quinta-feira, dezembro 28, 2006

Do Silêncio Se Faz A Fé?

O homem entrou na igreja mancando, sua perna estava sendo arrastada por seu corpo quente e eufórico. Algumas pessoas estavam ajoelhadas, rezando para as imagens com faces tão duras. Não repararam quando e como o tapete central estava sendo sujo, enquanto o homem passava lentamente, até conseguir chegar ao centro das imagens, onde havia uma grande cruz de um Jesus crucificado.
Ajoelhou-se com muita dor e dificuldade e olhou para os lados. Cerca de umas quinze pessoas rezando, três crianças conversando. Suspirou o silêncio. As coisas não precivam ser assim, ele sabia. Mas agora já havia começado. Iria até o final, como prometera à sua família, cheia de ambições.

- Deus! Eu sou um homem pecador, como tantos outros. Eu errei e logo voltarei para meus erros. Nasci naquele lugar, cheio de morte e violência. Drogas, prostituição, não havia fé! Deus, por onde Você esteve? Precisei tanto de Você, quando fui preso, maltratado, quando vi criança morrer! Oh, não, minha irmã de dez anos se foi, baleada por um policial! Por quê?, meu Deus, por quê?

O homem chorou e abaixou a cabeça. Sua perna doía, sabia que logo iria morrer. Um policial o pegou de vez. Hoje foi o dia do terror e da morte para muitas pessoas. Ônibus foram queimados, granadas foram soltas, pessoas foram baleadas. Agora, sim, a verdade iria aparecer aos olhos de todos. E isso é apenas o começo.
Todos os dias, pessoas morrem por violência. Todos os dias, alguma criança é iniciada no tráfico. Todos os dias, alguém perde a esperança.
Quem nasce em uma favela quase não tem escapatória. Cresce com a morte, com as drogas, com maldade ao lado. Para onde foram as pessoas boas? Para onde foram todos? Parecem animais, sem vida, sem piedade, apenas se importam com seu lucro pessoal. Não ligam de matar, de roubar, de culpar! Culpa? A culpa é de quem?

- Deus! Ah, Deus! Eu quis matar! Eu não me arrependo. Eu não tenho nada, nosso povo não tem nada, precisamos nos expor. Eu não queria ter crescido assim, com arma na mão. Não queria ter perdido a fé. Mas, Deus, onde Você está? Porque não me ajuda? Eu precisava tanto de alguém para me guiar. Eu sou errado, todos são errados! Onde está a certeza?

Fez-se um pausa, as lágrimas caíam sem parar. Todos os culpavam, sem antes olhar seus motivos. Nada justifica, é verdade. Mas também nada justifica a situação em que estão. Por que uns podem tudo e outros não podem nada? Por que tanta ganância? Por quê? Para onde foram os bons, os amigos, os verdadeiros? Por que a maldade prevalece tanto? Por quê?
A resposta está dentro do coração de cada um.

- Venho aqui pedir-lhe perdão. Não fui certo e, antes de morrer, também não serei. Hoje se esgotou meu acreditar. Hoje eu matei a muitos e a mim mesmo. Hoje eu matei um pouco de Você, Deus, como todos fazem um pouco todos os dias. Desisto, aqui, e agora. E sei que o inferno me aguarda. Amém.

Levantou-se, com a maior dificuldade do mundo e fez o sinal da cruz. Abriu uma grande bolsa que carregou até ali e tirou uma grande arma de lá de dentro. Olhou para a cruz e pediu perdão. Começou a atirar em todos que estavam rezando. As crianças gritaram, mas o sangue escorreu de seu pequenos corpinhos recém-vividos. Todos morreram, sem piedade. Após o massacre, virou a arma para si mesmo e deixou de existir, com todos os seus pecados e com todas as suas mortes inocentes.

A Igreja continuava no silêncio, agora com sofrimento e sem vida.

Mais tarde, no jornal, mostrou-se uma pequena notícia, bem espremidinha, no canto, sobre a morte de algumas pessoas dentro de uma certa igrejinha.

E a vida continua.

domingo, dezembro 10, 2006

Páginas em Branco.

