sábado, dezembro 22, 2007

ao

deitada na cama
os sonhos vertendo
o abismo surgindo
o final, então

a música sem fim
do sentimento certeiro
o motivo ao ermo
a dor da luz

feche a cortina
o sol fere
o mundo se abre
o medo surge
para dentro e para fora de mim

quero acabar com isso
queimar as palavras
os pensamentos e as idéias
o nada e o tudo
ao fogo abrasador!

é completamente desgastante
e degradante
assim como ante
antes e após

se pudesse sumir
mas fugir do abismo
se pudesse correr
mas não alcançar o nada
eu...
quero...
que isso volte a transformar-se
em matéria nenhuma.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

... como o vento que as traz. [ as memórias ]

Abriu seu bauzinho de pequenos tesouros, um velho mundo se abria da escuridão para a luz. Ficou a olhá-los decididamente por horas, passando os dedos delicados por cada imagem, objeto e palavra. Possuía ali, e bem sabia, muito mais que ouro vivo e orgulhava-se disso, deixando algumas lágrimas sorrateiras, mescla de alegria e saudade, caírem levemente por seu rosto cansado. Havia tempo que não retirava a chave do esconderijo para ver suas preciosidades. Porém, agora que as tinha nas mãos, não as queria devolver para o escuro do baú nunca mais.

Começou, muito bem, por... ele.

Era um jardim maravilhoso, em plena primavera. As flores sorriam para o céu radiante, mesmo que nublado, um céu com histórias fantásticas. Ela estava no balanço, uma chuva gostosa se deixava cair em seus cabelos longos e dourados, balançava devagar, devagar, a tristeza em seu rosto. Era seu aniversário de dezessete anos e ninguém havia lembrado, exceto sua mãe e uma amiga. E agora estava só, completamente.
Então, ele apareceu. Pisava devagar no verde e na lama, estava ofegante, havia corrido, corrido muito e agora tentava não ser descoberto. Chegou à frente do balanço, levantou seu queixo delicado e, então, a rosa.

- Para você.

Ai, como chorava de falta. Limpou as gotas no rosto, parecia que ainda podia sentir a chuva daquele único dia de primavera, e abanou a cabeça: a rosa murchara. Como tudo que é efêmero vai e não volta. Apertou a si mesma, sentia a vontade desesperadora de que ele estivesse ali, agora... o corpo se foi, todavia o sentimento permaneceu, e isto era tudo que ela possuía.
Demorou muito tempo para separar-se do balanço, da rosa e daqueles olhos molhados. Os olhos que a vigiavam, cheios de amor e sonhos a ser realizados. Ah, que daria a vida parar tocar-lhe por um único segundo de realidade.

A seguir, tocou no rosto deles, seus pais, imagens vivas de afeto e carinho, palavras cortantes, perfuradoras, mas sempre verdadeiras.

Sua mãe chorava no quarto desesperadamente, dolorasamente, chutava e socava os lençóis, os travesseiros, e tudo que se encontrava pela frente. Ela podia sentir a dor emanar de toda aquela raiva, de toda aquela tristeza.

- Não! Por quê, por quê, por quê?

Ela também não entendia por quê, mas sabia da realidade desde pequena, enquanto segurava com as mãozinhas tão frágeis a beirada da porta. Tinha seis anos e acabara de perder o pai, e sua mãe acabara de perder o amor de sua vida.

- Querida... - a dor aumentou ao ver aqueles olhinhos lacrimejando - Venha cá. - abraçou-a. Tudo vai dar certo, a mamãe promete.

Mães sempre são fortes. E ela se sentia agradecida por ter tido aquela mãe tão esplêndida e dedicada. Lembrava-se pouco de seu pai, mas sempre o vira com um sorriso no rosto, exceto quando ia dar-lhe bronca. Mais lágrimas vieram, ao lembrar que nunca pôde ter filhos. Eram apenas os dois, ela e o magnífico homem da rosa. Mas eram felizes, ah, se o eram!
Mais um pouquinho, pensou, e tocou em mais um vagalume cintilante.

Sua formatura, seus desejos, seus sonhos, seus medos antigos. Tudo veio esvoaçando até sua mente. Sua vida inteira, incrivelmente sólida e vivida. Sim, uma vida vivida, deliciosa, cheia de alegrias e decepções, cheia de perdas e ganhos. Estava feliz.

Fechou o bauzinho, enfim, mas antes fez questão de pegar tudo de dentro dele, tudo que brilhava e pulava para dentro de si, sugou cada pó, cada pequena partícula e voltou à vida de agora. Talvez outro dia fosse buscar mais e mais felicidade naquela caixa magnífica. Mas, para isso, precisava enchê-la.

