segunda-feira, dezembro 10, 2018

meu amor, envelhecemos,
não adianta chorar
por nossa imobilidade
o passado é um veneno
quando se torna
o que se é.
a vida é uma fita
que quando descolada
da parede
arranca tinta arranca
laços
ou outra fita
que quando assistida
de qualquer forma
gera comoção.
tomar o passado
em goles lentos
enquanto dança
ao som da fita
me parece uma bela forma
de happy ending.
que vontade louca de escrever. que nem outro dia em que desatinamente queria um pedaço de chocolate ou do seu corpo, mas em vez saí correndo que nem um pássaro machucado pela rua cheia de gente me apontando estilingues e olhares fulminantes. dessa forma quero comer as palavras como uma sopa, tudo de uma vez, lamber o fundo da tigela e sujar o nariz, essa parte maravilhosa que nos mantém vivos, seja respirando ar puro ou poluição, sujar o nariz significa muita coisa, não conto tudo pra não estragar a suposição
é assim que se começa uma mentira. ou um conto. ou um romance. principalmente um poema. não sei do que gosto de comer mais. acho que quando estou de dieta abro um livro e leio frases aleatórias, versos quebrados. quando chego no ponto de vomitar tudo pelos cantos, já me permito dormir lendo muito, carregar livros na mochila, apoiar um bem grande ao lado da cama.
e de repente uma paixão vermelha me atinge em cheio. esbofeta minha cara, arranca sangue, esbofeta bem esbofetado, chego a ficar tonta. percebo que é o momento de amar pura e simplesmente essa loucura, abraçar tão forte como uma sereia anseia por uma vida inteira nadando e descobrindo tesouros, seduzindo marinheiros porcos e estupradores até a morte, esse é o momento milagroso em que a coisa que mais queria para acompanhar era um café e um cigarro. como ex fumante e adepta da noite, fico apenas com a ânsia, agarro fortemente esse sopro, deito-me na cama e lambo com prazer cada sílaba, peço que venha de qualquer forma, com roupa mesmo, cabe a qualquer um despir o que for,
e aguardo na escuridão o grito que, silenciosamente, chegará em segredo como um terremoto arrebata terras sem nenhum aviso. não sei se sairei vitoriosa ou embaixo de um túmulo.
aceito qualquer uma das opções e finjo que tenho alguma escolha.
tem dias
que me lembram ten days
de pura lágrima
como se fora um final de filme americano
daqueles bem desgraçados
onde sentados no fundo do quarto
ou do poço ou do canto
dos teus olhos
esqueço que estou viva.
tem outros dias
como todos esses dias dentro desses dias
muito mais que ten days
talvez a vida inteira
que não me lembram nada só
esse momento de tristeza profunda
que deveria ser algo como depressão
mas é o mundo
meu país
que caminha para um lago onde
nem lágrimas existem
está seco
os peixes mortos
as plantas mortas
a água morta.
chamamos de natureza morta
essa arte do silêncio e da observação.
imagina como seria o mundo
se a inevitabilidade
das coisas fosse
comer morangos.
estou apenas aguardando meus morangos bem maduros.
ela está à beira de colher morangos.
que falta fazem os morangos
para driblar a morte
entre outras coisas
desse país
quase apodrecido.
pensar a morte pensar a
sorte de um dia que respira
conspira como me sinto agora é
hora de dizer adeus te dar um abraço
ou pássaro tudo vem do mesmo tempo
lento quem me dera é rápido como avião
na mão se lê a sorte pode cair do céu
o véu também cai mas um viaja o outro
acha que é pássaro mas é máquina que desgraça não se pode ser duas coisas?
não tenho escrito nada.
também somos feitos de escuridão.
no papel uma gotícula de café
rascunho de memória insone.
desenho ervas daninhas na beirada
uma preparação para a queda
amortecendo as pontas soltas
o pensamento
uma paisagem deserta.
a parede tão branca
sofre de alzheimer
testemunha mentirosa
como qualquer nada.
tenho bebido tanto café
que lembro dos dias através
de copos
de cheiros
de borrões
hoje amanheceu o corpo
primeiro da cama
depois no gole
é possível escrever
com o barulho da cafeteira?
nothing happens in alabama
nothing happens on that old street
nothing happens a miracle would
fit well
can't walk with my feet 
i'm growing butterflies under my bed
wish it was january
wish a summer breeze
a song can be
any song
dancing in an imaginary saloon.
