segunda-feira, dezembro 18, 2017

sempre no gerúndio, lendo tantas coisas de sobreaviso, tantas que chegam a parecer cartas sem resposta, sabe, daquelas que lemos um milhão de vezes e não achamos explicação, não, é impossível escrever qualquer linha quando o pensamento tem mais linhas possíveis do que um beija-flor bate asas em um segundo, sempre, sempre num gerúndio passado, um particípio a nascer, é quando me vejo ida, calada, lendo coisas que já estavam sussurradas ao pé do ouvido numa noite em que chorava profundamente a morte que nem havia ainda acontecido, como pode, sempre me perguntei, como pode enlutar-se antes da dor real, passar por cirurgias profundas sem haver ainda adquirido aquele tumor que achara ou achará em algum recanto de sua pele, essa que apanha sol como quem apanha peixes, com um medo estarrecedor de vê-los pular, se debater na dura e triste menção do fim que é a rede de pensamentos, onde agora me encontro, achando que entendo essa náusea que é mais tua do que minha, não, ela é pura, livre das amarras das minhas mãos dos meus olhos que escrevem qualquer coisa quando leem um pedaço de jornal que acha que é poema, porque é assim, assim mesmo, que se faz o que chamamos de salvação.
se a terra fosse plana
não te encontraria vagando pelos deslizes do abismo
sempre no mesmo plano
cantos de vales prometidos
promessas que giram na contra-mão
e terminam como o grito
oco nesse abismo
mas a terra é uma bola de pelos
caminhos encontro gatos
suicidas nessa vida.
love is a good morning
yet there is nothing good about mornings
and in the evening
it is something like beer with possible waking-ups at midday
so, baby, let me cry a huge ocean
cause I don't like mornings
(you can greet me, but it won't work)
and today I don't have any coffee in the kitchen
and I go to sleep missing the taste of summer beer.
acho engraçado como a gente está sempre indo
de bicicleta
de ônibus taquara marechal hermes 
de trem sentadas no chão
sempre indo como uma pipa que quer ser balão, você sabe, a gente sempre quis ser balão mas somos pipa com cerol que às vezes corta as pipas que fomos em outras vidas que duram apenas um espaço de por volta de seis meses 
mudamos de casa
de corte no pulso pro cabelo do cabelo pras roupas e depois em um segundo estamos aqui com vinte e poucos anos imaginando aquele balão que não é mais o de festa junina é um balão daquela terra estranha misteriosa, qualé o nome mesmo
peraí vou olhar no google
achei:
capadócia
é um nome tão bonito. e nossa vontade também de continuar indo indo indo, sem essa de tô indo
não, ir mesmo daqui
pegar as coisas, que coisas que nada, pegar nada, ir no
sentido mais puro e maravilhoso da palavra
ir ser
ir ser
ir ser balão.
poema pílula
é aquele lido rapidinho
quebrador de paradigmas
carregando em poucas sílabas o desdobramento
ou é aquele que a gente toma
esperando se curar?
ensaio
fico imaginando pra qual peça
estou
decorando as palavras que 
escrevo
quase que de forma
em sonho
pois às vezes acho
e depois me perco
que ensaio é coisa de ator
não de escritor
aí volta minha memória (e) para
algum dia em que li outro
ensaio
talvez de outro
ator?
crítico?
mas então
estou
ensaiando
assistindo
escrevendo?
pelo menos não sou
cientista
prefiro estar
sempre à beira
de qualquer descoberta
do que encerrar a peça
por falta de provas.

segunda-feira, outubro 30, 2017

pela milésima vez
eu vou ter que repetir
só mais uma vez
eu juro
beijar estas palavras por mil 
noites
e desejar aquela
mais uma
que é promessa
problema
profeta
apito a voz da minha cabeça
e digo: o gesto
meu amor
é tudo.
por isso que espero aquela
noite
que nunca se cansa
de vir.
por que não 
deitar em roupas amarrotadas
à espera uma vez na corda
depois na cadeira da sala
e agora na cama
mais de um mês abandonadas
me viram chorar no limite
da casa que também
chora
lá fora
o dia está feliz por que
não fazer poesia sobre o céu
sobre a praia e o vento
é preciso um niilismo profundo
para falar de roupas amarrotadas
e mais ainda deitar-se nelas.

