quinta-feira, janeiro 28, 2016

sobre o abismo e a queda

sou essa imensa e interminável escuridão, algo dizia em minha cabeça. não, não é uma metáfora - é o que me cabe quando não existem horas entre nós. disforme e instransponível, sou também o tempo estático que é o silêncio.
risco um fósforo: meu deus, começo a ver meus dedos! a pele sem tom definido, unhas imensas e os cabelos caindo como uma capa em minhas costas. sem espelho ao meu redor, sem ninguém a me ensinar como nascer, não posso ser mais nada senão pedaços de um rascunho deformado.
agora já consigo andar. tenho qualquer coisa chamada segundos até o fósforo se esvair. abro uma fresta na parede, taco fogo no pano que cobre o que não vejo, tudo incendeia ao meu redor. o espaço que abri: mais escuridão, mais do que me deu à luz.
há chamas por todos os lados. preciso sair. não sei se é uma janela do mundo ou um abismo. meus sentidos, que até agora não me faltaram, dizem que é o lado de fora.
vou, que só há o que ir. atravesso para onde quer que seja e sinto o peso da queda. caio tanto que parece que flutuo. já sem fósforo nenhum e o incêndio já distante, comecei a me tornar novamente escuridão. não tenho mais olhos, apenas um pulsar acelerado em meu peito dizendo adeus e sílabas soluçantes em minha cabeça.
estou indo. estou indo embora. mas só uma pergunta ainda existe dentro de mim:
de onde surgiu o fósforo?
tenho olhado muito pras paredes. sinto nelas um corpo vivo escorrendo minha solidão. são elas as únicas irmãs que me abraçam enquanto choro, que seguram minhas mãos nestes dias que já parecem uma vida inteira.
posso encostar a cabeça em sua pele fria e escutar, devagar, um ruído que são os dentes do passado, a calmaria de mastigar o vazio. há dias meus olhos são como estátuas fugindo da arte...
olho pras paredes como quem espera um milagre. espero, cansada, que desmoronem, mas cada vez mais se edificam. são como um padre aguardando a confissão. santificadas, me pedem paciência. desesperada, quase crio um altar e peço pra que me salvem.
há dias que falo com as paredes, há dias em que escrevo. não é a mesma coisa? esse pedaço de loucura que é dar a mão a si mesmo. essa espera de que uma bomba exploda na rua ou de que alguma palavra se torne, enfim, um gesto...
entender
entender a poesia e calar-se
abrir a cortina
e achar outra cortina
ver pelas frestas o dia
ou será uma música que descansa
movendo o pano,
ondulando os olhos que pedem?

segunda-feira, janeiro 25, 2016

estou faminta:
um pássaro fugiu do meu peito.
carregou em suas asas a seiva que me movia.
foi pra longe, com a voz do meu canto,
deixou o desencanto em minha morada.
arrasto o corpo ensanguentado,
a gaiola que é o meu peito rasgado
agora virou vazio
e o abismo ecoa, solitária.
saquei do porão a espingarda
e atirei no bandido
agora morto, de volta ao meu peito
já não tenho nada:
nem canto,
nem seiva,
nem asa.
a cama
que não ama
que não é lama
(às vezes sim)
não foi feita pra rimar.
é feita de silêncios
e canções repetidas
uma coisa se torna a outra
nessa minha solidão
que é sonâmbula:
escreve dormindo qualquer coisa
esse gesto de salvação...