"Se toda vez que começassem
uma pequena história
de amor
de bar
de madrugada
eu retirasse o começo
(que é algo sempre clichê, porque saber dizer a primeira palavra é coisa de gente muito certa de tudo)
imagina a bagunça no reino das fadas.
Por isso acordo ilhada.
Nem sei como vim parar
nesse lugar.
É coisa de gente perdida
drogada
desiludida
gente como eu que
sentada na varanda
imagino uma embarcação
com dragões aquáticos
soprando goles de cachaça
nos meus pés."
Rubi V.
confundo dúvida 
com dívida
acho que estou devendo
resposta 
ou à procura da 
pergunta
como se duvidar fosse
dividir
é somar
não gastos
sapatos
mas uma planta que já
finca raiz
no coração
"dinheiro não cresce em árvore"
mas folhagem nasce bem
na pupila esquerda
lugar de profundas
profundas confusões.
um copo de café
não cura
nada
em nosso corpo
com a cólera só
possível dos grãos
moídos iguaizinhos
às unhas caídas
na folha ou
no fundo bem
no fundo onde
leio a sorte mas
não acredito.
sinto vontade de te abraçar
por tudo que ainda não é
(e talvez nunca venha a ser)
espero que esse poema não
se torne um pneumotórax. 
acho que vou chamar lágrimas
reversas futuristas caminhando
em marcha-ré.
lirismo é coisa que vem junto
com certo sentimento chamado
saudade ou
curiosidade ou
paixão.
de onde arranco tanta memória?
a gata preta, sentada silenciosamente no umbral, observa a noite esperando, delicadamente, aquilo que apenas os gatos sabem e podem esperar: o próximo instante. esse ritual se repete mesmo que eu não esteja aqui para comprová-lo, e ela acha que não sei sobre seus encantos, seus cânticos antigos, sua adocicada espera. 
gata preta, que jamais foi minha e é apenas de si mesma, me entristeço às vezes quando te vejo ver o mundo pela janela. quando foi que de nosso posto de seres nos colocamos como donos, e de nosso posto de donos nos tornamos grades? sinto muito, meu amor. mesmo que não me responda, sei das profundas rebeliões que ocorrem dentro de seus olhos amarelos e ariscos.
o tempo está passando rápido demais
eu
que não passo mais
roupa
não sigo mais 
o tempo
sei quebrar
palavra
quadril
pratos
mas não as horas
olho o relógio
ele não me olha de volta
assim não posso encantá-lo
com meu segredo
de feiticeira
apaixonada não tenho
controle sobre ele e
saio gritando por segundos
saudade que bate na cara
guardei o anel
que tu me deste e queria
dar para o tempo
é mentira que vidro quebra
fácil estou
quebrada
de todas as formas
não tenho tempo
para mais nada
olha:
há uma luz que se desprega das telhas. 
olha:
ela quer conhecer o mundo.
olha:
acha que é pássaro.
olha:
nessa rua todas as lâmpadas foram queimadas.
olha:
toda partida é uma pequena destruição.
olha:
as plantas secaram no telhado.
olha:
não há água que atue tão bem que a vida aceite esse teatro.
olha:
o que fará uma casa em ruínas?
olha:
um dia olhei diretamente e me ceguei.
olha:
não há mais cegueira na escuridão.
olheiras é uma forma 
de olhar
indiscreto 
é a outra forma 
de esconder 
as sombras que jamais
retornam de dentro
para dentro não existe
fora quando se está
marcado
me sinto um
cavalo
que nasce sopro e carrega
marcas
pessoas
carga pesada
olheiras é a máscara
que presa
ao cabresto
ataca quem chega
perto.
gosto das coisas simples:
café com cheiro de outro
dia claro que memória
tem perfume. não é flor é
fruto
nasce do chão ou
cresce da queda.
janela com paisagem imaginária
quadro do mundo
quem olha
desenha
quem apoia
canta
quem fuma
escreve.
mais uma:
café, janela e
chuva aos domingos
tudo simples simples
como uma plantinha
nascendo no vaso
do banheiro
(quebrado
numa casa em ruínas)