quarta-feira, janeiro 22, 2014

- estou enlouquecendo, carlos. e não há hospício forte o suficiente para aguentar a minha loucura, a minha queda que é a própria gravidade. 

o homem piscou os olhos, como quem tenta tirar poeira dos cantinhos da vista. talvez uma tentativa de entender o que essa mulher sentia. era dor, era tristeza, era tédio? não sabia, talvez nunca viesse a saber.
mas é na desconfiança que se criam os laços. não na desconfiança dolorosa cheia de rancor, mas na falta de confiança numa certeza.
e agora? onde colocaria sua cabeça encostada? não há ombro que suporte esse peso nem cama que não pegue fogo com o calor dos pensamentos. talvez a jogue num parque com um gramado tão extenso que lembre as ondas do mar.

- são as cores de uma aquarela atiradas na parede de um quarto sem portas ou janela. é a embriaguez sem licor nem vinho, talvez de um café que se esvai com sua fumaça quente pelo mundo. sou o apito do silêncio nesses dias vazios e sem dó.

foi até o umbral respirar o vento, esse desses dias de verão que lembram a infância. talvez dar-lhe as mãos a console, é um gesto de presença forte, de desenho marcado para o momento da solidão. mas como se não lhe resta mais força para agarrar forte em qualquer coisa que emane o agora, o instante e a própria tentativa de escapar de dentro de si?
é o perigo da entrega. não resta força, mas sobra tudo que grita. são as curvas e contorno de frida kahlo, aparentes elevações de todos os sinais do mundo.

- sabe quem eu queria que estivesse aqui? não, eu também não sei. é possível alguém que me olhe e me escreva? também na arte fugimos. não por covardia, mas por libertação. peço apenas algumas linhas tortas, alguém que se faça de deus e que escute minhas orações. e que nesse momento guie meus passos.

não é fé de que precisa. é de sentir-se parte de cada palavra, da imagem que é a criação. é procurar no absurdo algo que seja aceito dentro do que entendemos. afinal, não a tiraria dali. não adiantaria levá-la para um passeio ou para jantar.
cansado, desolado e sem saída, começou a pintar seus contornos.
no voy a dormir,
pero a soñar.
con las alas abertas
vuelo hasta mis ojos cerrar.
você me empurrou do quinto andar.
não o corpo
ou os sapatos
nem as flores que nunca existiram.

foram os gestos que te dei
embrulhados em fitas coloridas
e papéis regados de tempo e saudade.

o corpo livre dos abraços
não há marcas de unhas nas pinturas
nem o som do violão nas tardes de domingo.

não voei quando caí
talvez porque tivesse pernas
talvez porque tivesse mãos que fazem poesia.
mas não voei,
não voei.
e caí.
nasci para a lua
para os rebentos do mar
perdida nas esquinas da vida
sou filha de iemanjá.

nas mãos o cheiro do sopro
fumaça que sobe ao céu
alcança as estrelas distraídas
canto de amor escondido num véu

corpo girando na praia
lâminas ditas na areia
acordo as ondas com os versos
esses que correm nas veias.

terça-feira, janeiro 14, 2014

você nunca me deu uma flor. estando num barquinho em veneza ou num ônibus na suburbana. sequer o cheiro das pétalas passou longe, essência de carinhos, saudades e paixões suaves. 
por que, sendo tão humana, não tenho direito a segurar algo que se esvai como um sopro, mas que é belo, é belo, é belo. é o amor em formato de vida, é a vida em sua esfera mais animal e feliz. 
não quero a delicadeza de uma margarida ou os espinhos de uma rosa. tampouco o sol que gira do girassol amarelo. quero sentir seu cheiro, o sorriso de flor se abrindo para o mundo e pedindo para ser tocada e salva do asfalto, que é a maior solidão que podemos ter.
quero uma flor pra guardar o tempo que cai em seus braços como o orvalho chega toda manhã. quero soprar seu pólen em minhas poesias frágeis e famintas.
você nunca me deu uma flor, porque a madrugada serena sempre volta, porque meus olhos brilham demais e meu corpo parece feito de galhos, folhas e pétalas.
llueve la sonrísa en mi cuerpo poncho
alumbra mi corazón
y házselo arco-íris de tus besos.
tristeza canta o choro da aurora
das reticências entre mim e o adeus
das dores em trânsito, 
viajantes do mundo. 

versos multifacetários
invasores dos sopros de meu pensamento
escrevem sentidos em linhas tortas
e em linhas tortas uma reta sem fim.

retira, tu, essas rimas
de quem não sabe esperar
e foge, impaciente,
pra onde não haja canto
nem aurora
nem caminhos indecifráveis.
paixão são advérbios exagerados
fugas sem controle e mentiras deslavadas. 
saudade que não cansa em esgotar
o suor dos corpos 
mistura de agora e de uma vida inteira.

mas o amor
o amor é a intensidade dele mesmo.

segunda-feira, janeiro 06, 2014

samba do desencontro

grita, tambor, 
o dia de ti ausente
passos na saudade pisam
no compasso sem batida.
com essa voz de cuíca
beija a poesia e os cantos distantes.

onde samba você?
danço na praia
acordo nos mirantes
e por aí escuto teu cheiro.
por que o vento apaga o fogo
quando se esconde 
a chama pelas cavernas e celeiros
nas noites frias
de carnaval a janeiro?

carregados de palavras não ditas
queima o mundo em segredos 
rios secos e sem rumo
pelos fósforos nunca acesos.

abre tuas flamas, corcel sem dono
traz o vento nas asas
pula as luas sem ferir cicatriz
porque o que se é só se transforma
quando se grita o que nunca se diz.