Eu sou um livro sem palavras. Apenas com páginas em branco, prontas para serem escritas por você. Tome um lápis, escreva sentimentos. Apague-os! Mas, cuidado, a cada palavra apagada, uma parte de minha alma se perde. Ela voa para o esquecimento, como se você a houvesse matado a punhaladas e limpado seu sangue com suas páginas rasgadas.
Não, não suje minha brancura com promessas que serão perjuradas. Se, a cada lágrima caída em minhas folhas, você arranhar meu corpo com as unhas, eu me desgasto e acabo virando uma folha seca de outono. Uma folha que, ao menor toque, mesmo de serenidade, decompõe-se, sem querer, e ao céu se esvai. Portanto, não as derrame em minhas folhas. Use a sinceridade apenas quando ela é verdadeira.
Escritor, alimente-me com sua poesia, preciso dela para manter meus sonhos. Escreva suas figuras, sua coloração, crave em mim todos os seus sentidos, todo o seu mundo e desmundos. Porque eu preciso de suas palavras, sem elas, eu nada sou. Minha dependência surgiu quando minha capa foi aberta. Agora, não consigo mais deixar de respirar conotações.

" Palavra, doce menina,
Não me machuque,
Nem de noite nem de dia,
Porque machucar-me
É como feri-la de volta. "

Sei que um dia serei esquecido. Serei jogado no lixo, no esquecimento. E, então, perguntar-me-ei: "Para aonde foi o Era Uma vez?" E as palavras surgirão em mim, respondendo: "Ele se foi para longe, muito longe. E você não viveu feliz para sempre." Minhas folhas envelhecerão, até ficarem amareladas, serão solitárias e sem essência. Um dia, serei lançado ao mar, desprotegido, até cair em seu fundo e por lá apodrecer durante séculos.
Lixo? Serei pior que lixo. O meu valor terá sumido há muito. E aonde estará você, poeta que me criou? Cansou-se de mim, de suas histórias, que, com o esquecimento, viraram apenas estórias.

" Não voes para longe, ó poesia.
Arranca tuas asas
E fica comigo,
Em palavras,
Para sempre. "

Não o culpo, afinal. Culpo a mim. Por ter absorvido tanto sentir! Tudo se unia à minha alma. Cada sí-la-ba. Eram, enfim, meus pedaços pedindo por sustentação. Por sentimentos, por utopias. Principalmente pelo que emanava de você. Não conseguia sentir os risos, nem o drama, eu não conseguia comunicar-me!
Já fui esquecido. Por que usei do futuro, se tudo é passado? Tentativa frustrada de enganar-me. Quero meu conto-de-fadas de volta. Quero ter princesas, guerreiros, vilões. Quero ter uma simples menina, que escreve em seu diário, todos os dias, sobre seus pequenos problemas. Eu quero amor! Quero ódio! Quero vazio!

Eu sei porque me machuco. Sei porque minhas folhas pedem por leitura. Você, poeta, está morto. E morreu antes de terminar-me.

Deixou minhas folhas.

Em branco.

" Deixa-me seu vestígio,
Para que eu possa segui-la.
Caso contrário,
Morrerei, eternamente,
Sem absorvê-la. "


E fechou-se, adormecido.

Quem sabe, um dia, um principe encantado venha beijar suas folhas em branco, com palavras nuas...

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Realidade Que Não Deveria Ser Real.

Hoje não irei falar de amor. Não irei mostrar, com palavras, o quanto sempre, por trás dos finais tristes, há uma grande luz de felicidade. Não irei prolongar-me com bons finais, que nem são tão bons assim, às vezes. Hoje eu irei falar do egoísmo. Dos maus sentimentos, dos que mais sobrevivem durante o passar da vida. Aquela pontada de pecados e horrores que emana todo dia da boca e da mente do ser humano.


Vejo uma menina correndo na rua. Ela é linda e tem toda uma esperança pela frente. Não descobriu a realidade: ainda. Logo, perderá a fé em Deus. Queimará seus antigos brinquedos, e jogará suas roupas infantis fora. Logo, essa menina não terá sustento e perderá os pais no tiroteio. Deviam ter-lhe dito: Voa, menina! Vai embora daqui, fica nos teus sonhos, porque a realidade é dura. É dura demais e a mais. E ela cedo descobriu. Com doze anos, já veio a prostituição. O dinheiro, que ganhava, não compensava sua dor íntima de repulsa. Sentia nojo de si, sentia medo de seu futuro. O que será de amanhã? O diabo, quem sabe, vir-se-ia à sua porta, para levá-la diretamente para o inferno. O inferno, provavelmente, não seria tão diferente de sua vida.
Envolveu-se com drogas. Tarde de mais, ela pensava, agora, não tem mais volta. Não tinha ninguém. Nem mesmo uma amiga. Afinal, quem iria importar-se com uma vida tão "medíocre" como a dela? Ninguém. Porque a verdade é uma só e única. E, nesse caso, não há relativismos. Apenas exceções, não relativas. Quem passava por ela, apenas nutria o preconceito: "Drogada, perdida! Puta." Nem uma, nenhuma pessoa parou e deu a mão para sua alma. A visão do ser humano é tão perfeita, que só vêem o que querem ver. Mas o pedido de socorro, que vinha dos olhos daquela menina, nunca foi visto.
Procurou Deus, novamente tentou construir sua fé de criança. Mas não adiantou. Nada, nada sentia que viesse daquelas imagens de santos. Nem uma palavra de conforto. Começou a entender que tudo era uma grande mentira! Deus? Que Deus é esse? Que deixa uns perderem a vida, e outros sorrirem sempre para ela? Não! Estava sendo egoísta. Não devia sentir inveja dos que estão felizes. Deixe-os em paz, felizes como estão. Não têm culpa de sua miséria! Ou têm? Ei, dá-me o entendimento! É claro que têm. Só se importam consigo mesmos. Não vêem a dor de quem realmente sofre. E, se a vêem, não se importam de fazer algo para acabar com ela.

