sexta-feira, outubro 06, 2006

O Hoje, Hoje, Não Foi.

Hoje eu acordei. Acordei, simplesmente, como quem não quer nada. Como quem quer dormir mais algumas horas, porém nem sono mais possui. Varri a cama, com travesseiro, cobertor, brincos e meias sujas. Tudo se foi ao chão, a baderna estava feita, e ninguém iria reclamar, a não ser, quem sabe, as bactérias.
Voltei-me para a cama e cortei toda a colcha. Retalhei-a, picotei-a. Não queria colcha como colcha. Queria-a como um jeans de algum adolescente metido a rebelde, pois a tesoura gritava por trabalho, precisava saciá-la. Venci meu medo, e joguei as picotações com ferocidade para o chão. Pronto, agora a colcha era um jeans.
Um barulho começou a solfejar pelas estradas à fora. Ah, os carros repetitivos caminhando para o pão de cada dia. Liguei a vitrola, volume máximo. Era um antigo Elvis tentando conter o barulho que vinha das ruas. A música me tomou como surto. O barulho do universo havia sumido por completo. Éramos só eu e os anos cinqüenta.
Hoje foi um dia igual a todos os outros dias. Sentei-me na janela do meu apartamento, um terceiro andar não muito terceiro, e fiquei a olhar os pedestres com seus relógios, com suas pressas, e com suas maletas, todas negras. Nenhuma criança brincava na rua. Penso que, talvez, essas maletas tão sérias assustem os risos e pique das crianças, que hoje só têm olhos para os enlatados.
Pensei que algo ainda pudesse acontecer, quando a noite chegou. Mas não recebi nenhuma ligação amiga, não vi nenhum sorriso, e nem me forcei a sorrir. As flores de um jardim longíquo já estavam adormecidas, não me mandavam mais pétalas. E assim tem sido hoje.
Ainda com pouca vontade de continuar acordada, fui-me ao piano. Podia sentir a poeira da casa, nunca limpa, batendo em meu rosto, quando a harmonia fluia pelas paredes, chicoteando o vento.
Não sentia o que tocava, e não tocava o que sentia.

Desisti.

Sentei-me na cadeira com papéis e lápis. Comecei a escrever cada palavra que aqui se encontra. Por tal, percebo o quanto é tudo tão sem nexo quanto tudo. O dia passou como um dia qualquer, sem forma, sem sentido, sem miados de gato.
E apenas não sei como vim parar aqui.

Hoje o dia amanheceu como nada, e terminou como nada.
Eu sei. Nem todos precisam ser algo. Ás vezes, o nada se torna nada, por ter se esquecido de colorir as figuras negras.

Passou, como o brilho nos olhos das crianças um dia se foi.
Passou, como a colcha recortada.
Passou, como as malas negras deixaram de pedir socorro e amor.

Passou como não se deve passar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Conformismo.

te amo

Anônimo disse...

sou eu ai em cima,ha proposito xD

^^

ja nee

Anônimo disse...

Que maneira poética de contar sobre um dia que "Passou como não se deve passar".
Isso soa, de certa forma, familiar só que por aqui o belíssimo canto da natureza vence os sons ferozes da cidade...