quinta-feira, agosto 24, 2017

sempre choro quando lavo a louça. não sei se também acontece com você, mas esse choro é pior do que aquele provocado por cebolas. é como uma cachoeira de água perfumada caindo direto da nascente da memória. quando começa, se apossa por inteiro de mim e já não tenho controle de nada. choro, como um verbo vivo e independente, como um filho que após crescido nos abandona e some no mundo. aqui no caso, vira água corrente, escorrega nos pratos, some no ralo. e de repente desagua em algum esgoto solitário, quem sabe, ou vira alimento de baratas.
me sinto meio máquina programada. é só molhar a ponta dos dedos que já nasce a primeira lágrima. parece um time-lapse de flor desabrochando - quem vê não imagina o tempo que demorou, o vento que por ali passou nem o cheiro que emana. por trás do vídeo tem um outro vídeo, que só vê quem é flor. quem não é ou não pode ou não quer ser acha que vê, mas não vê é nada.
você deve achar que bebi um conhaque ou qualquer coisa pra estar assim tão emocionada. juro que não bebi nada. aliás, acho que troquei o álcool por choro (quando não deveria ser o contrário, meu deus?). se tivesse aqui um conhaque (ou o poema sobre o conhaque) de repente terminava de lavar essa louça em paz.
seria bem mais simples: no fim enxugar a louça como quem enxuga lágrimas. não deixá-la jamais pela metade.
me lembro dos teus passos: aqueles que me faziam tocar a existência. exatamente como encostam no chão, com um barulho já tão íntimo parecido com alguma canção que escutei na infância. agora, indo até o banheiro com meus passos tímidos, fiz aquele barulho tão fantástico que você fazia com seus chinelos, e que me acordava nem que fosse no meio da madrugada muito feliz e aliviada por poder escutá-los, saber que eram teus, lembrar que ainda estava ali, e sorria. 
saber esses passos é como retornar. tenho no chão algum tempo que já nem sonhava que tinha, e sinto saudade dos gestos, dos cheiros e do detalhe daquela janela com uma cortina florida.
não consigo sequer chegar ao banheiro. não termino de lavar a louça, não saio do mesmo lugar. esse passo que parece mais uma bala perdida dessas que abrimos o portão num dia normal e que bonito está o céu respiramos um pouco e colocamos o fone de ouvido que música maravilhosa o que será que comerei no almoço? e já não há mais nada a se pensar, porque sim se morre em pleno dia. sempre cito clarice, talvez porque esses passos também me lembrem as horas em que sentada na varanda lia seu livro, calmamente.
agora não sei, não sei mais, acho que vou dormir. espero escutar teus passos mais uma vez na madrugada.

segunda-feira, agosto 14, 2017

que mania chata essa que tenho de filosofar sobre tudo.
ou será problematizar? 
já estou então problematizando 
a filosofia ou filosofando 
a problemática?
coisas que a internet faz com a gente - além de gerar vícios inúteis
(como se algum fosse últil)
acho que tenho também vício em poesia
esse lixo reciclável.
eis que tô pensando sobre
versos. pensando muito. parece até que estou num trem com trilhosintermináveissemfonedeouvidooucaderninho.
só faço pensar.
às vezes acho que estou virando escultura. mas esculturas não choram.
eu sim. exceto que não
digo sim
nunca, só funciono na negativa.
não te disse que é uma mania chata?
seja lá quem tu for.
1. passar a nomear tristezas: tentar vencê-las.
2. saber impossível nomeá-las (mas ainda assim tentar)
3. descobrir cada vez mais tristezas escondidas pelos cantos - algumas passivas, outras tentando te matar.
4. acumular tristezas com medo de perdê-las - já que não se pode nomear, é porque são raridades. e raridades valem qualquer coisa, melhor esperar anos para vender a um colecionador.
5. depois de anos, entender que você é o próprio colecionador - e que agora compra tristezas dos outros.
6. um dia, sozinha, escutar as tristezas te chamarem pelo nome.
pelo sobrenome.
te dão apelido.
também são gentis, e saem do canto dos armários para cantos de te fazer ninar.
7. de volta pro início: acabo de ganhar mais uma tristeza.