O motivo de seu desgaste veio mesmo quando engravidou. Chorou demais, quando a barriga começou a aparecer. O que seria desta criança? Por favor, que sua vida não seja como a minha! Mas iria ser. E ela sabia. Sabia até demais. Disso, infelizmente, ela tinha conhecimento. Quase uma sábia. Sim, uma sábia do sofrimento. Ela, em nenhum momento, pensou em deixá-la viver. Viver? Viver o quê? Essa vida de desgraça? Essa vida de morte, de droga, de luxúria SUJA? Essa vida sem amor, sem vontade, sem paz. Essa vida sem alguém para contar! E se ela morrese ao dar à luz? O que seria da criança?
- Não seria, eis o uso correto.

Hoje ela não mais agüentou. E quem o faria? Muita gente, muita gente. Mas não é a mesma coisa. Tudo dói, e ela não era forte. Tudo dói, e ela apenas queria chorar e ter um lenço para enxugar suas lágrimas. Ela foi até uma das praias do Rio De Janeiro, queria ver o mar, uma última vez. Sim, uma última vez. Ela iria para a morte, de braços abertos e não feliz. Mas da vida não havia mais o que esperar. Acariciou sua barriga e não olhou para trás, jogou-se nas pedras.
O sangue escorreu. A vida acabou, passou pelos seus dedos, passou pela alma de seu filho. E, mais uma vez, foi-se embora para sempre.


Sim, é verdade. Ninguém nunca disse à pobre menina que sua esperança não devia morrer. Ninguém nunca a amou tão de verdade, como a vida a odiou. E, por isso, ela se foi. E se foi sem diferença, para toda e grande perfeita humanidade.

Assim é a vida e a morte de muitos. Mas quem realmente se importa?

Quem sabe as bactérias que irão deteriorar o corpo, após o final.
Eis seu real valor.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Flores de Vida.

Sentimentos não existem para ser mentidos. Existem para ser sentidos.


Quando entrei naquele quarto, não imaginei que a veria sorrindo. Era um sorriso daqueles verdadeiros, que dá uma pontada na alma de prazer. Paralizei-me ao vê-la assim, no esplendor de uma estrela. Parecia realmente um anjo.
Há um dia atrás, ela estava aos prantos, ligando-me a cada meia hora, pedindo por apoio e um ombro amigo. Hoje, ligou-me e pediu que eu fosse até sua casa. Esperava, não por mal, lágrimas de tristeza, de saudade e de agonia. Mas minha recepção foi muito mais calorosa. Esse sorriso me doía a alma de alegria e, também, de medo.


- Lúcia? - eu perguntei.

- Ah! Que bom que veio! Preciso contar-lhe : estou feliz, vê? Muito feliz, tomei uma decisão!

- Que decisão? - tentei conter o susto.

- Ah, querida, não posso contá-la. É segredo, sabe? Mas somente até amanhã! Sim, amanhã você me verá e ficará muito feliz por mim.


Calei-me. Definitivamente, ela estava estranha. Como não percebi no momento? Nao sei. Mas devia tê-lo feito. Procurei disfarçar minha ansiedade em prol de minha expressão. Queria sacudi-la e perguntar se estava enlouquecendo. Pois era o que parecia. Vi que estava cantarolando para cá e para lá, da sala para o quarto, todo o tempo. Parecia estar em transe, ou algo do gênero, mas aquele sorriso nunca desaparecia de sua face.
Ofereceu-me água, dizendo que purificava a alma. Ora, mas para que eu iria querer purificar minha alma? Eu pensava e pensava, contudo não havia resposta para essa tão rápida mudança
de sentimento. Resolvi, enfim, levantar-me para ir embora.


- Lúcia, acho que já me vou...

- Oh! Jasmins! Tão brancas! Como gosto de jasmins!

