segunda-feira, novembro 29, 2010

mudo. mudo tanto que chegam a doer os tímpanos. é que essa mudança grita, mesmo muda, no corpo que sua e seca. ontem eu olhei para você e me surpreendi, pois não era mais quem fui que te olhava. eram sílabas e sons e gostos e (o que mais?) sentidos distantes, mundos que se desprenderam sem um relógio de pulso.
vou te contar que tive medo, como um recém nascido descobrindo a fome. não conseguia mais tocar dizer ou contar os segredos.

acabou? acho que sim. novamente não sinto mais nada. seus passos estrangeiros, os abraços sem braços, a cadeira vazia no topo da escada.

pode ser cansaço? acho que é um tédio escroto que me engole. repetições, incômodo, não há o que descobrir (rasguei tudo muito rápido, ferocidade querer tocar viver).

porque os vai-e-vens agora me dão nojo. não estou mais ansiosa ou à espera. estou livre. tão livre que me sinto infeliz. não porque queira estar presa, porque não quero! mas porque não me possuo. não posso nem mais dizer que um mísero fio de cabelo seja meu.

acho que vou te pintar um quadro. tentar recriar o que hoje me falta. lambuzar o vazio de cores disformes.

casei sozinha. subi no altar e disse sim por dizer. é que a música que tocava me emocionou, precisei chorar e fingir uma felicidade morna.

agora aqui sei que vou sair dessa sala e quase entrar em desespero, pois levarei um soco no estômago que me fará vomitar tudo, tudo, até ficar sem escolhas. também não teria nada a escolher, se guardasse o que deixei sair d emim. não deixei, meu deus! saiu porque levei um soco.
eu sabia disso. tentei até ter uma gravidez psicológica para me salvar da crueldade. é que daí eu carregaria a vida, receberia proteção divina e seria mãe! ah! eu teria posse de algo, um filho meu.
mas desisti. abortei uma invenção, sangrei até cair e levantar com as mãos sujas e vazias...

como tem que ser.

sexta-feira, novembro 26, 2010

a violência sobe pelos braços, dormência única que não para a dor de ver e sentir o medo e o cansaço. quero um colete que prove que a vida ainda vale a pena para aquelas pessoas que me abraçam e me beijam e me pedem socorro com os olhares na televisão.
os corpos descem morro abaixo e parece -algo me diz- que são enterrados no meu quintal. vou deixar flores aos pés, mas o sangue faz nascer outra coisa da terra, algo gelado e quente, das entranhas do trabalho e do incômodo que é estar nesse mundo, assim agora sem saída sem nada mãos vazias e cabelos nos olhos armas apontadas para o nosso ventre - a vida que é violentada até no que poderia ser...
meu deus, e a escola? e a quintandinha do seu josé? e a igrejinha repleta de degraus para lugar nenhum oração quem sabe um pedaço de céu? quero abraçar esse mundo, ganhar esse sangue que cai não em gotas mas em metal duro e concreto, dar as flores que joguei nos túmulos e transformá-las no que sei que não pode ser feito só com flores.
tudo é violência. violência escondida, embaixo do travesseiro, pedindo para entrar e usar o banheiro da casinha. é preciso ser violentado - mais do que se já é - é preciso perceber a violência e amarrá-la e deixar que machuque e chorá-la e querer um dia poder arrancá-la do corpo e transformar esse substantivo num grande vazio passado que não poderá ser recriado nem em poesia.

porque essa violência que vemos... porque essa violência que sentimos e deixamos e sabemos esquecer
ela tá aí. como quem mata sem deixar pistas, sem deixar vácuo, apenas sofrimento morno, e dor de perda justificada.
não é possível! que nada disso se justifica, realidade de merda escrota filha da puta.
isso é um não agüentar que voa de todos os poros até as lágrimas que caem e as palavras que conseguem escapar de uma boca rouca e velha quanto esses olhos que não duvidam mas não aceitam o que vêem.

quarta-feira, novembro 10, 2010

é engraçado eu estar aqui, agora. não queria nada disso, sentir esse amontoado de linhas paralelas, loucas e incosntantes. queria ser a gatinha da lygia, que brinca com papéis, que pula da cama, cai no chão, se estatela e esquece tudo, tudo, no dia seguinte. mas reconhece pelo cheiro, pelo amor perdido, pelo suor do tempo e pelo pulso que seu coração se torna ao abrir a porta de casa à tardinha.
será que um dia eu amei? é que o amor me está tão longe que às vezes tenho medo de ter inventado tudo. mas eu era outra (eu sei), e talvez por isso não consiga mais escutar a beleza ranger nos meus ouvidos. é doce e viva essa sensação, mas triste, tão triste que chega a dar uma monotonia e quase um tempo morno de felicidade.
fui pegar uma bala pra ver se eu mastigo um pouquinho do que é o amor. aqui em casa há uma sala cheia de doces, sorvetes e pipas. parece que é a minha infância engaiolada e dormente, pronta para me atormentar e gritar o que eu sou.
os livros estão dormindo na cama, um diário azul e pronto para ser jogado no lixo, um copo de guaravita, o papel de bala amssado na minha frente. acho que vou guardar esse papel como forma de aprender a embrulhar a idéia de amor. não há nada ali, nada, só o cheiro da bala. e não é assim que tudo fica?