domingo, setembro 24, 2017

sei que sou
mulher
quando logo de manhã
em vez de cantarem pássaros
de gritarem galos
de ainda ressoar a cigarra de ontem
é o psiu que escuto na rua deserta
ser mulher é isso:
uma rua sempre deserta
e todas as canções do mundo
em segundo plano
porque
afinal
quem tem tempo pra cantar enquanto corre?
tu às vezes me contesta, eu que me apego com muita força às inutilidades da vida, e com ar de quem é feliz, de quem respira tranquilamente, me diz: cabelo é célula morta, não dá pra tratar. 
eu fico de repente estática, se é possível estar mais do que já estou há dias sem conseguir levantar da cama. meu corpo levanta, máquina que é, e vai trabalhar, pagar as contas, mercado e louça. eu fico pra sempre deitada.
então o cabelo está morto. assim como nossas unhas. como a morte já é presente, como cuidamos da morte que há em nós! pra morrer basta estar vivo. o começo já tem em si o fim, eu entendo. não é que todos os dias, meses, cresce a morte em nós, e cortamos, pintamos, decoramos, até que ela renasce, renasce mais uma vez.
é claro que tenho mania de embelezar a morte. ela está aí para me lembrar de muitas coisas, e quanto mais bela mais fácil é amá-la. dá, sim, pra tratar do cabelo. tudo na vida não passa de uma questão de estética, até a morte - tão vaidosa.
come back
come back to me
remember the songs
the rain the smoke and
they will certainly be
by our side when we
arrive late like the storm.

quinta-feira, agosto 24, 2017

sempre choro quando lavo a louça. não sei se também acontece com você, mas esse choro é pior do que aquele provocado por cebolas. é como uma cachoeira de água perfumada caindo direto da nascente da memória. quando começa, se apossa por inteiro de mim e já não tenho controle de nada. choro, como um verbo vivo e independente, como um filho que após crescido nos abandona e some no mundo. aqui no caso, vira água corrente, escorrega nos pratos, some no ralo. e de repente desagua em algum esgoto solitário, quem sabe, ou vira alimento de baratas.
me sinto meio máquina programada. é só molhar a ponta dos dedos que já nasce a primeira lágrima. parece um time-lapse de flor desabrochando - quem vê não imagina o tempo que demorou, o vento que por ali passou nem o cheiro que emana. por trás do vídeo tem um outro vídeo, que só vê quem é flor. quem não é ou não pode ou não quer ser acha que vê, mas não vê é nada.
você deve achar que bebi um conhaque ou qualquer coisa pra estar assim tão emocionada. juro que não bebi nada. aliás, acho que troquei o álcool por choro (quando não deveria ser o contrário, meu deus?). se tivesse aqui um conhaque (ou o poema sobre o conhaque) de repente terminava de lavar essa louça em paz.
seria bem mais simples: no fim enxugar a louça como quem enxuga lágrimas. não deixá-la jamais pela metade.
me lembro dos teus passos: aqueles que me faziam tocar a existência. exatamente como encostam no chão, com um barulho já tão íntimo parecido com alguma canção que escutei na infância. agora, indo até o banheiro com meus passos tímidos, fiz aquele barulho tão fantástico que você fazia com seus chinelos, e que me acordava nem que fosse no meio da madrugada muito feliz e aliviada por poder escutá-los, saber que eram teus, lembrar que ainda estava ali, e sorria. 
saber esses passos é como retornar. tenho no chão algum tempo que já nem sonhava que tinha, e sinto saudade dos gestos, dos cheiros e do detalhe daquela janela com uma cortina florida.
não consigo sequer chegar ao banheiro. não termino de lavar a louça, não saio do mesmo lugar. esse passo que parece mais uma bala perdida dessas que abrimos o portão num dia normal e que bonito está o céu respiramos um pouco e colocamos o fone de ouvido que música maravilhosa o que será que comerei no almoço? e já não há mais nada a se pensar, porque sim se morre em pleno dia. sempre cito clarice, talvez porque esses passos também me lembrem as horas em que sentada na varanda lia seu livro, calmamente.
agora não sei, não sei mais, acho que vou dormir. espero escutar teus passos mais uma vez na madrugada.

