segunda-feira, março 28, 2011

fotografava as flores chorando. caíam as gotas de orvalho, tal como lágrimas, de suas pétalas até o chão seco. gostava de marcar aquilo, pois era um momento que levaria consigo para sempre, lembranças do cheiro, dos sons, da vida toda que emanava dali para o mundo.
deixava que a flor chorasse em seu lugar. sentia como se o corpo fosse quebrar se se desse ao luxo de soluçar escondida. preferia que chorassem por si, que a beleza tomasse a tristeza que guardava nos clicks e revelações.
seu marido fora embora. parece que tudo, no final, se resume a uma história de amor mal resolvida. mas não! não era isso... pelo contrário, estava com uma felicidade meio culpada por ter sido deixada. as coisas andavam tão mornas, tão hospitalares, que qualquer quebra de silêncio a fazia dançar. mesmo que essa quebra fosse feita por ruídos e gritos sem ritmo.
por toda a sua vida esperou um amor. era a mulher perfeita. sabia cozinhar, passar, andava de saltos altos, era inteligente, conversava sobre livros, era fotógrafa e até discutia um pouquinho de política e futebol. queria casar, é claro, como não poderia querer? um homem de quem cuidasse.
mas o casamento veio, as tarefas diárias lhe tomaram a vida, o sexo era doloroso e sem graça e, ainda por cima, não passava novela aos domingos! ia à igreja, é claro, e pedia a deus um pouco de açúcar nessa merda toda. chegou a um momento tão entediado em sua vida, que esperava os domingos para sonhar com o padre bonito que passara a rezar as missas.
mas, para o mundo, era uma mulher feliz. ainda nova para os filhos, com um marido bonito, a casa límpida e reluzente, as idas ao mercado, as alianças de ouro branco e os passeios aos casamentos e formaturas.

hoje, quando ele foi embora de madrugada, ela sentiu uma preguiça enorme de entender o que se passava. leu a carta, estava fugindo com outra. voltou a dormir. era minha vida uma novela mexicana, meu deus? mas onde está o drama? acordou cedo. calçou os sapatos. tomou seu café com hortelã. decidiu ir fotografar.
não era falta, não era amargo nem frio, era uma idéia do novo. tudo se quebrou. o que parecia era que a casa estava falando com ela, rangendo os cômodos que logo cairiam aos pedaços.
não sabia agora muito bem o que fazer. nunca fora triste, mas se sentia agora livre. não porque ele a prendia, mas porque era tudo uma farsa. não era amor, não era ódio, não era vingança. não era nada, simplesmente. e não se tratava só dele, mas de toda a sua vida até aquele momento. afinal, por quê? por que fez isso e não aquilo? por que se deixou levar pelo que deveria ser? só conseguia pensar num sei lá bem podado e desconexo.

decidiu fazer um álbum de fotografias. não para se lembrar das coisas, porque o que tinha se passado até ali era um livro em branco. quis fazer um álbum para recriar mentiras, contos e poemas que poderiam sanar o que não foi. a arte a salvaria.
e, dali para frente, com a primeira lágrima, formaria uma biografia, não mais um livro fantasioso.

sexta-feira, março 11, 2011

tornou a espiá-lo (era pelo canto dos olhos que fazia existir o amor).

uma tarde adocicada entrava pelo quarto, música calma e viva tocando a pele daquele homem sentado na beirada da cama, as pernas dobradas, como impaciente, os olhos se revirando da janela ao teto e do teto aos pés.
ela estava dentro de um cansaço quase desenfreado, queria se levantar e gritar a dor que estava sentindo, um mundo inteiro de peso nas costas sendo deixado para trás. e queimando cheio de cicatrizes.
ainda estava no umbral, meio enviesada para não tampar os raios de sol que batiam no rosto dele. era como se ele se tornasse parte da natureza ou parte de uma pintura que ela queria poder pendurar no quarto, para admirar até tenras idades. ou jogar para o mundo, colocar dentro de um balão e soltar vida afora.
lembrou, ali quieta, dos momentos que já pareciam ser parte de outra vida, dos sorrisos e das enganações, de todo o amor que arrumara graciosamente nas palmas das mãos abertas. eram mãos pequenas, mas as unhas eram vermelhas, e as linhas fortes. isso lhe concedia certa dose de mentira.

"não, não há mais o que ter. não quero mais esse anel, essa casa, seus sapatos ao lado da porta. nem quero mais sentir esse gosto doce das lembranças que tentam me possuir, como um demônio de várias línguas.
ontem, chorei por horas a fio ao lado do telefone. depois de meia hora, já não sabia mais por que chorava. só chorava porque estava chorando e chorar machucava e expurgava a vida de tal forma que me fazia tremer até os tímpanos. de repente, como um clímax, percebi que podia parar de chorar em paz. é que eu chorava por algo que não era mais meu (ou quem sabe nunca foi). eu chorava porque queria de volta o que achava que tinha. entende?"

"não entendo muito bem. mas peço desculpas, porque, sabe, acho que te deixei meio confusa e perdida. diria até que meio louca. mas o amor existiu, agora é outra coisa. quem somos nós para controlar o que o amor é ou se torna? ficamos exigindo situações, conclusões, ações exatas... e no final das contas, para quê? ser feliz com o seu tempo e suas mudanças é do que preciso. é do que precisamos todos nós."

não se tratava de nada disso, e ela sabia. já estava superada. queria agora dar um passo à frente, cruzar aquele maldito gosto adocicado -que mais tarde identificaria como saudade- e dirigir para além daquela casa, da janela e de tudo que tinha criado para suprir o que lhe faltava.
só assim poderia fechar os olhos, ainda que um cisco a contorcesse de dor.

quarta-feira, março 09, 2011

meu quarto está uma bagunça, as goteiras caindo na cabeça, nas mãos e em onde mais conseguirem cair, o corpo desorganizado e recebendo as cores fugidias dos móveis, das fotografias e do cheiro teu que permanece aqui. um copo de água vazio na mesa grita, o vazio do grito quebra o copo cheio de alguma coisa que ainda não sei nomear.
mentira, sei muito bem: é dor. e ela escorre pela escrivaninha, alaga o chão inteiro e vai subindo subindo até encontrar os lábios e beijá-los com um pedido silencioso. é um quase fica. é um quase vai. é um fica mas vai, é um vai mas fica.

canto de ossanha que me perdoe, mas vou, que sou alguém de ir. guardo na bolsa um los hermanos, uma tiê, uma fiona e mais nada. vou-me embora pra onde me deixem mergulhar numa praia deserta, escutar um vinicius de moraes apaixonado. que é disso que preciso, apesar de não precisar absolutamente nada.
o carnaval dançou com o coração em frangalhos. cada samba era lembrança dos toques, da distância, daquilo que mal começou e já foi embora.