eu queria pedir alguma coisa, sabe? acordar, calçar os chinelos, correr para o mundo e gritar "alguém me dá o que eu preciso!". mas nem eu sei ainda, talvez seja um olhar profundo, um esgar de lábios devagar e com muita semântica. não, semântica não, não precisa ter isso, nunca, mas sentir, e sentir muito.
pensei em jogar tudo fora, pela janela, pelas frestas da porta, abrir a cortina e dar um grito que pintasse o céu, que desenhasse o que eu quisesse, como um poema que antes de nascer já é poesia.
você consegue ver? eu não, o grito quase me cegou, pintou não o céu mas meu corpo, os olhos se tornaram bolhas de sabão que estouram depois de serem violentadas por dedos e vento e amor.

acho que o amor me atormenta. de uma forma que nem eu percebo. passeia pelo meu corpo, finge que vem, mas engana. ameaça e vai vai para sei lá onde, algum lugar onde possa brincar de esconde-esconde.
não vou procurar, porque estou cansada, suor de correr de outras coisas, da vida, pelas ruas, amontoados de dias e passos e sons. deixo ele se perder, calado, chorando, sempre à espera, com uma máscara empoeirada que eu costumava usar nos carnavais.

(vou te contar uma coisa: caí numa confusão de pêlos, olhares, lágrimas, corpo palpitante de momento, mentiras, promessas nunca ditas, cama e eternidade de ânsia, uma ânsia muito forte. nenhum medo, mas uma profunda irritação pela indiferença)

vou dançar. o corpo em tormentos no meio da sala, sonidos tocando os músculos e os poros.
fico tonta, mas posso sorrir em paz.

domingo, novembro 07, 2010

minha ocupação é ser poeta
rir com os rios,
chorar enfartos de sílabas soluçantes
saber o momento de calar,
mas mentir no silêncio

trabalho com as rimas do asfalto
marcas passageiras no corpo do chão
passantes e vivos no caminho do verso

nada sei sobre o mundo
apenas sinto o que agora as mãos me permitem:
um salário vazio
mas cheio de mim.

segunda-feira, novembro 01, 2010

minha vó está deitada na cama. sinto vontade de abraçá-la forte e de dizer vó, vai ficar tudo bem. mas ela não vai entender, vai dar uma risada ou um gemido baixinho e voltar para o seu mundo e para fora de mim. talvez seja melhor ela não ter entendido, pois não precisou engolir minha mentira. porque não vai ficar tudo bem. não, não vai. ela está sozinha e vai sofrer, o corpo mole e desolado, lábios solitários e sentidos surdos.
sinto vontade de chorar por nós duas. ela nem chorar mais consegue, não consegue mais ficar triste ou se lamentar, não entra em desespero. olha para o teto como quem vê a gávea dos pobres, a época de ser faxineira e não poder tomar conta dos próprios filhos. o abandono daquele nordestino safado, ser só na vida, a morte do seu quase marido camelô.
lembro de uma vez, vó, que você fez pizza pr'eu comer, lá no minhocão. e que eu achei tão ruim... cuspi na hora, e você ficou irritadíssima, me chamou de mal educada! lembro de tantas coisas, lembro de fazer penteados no seu cabelo, de jogar jogo da velha, de passear contigo. e você sempre foi tão parecida comigo... pequena, as mãos de criança, os olhos perdidos em qualquer lugar.
eu queria que você me entedesse para eu dizer que não foi culpa sua... que não adiantaria você ter chegado lá a tempo, ter parado de ver a novela para fazer o café mais cedo, ter tido vontade de subir para ir ao banheiro e passar pelo quarto. a morte, quando vem, não deixa culpados. não dessa forma. e talvez tenha sido melhor assim, não sei, juro que não sei.
também não foi culpa sua ter nascido pobre e ter sido abandonada. é culpa de... não quero falar sobre a culpa agora. mas ela está bem, na medida do possível, conseguiu sobreviver. e agora está cuidando de você como um filha. minha mãe é forte, de certa forma.
vó, eu queria te salvar. queria te mostrar fotos das coisas lindas, te contar histórias, te levar à praia num dia chato de domingo. colocar a minha mão na sua e ver uma lágrima de tristeza cair.
você já foi embora há muito tempo, deixou apenas o corpo pesado para trás. eu não gostava de ir ao hospital... tinha medo, ficava mal por dias, seus cabelo sem estar em você, um não saber nos olhos de uma vida longa. depois a cadeira de roda, a perda de sentidos, a surdez aprofundada, o vazio, o tomar banho em desespero, a merda no lençol.
por que eu não conseguia? um dia, minha mãe, irritada, me puxou até o banheiro e começou a gritar comigo para eu te dar banho. minhas pernas tremeram, chorei chorei, pedi pelo amor de deus para ela me deixar ir. vim para o quarto e me joguei na cama, um profundo mal estar me tomava, precisava respirar muito, oxigênio, tive a ânsia de vomitar tudo e de fugir dali.
isso machuca tanto. te ver deitada na cama, o chapeuzinho que você tanto gosta na cabeça, a camisola rosa, sua pele com cor de adeus. a cadeira de rodas na sala, a porta do banheiro fechada, meus dedos não agüentando mais o peso do que sinto.

sabe, vó, eu estou chorando agora. porque tudo é tão incontrolável, esse não poder fazer me arranca todos os fios de cabelo e me deixa nua.

me desculpe por querer mentir para você. mas é que eu também queria acreditar nessa mentira.

um abraço, talvez, mesmo que você não sinta, é tudo que posso dar agora.