segunda-feira, agosto 14, 2017

que mania chata essa que tenho de filosofar sobre tudo.
ou será problematizar? 
já estou então problematizando 
a filosofia ou filosofando 
a problemática?
coisas que a internet faz com a gente - além de gerar vícios inúteis
(como se algum fosse últil)
acho que tenho também vício em poesia
esse lixo reciclável.
eis que tô pensando sobre
versos. pensando muito. parece até que estou num trem com trilhosintermináveissemfonedeouvidooucaderninho.
só faço pensar.
às vezes acho que estou virando escultura. mas esculturas não choram.
eu sim. exceto que não
digo sim
nunca, só funciono na negativa.
não te disse que é uma mania chata?
seja lá quem tu for.
1. passar a nomear tristezas: tentar vencê-las.
2. saber impossível nomeá-las (mas ainda assim tentar)
3. descobrir cada vez mais tristezas escondidas pelos cantos - algumas passivas, outras tentando te matar.
4. acumular tristezas com medo de perdê-las - já que não se pode nomear, é porque são raridades. e raridades valem qualquer coisa, melhor esperar anos para vender a um colecionador.
5. depois de anos, entender que você é o próprio colecionador - e que agora compra tristezas dos outros.
6. um dia, sozinha, escutar as tristezas te chamarem pelo nome.
pelo sobrenome.
te dão apelido.
também são gentis, e saem do canto dos armários para cantos de te fazer ninar.
7. de volta pro início: acabo de ganhar mais uma tristeza.

quinta-feira, junho 15, 2017

às vezes acordo amarga como esse café
que tu bebe e fuma com um dois até dez cigarros
enquanto durar o tempo do café
ou de qualquer angústia
porque tu sabe 
quem fuma tanto assim
enquanto bebe um copinho de café
é porque justifica a morte
ou qualquer outra coisa
já não sabe se engole o café ou as cinzas
ou aquela carta que chegou onde ainda se chegam cartas
quando não estou amarga te escrevo
poemas, escrevo paredes
esqueço de comprar o café que tu bebe no mercado
e não há motivo para acordar com o café
nem com a amargura
porque já nem lembro onde deixei o maço de cigarros.
eu achava que iria mudar o mundo
mas em vez costurava palavras
sentada na cadeira de balanço
com aquela mão flutuante empurrando devagar
divagando como uma velha os bordados incompletos
conversava com as formigas carregando pedaços de pão
e elas me respondiam em sua língua tão silenciosa
algo como estamos construindo uma cidade imersa
embaixo de seus pés
e todos os dias você nos destrói o caminho
nos faz passar fome
mas ainda andamos, andaimes nos buracos de sua casa
enquanto a agulha feroz já rasgava minha mão macia
as formigas andavam
a cadeira balançava
e na minha cabeça só aquela pergunta
eu achava que era uma formiga
mas não catava migalhas nem era arquiteta
era costureira
de coisas tão insignificantes
achando que qualquer significante poderia mudar o mundo