- Jasmins? - essa era nova.

- Sim, jasmins! Venha ver-me amanhã, sim? Traga-me jasmins?

- Mas por quê?! - não agüentava mais essa situação.

- Porque eu as amo! E entre sem bater. Estarei esperando-a no meu quarto.


Fui para casa meio atordoada. Por que essa obsessão por tais flores? Não conseguia entender e tentei fazê-lo durante horas, em contato com o escuro teto do meu quarto. Aquele sorriso não saiu de minha mente. Como ela podia sorrir tanto?! Seu casamento seria daqui a duas semanas e seu noivo estava morto! Morto, sem volta, em baixo da terra. Ela não havia dito nenhuma palavra, durante o enterro. Apenas dirigiu-se ao caixão e sussurou algumas palavras no ouvido de seu amado.
Ela não podia ter-se recuperado assim tão fácil. Poderia ter tomado anti-depressivo, quem sabe os efeitos que podem causar? Nesse caso, não a culpo de estar louca. Mas e se é o tipo de pessoa insensível que esquece que um dia amou alguém ferozmente? Não, Lúcia é um poço de bondade e sentimentos...

Cansei-me de deduções e fui dormir.

No dia seguinte, acordei bem cedo e fui até a floricultura. Jasmins. Havia de comprar essas flores. Escolhi as mais belas que pude e rumei em direção à casa de Lúcia. No caminho, fui lembrando de tudo que ela e o noivo haviam vivenciado. Eram tão apaixonados. Ela dizia que ele seria seu último homem. Pobre menina.
Quando cheguei em frente a sua casa, respirei fundo. Não sabia se agüentaria mais sorrisos como aqueles. Senti o cheiro das flores invadindo meu corpo e acalmei-me um pouco. Tudo parecia tão irreal. As flores, os sorrisos, a água. Lúcia.
Resolvi entrar. Passei pelo corredor, que passava quase todos os dias, até chegar ao quarto e encontrar um bilhete grudado na porta:

"Trouxe as Jasmins? Se não, volte depois com elas! Só entre com minhas pequenas flores! "

- Estranho. - sussurei.

Bati na porta uma, duas, três vezes. Então, resolvi abri-la. O quarto cheirava a... Jasmins! Havia água na mesinha de cabeceira, e um retrato dos dois juntos, uma foto recente. Lúcia estava deitada, na cama, parecia que estava a dormir. Aproximei-me e percebi um envelope em cima de sua barriga. Peguei-o de leve, para não acordá-la.


"Eleonora, se está aqui, lendo isso, é porque não me faltou com a palavra. Obrigada pelas flores, é tudo que eu desejaria hoje.
Mas o amor, meu amor, me chama. E, para com ele, nunca negaria nada.
Lembra dos sussurros? Não eram simples lamentos. Eram minha promessa, e, hoje, hei de cumpri-la.
Quero estar ao lado dele, até embaixo da terra. Lembre-se disso, por favor.
E todos meus sorrisos baseavam-se no fato que logo o encontrarei.

Adeus.
E sorria para mim."


Eu chorei. Larguei a carta e chorei. Como nunca havia feito antes. Ajoelhei-me e abracei-a. As lágrimas escorriam incessantemente. Eu abraçava um anjo, uma menina que amou e ama. E continuará a amar. Sempre. Dentro de mim, dentro de cada um.
Peguei as jasmins e tirei a mais bonita do ramo. Coloquei-a junto de suas pequeninas mãos, tão jovens, tão frágeis. Tão cheias de sentimento.
Voltei-me para a porta de sua casa com todas as outras jasmins. E, para cada pessoa que passava por mim, eu entregava uma delas e dizia: "Sorria por seu amor! Sorria por sua vida!"

A última jasmin, eu guardei-a para mim, e até hoje a tenho. Ela me lembra aqueles últimos sorrisos de Lúcia e, principalmente, o grande sacrifício de amor que emanou de sua alma para o mundo, até o momento em que se despediu dele com flores, alegria e coragem.

sábado, dezembro 02, 2006

Dessa Forma.

Se eu pudesse ainda me perder nesses olhos cor-marfim,
Se eu pudesse dizer-lhe o quanto de você ainda resta em mim.
Caso eu visse suas cores sem coloração batendo com força na minha alma,
Caso eu entendesse antes o quanto sua respiração e seu olhar cedem-me calma.

Talvez eu não tivesse te deixado partir,
Talvez eu nunca tivesse pensado em desexistir.
E teria agarrado suas asas, para você nunca voar,
Seria egoísmo, mas, contigo, para sempre eu iria sonhar.

Sonhar?
- Viver.