E o fez.




terça-feira, dezembro 04, 2007

Sentir.

E, então, as lágrimas voltavam-lhe aos olhos, tão azedas, tão doloridas, queimavam-lhe a face enquanto desciam; ela sabia que não queria chorar, mas já o estava fazendo. Não conseguia impedir o sentimento que vinha arrepiando todos os seus fios de cabelo, os pêlos, a roupa, e até mesmo os olhos, que se abriam de medo diante da perda de controle. Sua fragilidade começava no momento em que se deixava ler: abria-se o livro de sua alma, e as palavras nele escritas não se passavam de chaves para abrir sua consciência.
Ela não agüentava mais, alguns detalhes já a matavam, sugavam todo seu sangue. Tentava fechar os olhos para fechar também a mente, o coração e... o pulso que passeava dela para o resto do mundo. Em um pleonasmo exato e vicioso: o pulso pulsava pulsante dentro de seu pulsante coração para o resto do mundo que pulsava quando abria os olhos novamente. Aquele pulso a controlava.

Estava sozinha, definitivamente ao ermo e vazio. Ele a deixara. Não é simplesmente mais um caso de paixão mal-correspondida, não, é mais sério, vem do amor, o amor que vive as pessoas, que as faz sentir algo mais. E como ela amava! O amor a movia, dava-lhe a vontade de seguir em frente, de ter alguém e algo por que lutar. O amor havia dominado o pulso, em verdade, havia-se-o tornado.
Porém, em um dia sem data, começaram-se as malditas. Ela passou a sentir o gosto delas constantemente, salgado, amargo de tristeza. Estava tão absurdamente feliz, não obstante, com a tristeza estava sempre de mãos dadas, anéis trocados, e, se não fosse a loucura do paradoxo, diria que as duas eram felizes.
Nunca exigiu nada, nunca disse nada, apenas era magoada e morta todos os dias. Por coisas pequenas, por bactérias invísiveis a olho nu, mas sentia tudo cravando-lhe uma estaca no peito. Ele não era culpado, e ela repetia isso sempre, todos os dias, meu amor, sou eu, o problema sou eu, não, não se chateie, não vá embora, não... E uma porta era batida. Ela ia para o banheiro, abaixava a tampa da privada e sentava-se em cima, agarrando-se ferozmente a seus joelhos, soluçando demais, indefesa, perdida, desiludida. Quase uma constante.
Uma vez foi até o espelho do quarto de sua mãe, um bem grande e límpido, e perguntou ao seu reflexo, encostando a pontinha dos dedos em sua própria imagem: "O que é o amor?" Não veio resposta, mas ela não cansava de olhar para seus olhos, eles pareciam tão decididamente expostos, tão pequenos diante de tudo. Ela quis agarrar sua imagem, mas não conseguiu. Chorou.

Ele foi embora de vez no verão. Ela odiava o verão, talvez ele quisesse que ela também o odiasse. Mas ela só pensava que ele havia ido embora e deixado a estação quente, queria sua primavera de volta, de qualquer forma. Mas não conseguiu. Sabia que nunca conseguiria, pois ela era como uma flor frágil e efêmera, logo se murcharia à visão de seu possuidor.
A verdade é que ele não conseguia entendê-la, qualquer coisa, qualquer ato, feria-a de uma forma bruta e desconexa. Não podia fazer nada sem que a doesse na alma. Odiava machucá-la e, desta forma, entendeu que seria melhor deixá-la sozinha, desamparada, mas sem a dor que lhe causava todos os dias, incontavelmente.
Ele também sofreu, o amor era dois, mas aquilo não poderia prosseguir. Ele, agora, não conseguia mais agüentar. E se foi.



Voltamos ao momento. Ela se odiava, sabia que seus sentimentos incontroláveis eram o motivo para sua eterna escassez. Nunca o teria de volta. O desespero se lhe tomava conta. E era realmente desesperador sentir de uma forma tão incrivelmente surreal e avassaladora. O sentir, esse maldito sentir, fê-la subir extremos, fê-la viva. Ao passo que também a fez morta.
Mas a certeza que sobrevoa sua mente é que, se não sentisse, tudo seria pior, sua loucura, pois já estava enlouquecendo de tanto sentimento, seria a loucura das mentes vazias.

Chorou mais uma vez, enquanto um pequeno sorriso aparecia em seu rosto.
Quase imperceptível.