quarta-feira, junho 14, 2017

lembro da feira. a melhor parte de mim. não que gostasse de frutas e legumes variados, sempre fui fã mesmo é de batatas, apesar de não ser vencedora em nada na vida. mas a feira era mais do que isso. até mais que o aipim cozido com margarina que minha mãe, muito docemente, e meu pai, muito euforicamente como sou às vezes hoje em dia, ofereciam às pessoas.
eu acordava às 6 horas da manhã com o barulho das coisas. os caixotes se moviam com raiva do chão. a porta da garagem se abria, como quem espera a semana inteira para beber uma cerveja, a verdadeira sexta-feira santa. um passarinho cantava na árvore do lado, que há muito foi abatida. mesma árvore que minha gata escalava, e mesma árvore também onde jogava uma pedrinha amarrada num barbante para alcançar os galhos. no fundo sempre quis ser gato.
eu parecia um ser insone. num sábado, quem acorda às 6 da manhã sem precisar acordar? eu sentia o cheiro do tempo. não sabia naquela época, mas era ele, era sim, e conversava comigo.
sentada num caixote qualquer, observava as lindas velhinhas que chegavam ali para comprar qualquer coisa, e adorava escutar histórias sem sentido, lembranças disso ou daquilo e o que eu mais gostava era ir na casa delas com meu pai, naquela kombi velha, entregar as compras.
a kombi era tão importante pra mim que uma vez acordei desesperada de um sonho em que estava dirigindo e caía com meu pai e a kombi e tudo dentro de mim no rio ali perto de casa. o mesmo rio em que desovavam corpos, imaginei também toda minha felicidade e nossos corpos sendo desovados.
lá pras 10 horas, pegava minha bicicleta ou montava minha banquinha de troca de revistas da turma da mônica. nada me dava maior leveza e simplicidade do que pedalar pelas ruas amanhecendo. podia sentir o bocejo do dia, eu era um galo solitário descobrindo o mundo.
voltar para casa e sentir o rumor da feira. meus pais sorrindo com uma fruta do conde na mão, descascando um abacaxi, minha mãe tirando os carocinhos da melancia pra eu comer e não criar sementes no estômago. uma preocupação de nascer devagar, de esperar minhas raízes tomarem forma.
depois, o desarrumar das coisas, o desdobramento do tempo no tempo, mesmo com tempestades o ritual era refeito. voltar para o meu quarto e acender velas, pegar nas mãos livros estranhos que me confundiam e já começar a colocar no meu pequeno diário colorido a conversa que eu tinha tido com meu amigo iago, sentada na calçada do lado da feira.
o silêncio do meu corpo inebriado ainda pela manhã que já acabara. o gosto da lembrança muito prodigiosa me abraçava, exatamente como me abraça agora.
era nesse crepúsculo que chorava. sem saber muito bem por quê, com minhas mãos de crianças e meu coração ainda sem enfartos, a feira era já um abismo, e eu andava na corda bamba.

segunda-feira, abril 24, 2017

vou te contar uma coisa. tu não precisa ler, não precisa me dizer nada, juro: mas é que corto os cabelos para não cortar os pulsos. sabe de repente eu acordo numa manhã fria dessas de são paulo com o ar todo poluído, e eu percebo que quem tá poluída sou eu. não é o ar, não é. é o meu corpo inflamado de sujeira, de tanta coisa pra ser limpa. a gente pode limpar a casa (mas prefiro não perder meu tempo com isso) organizar os livros na prateleira soprar um pouco a poeira e fingir que tá tudo bem. a gente pode. a gente pode tanta coisa. mas o corpo continua imundo. imersonomundo. e é muita vastidão para ser só uma coisa, o corpo balança escorrega gira. contaminação pura que nem quando ando pelas ruas de são paulo e sinto vontade de chorar. é verdade - outro dia bem sentei num cantinho da avenida paulista e chorei durante meia hora até conseguir olhar pra cima. os olhos choraram tanto que nem pareciam mais ser meus olhos e choravam tanto que nem sabia mais por que chorava ou nem onde estava e quando olhei pra cima, olhei bem fundo, e vi que era eu que estava ali, chorando.
desculpa, me embolei na narrativa. nunca fui de contar coisas, só as gotas da chuva, sim, sempre contei gotas, talvez porque contá-las seja impossível. então é o mesmo que não contar nada. mas preciso contar até dez e me acalmar e te contar finalmente o que preciso. sabe o que é uma salvação? eu também não. mas eis que sinto que a salvação é sempre cortar os cabelos. como um milagre. a gente reza tanto pra nós mesmos, por que não atender as preces? essas que vêm sem nem sabermos de onde, mas que definitivamente estão ali mais do que o sapato que estamos usando.
então todos os dias tenho cortado os cabelos. normalmente só as pontas e já basta. mas esses dias cortei a franja toda torta e não é que respirei fundo e senti a calma do mundo? faz tanto tempo que não sentia essa pacificação, esse banho. há momentos porém que não aguento e meto a tesoura bem no meio do meu couro cabeludo e fico com vários buracos. é aí que consigo rir. rir de verdade. sabe a verdade do riso? é essa. estar cheia de buracos na cabeça e ao mesmo tempo entender que são só buracos na cabeça e nada mais.
ainda com a tesoura enferrujada de lágrimas e a sujeira contaminando das pontas das unhas quebradas até o último átomo que acha que me encosta preservo em sangue e palavras as células, essas mesmo, as células vivas.

