuava a ser ela, com catorze anos, com quinze anos. Com ela e com ela.

Sentiu-se feliz, ao perceber que o seu reflexo continuará sempre o mesmo, apesar do tempo levar a poeira das lembranças consigo.

Eu, Eu Mesma, Sem Irene.

Hoje o dia está frio. Tomei um bom e quente café e deveria estar estudando para leitura musical. Mas não estou com a mínima vontade, mesmo sabendo que preciso da tal vontade para fazer uma boa prova, o que é quase impossível, pois estou péssima nessa matéria.
Eis que me sento na frente da máquina e começo a perceber a ausência das coisas que ainda não vivenciei. Não vivenciei-as por falta de coragem ou, quem sabe, por falta de mim. Eu, que muitas vezes esqueço o verdadeiro significado de ser, acabo me tornando eu mesma sem percepção.
Tenho vergonha de olhar para o espelho e ver a falta de objetividade que acaricia meu rosto. Ela me espreita, como um gato espreita os pombos. Eu não consigo me apoiar nos meus sonhos, pois os acho fracos e sem importância. O que não deixa de ser verdade, afinal, falta uma vontade, como disse anteriormente.
Mas isso só ocorre com os sonhos meus, somente meus. Porque, nos que compartilho, tenho força suficiente para acreditá-los e dar a alma por tais.
Sabe, estava pensando em desistir de escrever. Não sei o porquê exatamente, mas passei a ver alguém sem fé naquilo que faz. Não consigo realmente trazer-me uma boa realidade de mim mesma. É difícil explicar, mas a Priscila não é alguém confiável com relação às suas realizações pessoais.
Quem sabe, e eu não sei, seja uma crise de quinze anos adiantada quinze dias. Dizem muitos que, quando a pessoa chega aos seus quinze, entra em crise. Talvez seja isso. Talvez eu esteja com medo de dar mais um passo à frente.

Tudo que eu queria era pular amarelinha, agora, e esquecer que eu existo.