segunda-feira, abril 17, 2017

amizade é a camisa com o botão descosturado
a gente perde em algum bar o maldito
ou no metrô cheio de botões também perdidos.
e de repente se dá conta, no espelho,
com o buraco feito abismo à mostra.
mas nosso corpo respira sem o botão
dá cicatriz, arrepio, tatuagem pro mundo.
e não é que a gente descobre qualquer dia
que aquele botão perdido virou flor na rua?
pra que falar da vida
se ela é guarda do próprio nome
armada com suas sílabas
só duas, mas inteiras
de um vazio que não lhe pertence.
rapta meu pensamento
minha loucura, minha dúvida
de na boca mover o som que rapidamente
ela me rouba.
sabe o que é engraçado?
a chuva me diz muita coisa
voltando com ela do trabalho
numa carona desavisada
guardei um segredo.
achei ridículo que logo ela
cinematográfica, ouvinte de mágoas
me fizesse esse pedido
tão sóbrio, mas inesperado:
- promete.
pulando poças, escutando suas sílabas
lembrei daquele dia
que te falei da chuva
sabe?
e não era preciso:
você já conhecia todos os segredos.

segunda-feira, março 27, 2017

deitada no chão da casa que chove
(sim, chove muito)
o café quente lendo o livro que mais amo
amor numa tarde que chove
e escurece lentamente
amor que é a felicidade menos incômoda da vida
esse amor que sinto o cheiro de longe
já misturado ao do café
e também ao da chuva
é o amor que afago
com um gesto despreocupado
nessa tarde
que não chove
e preciso levantar.

segunda-feira, março 06, 2017

total eclipse of the heart

Once upon a time
I was falling in love
But now I'm only falling apart
There's nothing I can do
A total eclipse of the heart


1 fevereiro de 2017. sonhei com um eclipse solar. foi angustiante. o mundo se fechava, e eu saía correndo de casa para o outro lado da rua. quando tentava voltar, já não sabia onde morava, onde eu estava. invadia um prédio qualquer. era perseguida. e não encontrava meu caminho de volta.

1 de março de 2017. aconteceu o eclipse solar. mas o mundo estava nublado. era carnaval, e havia uma purpurina falsa na minha pele. foi também quando tudo acabou. eu já sabia, antes de tudo realmente começar, que o caos era eminente? que eu estaria perdida, completamente angustiada, ainda sem encontrar a porta que deixei escancarada?

sexta-feira, março 03, 2017

abraço

o teu cheiro em mim.

I was born in a thunderstorm

como eu queria, no meio da minha bebedeira, escrever palavras bonitas. mas nem digitar direito eu consigo. por que não dormir? com toda a ânsia que estou e guardar na cama, lugar para reflexão e choros baixinhos.
mas já não consigo chorar. não consigo mais sentir. quero mais um copo de cerveja. mais um. mais um. esquecer tudo que está acontecendo à minha volta, um momento de transposição. não é isso que faço? um transpor-me do meu corpo para lugar nenhum, em absoluto nenhum.
agora, com as borboletas voando pela sala, e a vida pulsando no meu peito, é tão bom estar aqui. no meio de absoluto som nenhum. mentira, sia toca na minha cabeça. e daí? tudo passa, tudo inquestionavelmente passa...
e as coisas, o sentimentos, mudam num sentido acelerado, maior do que eu posso acompanhar, nessa minha silenciosa pergunta.

quarta-feira, março 01, 2017

you met me at a very strange time in my life

quando estou com você, o dia se desdobra: passa rápido, mas parece que vivi um ano inteiro. não é só porque rio, ou converso horas a fio. é coisa de gesto, de cheiro, do teu olhar no meu.
cada dia que não estou com você ou que não converso com você parece que não vale à pena. parece que está faltando um pedaço de mim, que o mundo está sem graça.
ao mesmo tempo que te amo de forma visceral, tenho um medo aberto nas minhas veias. ele diz ao pé do ouvido: vai embora, esse não é o seu lugar. baixinho, mas firme, calcula a hesitação no meu caminho.
e você faz coisas que não consigo entender. me machuca de um jeito que só você pode machucar.

do carnaval só restou o querer que você me invadisse, que me puxasse pelo braço e me abraçasse, que não me deixasse ir. mas a vida é complicada e às vezes imita a arte: momento estranho, quem sabe em outra vida.

terça-feira, fevereiro 28, 2017

nós

há um sorriso entalado na minha garganta 
tem gosto de barulho de chuva 
de sábado à noite 
de banho fresco no verão.
se esconde no silêncio escuro da voz que nunca vem
do pedido jamais feito
das mãos que já não se encontram
e dos nós que não conseguimos romper.
que faço com esse sorriso sem utilidade?
tinha guardado pra quando fosse te ver
numa tarde sentada na praça, fumando um cigarro
guardei esse sorriso, agora entalado
pra qualquer dia, qualquer vida,
pra quando você voltar.

poema pós moderno sobre vazio existencial em um mergulho de tédio no calor do rio de janeiro

não, não quero nada
não me venham com conclusões
a única conclusão é morrer.
quem me dera a morte fosse uma conclusão
um emaranhado de não querer
o fim descoberto de um abismo com frio
é apenas a invenção do meu tédio
da loucura que acha que é loucura
(na verdade é um puro dia comum)
sentada refletindo, com a mão apoiadora de pensamentos
bebo um café adocicado
termino e não há sorte pra se ler no fundo do copo.
é esse café o presságio da morte?
de novo, achando que é loucura,
só um café açucarado aceitando a fé da palavra.
há uma rua em meu peito 
e um grito bêbado na madrugada.
os paralelepípedos já não sabem o caminho para aquele lugar
onde sentada calmamente fumo meu cigarro.
a desordem das folhas secas já não me guiam para o destroço de ontem
e sábia a noite não me traz mais paz.

terça-feira, janeiro 24, 2017

há muitas pedras no nosso caminho.
talvez, em outra vida, pegaríamos essas pedras filhas da puta do caralho e jogaríamos no mar. quem sabe faríamos de bola de futebol.
agora não dá pra fazer nem casinha nem amontoado deixado por fadas. são só pedras maciças embargando a estrada.
o que a gente faz, quando há mais pedras que terra, quando a carroça que temos quebra no meio da chuva e o burro que tava na frente sai correndo? que bom que saiu, porque não é legal animal ser usado pra isso, mas como que a gente segue, cheias de lama carregando nossas bagagens que são mais pesadas que as próprias pedras?
no meio do caminho tem um monte de pedra. mas tem também a gente pegando uma pedrinha e jogando na cabeça da outra, e rindo até desmaiar de como essa pedra é um teatro grego.
tem a pedra com cara de história impossível do passado, que se a gente conta pra alguém, essa pessoa não acredita.
tem pedra que tem gosto estranho e dá até pra comer bebendo uma cerveja. tinha uma outra que, depois de tanto a gente socar, virou uma obra de arte.
então é isso. tem uma porrada de pedra no nosso caminho. tem dias que choro, tem dias que chuto as pedras e machuco meu dedão.
nesse momento de raiva e impotência, me sento do lado das pedras. e quer saber mesmo? de verdade?
desisto de atravessar. porque, no fim das contas, nós também estamos no meio do caminho.
para minha amiga, Dan Villela

sábado, janeiro 07, 2017

teus olhos são oceano.
te explico: a pequena e solitária onda despencou na areia que respira.
o mar branco com seus pequenos trovões vermelhos morre e renasce em segundelas.
o sol castanho tudo vê mas também é eclipsado.
abro as mãos e recebo tuas ondas: preciso.
é um dia quente, e o que tenho é só um deserto solitário.